FAP e seus paralelos

A Psicoterapia Analítica Funcional (FAP), como o próprio nome diz, é uma teoria funcional, ou seja, busca compreender como terapeuta e cliente se relacionam a partir das consequências que mantém os comportamentos de ambos. 
O trabalho feito em sessão com o cliente é baseado em uma conceituação de caso a partir das contingências que envolvem aquele cliente em questão. Na abordagem comportamental como um todo, mesmo quando um terapeuta se depara com um caso parecido com um anterior, ele deve buscar naquele caso específico as contingências das quais o comportamento daquele cliente é função. A diferença do terapeuta FAP para os demais é que esse vai buscar as contingências que envolvem o comportamento do cliente também durante a sessão. O objetivo não é se focar exclusivamente no que o cliente fala e como ele fala (p. ex. de forma agressiva, acelerada, ou lenta demais), o conteúdo e a forma de suas falas. Mas também no porque ele fala o que fala e porque fala do jeito que fala, ou seja, a função de trazer à tona cada assunto e a função de trazê-lo de uma ou de outra forma. Para isso, é importante perguntar-se sempre em sessão “Qual o efeito que esse assunto ou essa forma de agir produz em mim? E nas pessoas que convivem com ele?”. 
Comumente, ao se fazer esse tipo de pergunta, o terapeuta identifica semelhanças entre o que o cliente faz em sessão e fora de sessão e, por isso, diz-se que ele está traçando um paralelo. Para isso, é preciso se focar na função e não na topografia de tais comportamentos, pois a forma como o cliente se comporta com o terapeuta pode ser bastante diferente da forma como se comporta com outras pessoas, mas ainda assim, produzir o mesmo tipo de efeito. Em geral, o cliente chega à sessão contando situações pela qual passou e vivenciou, situações essas presentes em seu dia a dia e em sua história de vida. Dentre essas situações, há aquelas que passam a ser consideradas como as situações-problema pelas quais o cliente passa; aquelas nas quais o cliente emite seus comportamentos-problema. São esses mesmos comportamentos que o terapeuta busca identificar ocorrendo na sessão terapêutica. Na verdade, dizer que o terapeuta busca por tais comportamentos em sessão é apenas uma simplificação do que de fato acontece, pois muitas vezes o terapeuta se depara com tais comportamentos-problema em um contato telefônico, em uma conversa de corredor ou mesmo na ausência do cliente em sessão, quando faltas podem ser identificadas como um problema, por exemplo. Ou seja, o terapeuta procura identificar tais comportamentos-problema na própria relação terapêutica (ocorra ela onde for). Quando tais comportamentos são identificados nessa relação, são chamados de CCR1 (comportamento clinicamente relevante) e quando são identificados na vida diária do cliente são chamados de O1 (Outside of session behavior – comportamento de fora da sessão). 
O mesmo vale para os comportamentos de melhora, ou os objetivos do cliente. O terapeuta busca identificar na relação terapêutica os comportamentos que apresentam a mesma função das melhoras ocorridas fora de sessão. Os que ocorrem na relação terapêutica são chamados CCR2s e os que ocorrem fora dela são chamados de O2s. 
Fazer tais paralelos é essencial no trabalho realizado na FAP. O foco principal da teoria incide sobre a modelagem de repertório que ocorre na relação terapêutica. Se o terapeuta responde de forma apropriada nesse sentido, evocando e consequenciando adequadamente os CCRs do cliente, rapidamente são observadas melhoras em sessão, na relação entre terapeuta e cliente. Porém, essas melhoras não podem ser o objetivo final da terapia. Afinal, o cliente busca ajuda terapêutica para lidar com seus problemas que ocorrem fora da terapia e é nesse momento que os paralelos feitos entre CCRs e Os são de suma importância e devem ser explicitados para o cliente. 
No início de uma interação FAP, o terapeuta identifica a ocorrência de um CCR, muitas vezes confirmando com o cliente que tal comportamento é funcionalmente semelhante a algum comportamento-problema que ocorre em seu dia a dia. Nesse momento, está fazendo a Regra 1 do terapeuta FAP – identificação de CCR através de paralelo de fora-para-dentro. Em seguida, o terapeuta evoca os CCRs (Regra 2) e reforça a ocorrência dos CCR2s (Regra 3). Ao verificar seu efeito reforçador sobre o comportamento do cliente (Regra 4), pode-se dizer que ocorreu o processo de modelagem de CCR2 em sessão. Mas a interação FAP não está finalizada nesse momento. Por fim, é importante que o terapeuta mostre a relação entre as melhoras ocorridas na relação terapêutica e as que podem ocorrer em sua vida diária, através de paralelos de dentro-para-fora
No entanto, deve-se sempre lembrar que os CCRs do cliente estão sendo analisados na relação com o terapeuta como repetidamente apontado acima. E em função disso, o terapeuta não escapa à análise funcional a qual o cliente é submetido. Por ser criada uma relação de intimidade real entre terapeuta e cliente, ambos passam pelas dificuldades envolvidas em relações próximas. 
De fato, a FAP pressupõe certas regras às quais o terapeuta deve seguir a fim de conduzir apropriadamente uma interação FAP. Tais regras descrevem funcionalmente como o terapeuta deve conduzir a sessão, mas não são suficientes para sanar as dificuldades do próprio terapeuta. Assim como o cliente, o terapeuta tem de enfrentar problemas e dificuldades em sua vida diária e deve buscar o aprimoramento de seus comportamentos, tentando alcançar sempre a melhora de suas relações. Ou seja, também é possível observar no comportamento do terapeuta fora de sessão, O1s e O2s. Caso tal terapeuta seja também cliente de uma terapia FAP, podem ser traçados paralelos entre seus Os e seus comportamentos na relação terapêutica da qual é cliente, identificando-se seus CCRs. Sendo assim, seria muita ingenuidade acreditarmos que tais comportamentos-problema do terapeuta (O1s e CCR1s) deixariam de aparecer em sua atuação profissional, no contato com seu cliente. Tais ocorrências requerem reconhecimento e grande atenção por parte do terapeuta. 
É possível que um comportamento-problema do terapeuta seja tão frequente em seu repertório que ocorra com todos ou a maioria de seus clientes; por outro lado, pode ser que os comportamentos de um cliente evoquem um comportamento-problema do terapeuta específico, que não costuma ocorrer com a maioria de seus clientes. Independente de qual for o caso, tais comportamentos-problema são chamados de T1 (Therapist Problem Behavior – comportamento problema do terapeuta) e devem receber muita atenção do terapeuta, pois suas ocorrências prejudicam o andamento da terapia. Quando o terapeuta consegue dirigir sua atenção durante a sessão não só para os CCRs do cliente, mas também para seus próprios Ts é mais provável que consiga emitir T2 (Therapist Target Behavior – comportamento-alvo do terapeuta), agindo a favor da melhora de seu cliente. 
O reconhecimento de Ts (e principalmente a emissão de T2s) por parte do terapeuta pode não ser uma tarefa fácil e exige uma alta dose de auto-conhecimento do terapeuta, envolvimento terapêutico com seu cliente e disposição para ajudá-lo. Afinal, enfrentar suas próprias dificuldades em favor de seu cliente pode exigir grande doação do terapeuta. Em função desse tipo de atitude esperada do terapeuta é que a FAP costuma descrever seu trabalho como ocorrendo em uma relação real e intensa de intimidade. Há grande envolvimento e possível exposição de ambos os lados, já que o terapeuta deve adotar uma postura de reconhecimento de suas dificuldades. Isso não quer dizer que deva necessariamente explicitar para o cliente quais suas dificuldades e em que momentos ela aparece, mas tal postura não é proibida dentro da perspectiva FAP se for feita em favor da melhora do cliente. 
Porém, como saber se isso seria feito em favor de seu cliente ou não? Como identificar se suas dificuldades ocorrem com um cliente específico ou com a maioria deles? Como conseguir se colocar vulnerável, de igual para igual, na relação terapêutica, reconhecendo implícita ou explicitamente suas dificuldades e eventuais erros? Como e quando se expor de tal forma? Essas e muitas outras perguntas podem surgir ao longo da terapia e merecem receber atenção especial. 
A busca por todas essas (e outras) respostas não são nem um pouco simples e muitas vezes exige um preparo e atenção extras do terapeuta. Esse é um dos motivos pelo qual os criadores da FAP defendem seu ensino não só através de textos e outras ensinos teóricos, mas também através de vivências, experimentações, como ocorrem em workshops para treinamento das habilidades e auto-conhecimento necessários e como ocorrem em supervisão FAP. Essa última tem o objetivo de criar no contexto da supervisão um ambiente semelhante ao que ocorre em uma terapia FAP, com identificação de comportamentos problemas (1s), comportamentos-alvo (2s), sempre focando no desenvolvimento do terapeuta e na melhor forma de ajudar seu cliente. Uma supervisão FAP, portanto, também envolve grande envolvimento e auto-exposição, implicando em muitas questões adicionais. O que parece essencial assinalar aqui é a grande dedicação que uma terapia FAP exige, levando inevitavelmente ao enfrentamento das dificuldades do terapeuta e consequente desenvolvimento de suas habilidades interpessoais. 

Bibliografia recomendada: 

Callaghan, G. M. (2006). Functional Analytic Psychotherapy and Supervision. International Journal of Behavioral Consultation and Therapy, 2(3), 416-431. 
Cattivelli, R., Tirelli, V., Berardo, F., & Perini, S. (2012). Promoting Appropriate Behavior in Daily Life Contexts Using Functional Analytic Psychotherapy in Early-Adolescent Children. International Journal of Behavioral Consultation and Therapy, 7(2–3), 25-32. 
Terry, C. M., & Kohlenberg, R. J. (2012). Therapists’ Attitudes about and Preferences to Use Relationship Focused Interventions: New Tools to Measure a Critical Component of Functional Analytic Psychotherapy (FAP). International Journal of Behavioral Consultation and Therapy, 7(2–3), 138-146. 
Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Holman, G. I., & Loudon, M. P. (2012). Functional Analytic Psychotherapy. Cornwall: TJ International Ltd. 
Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Kohlenberg, B., Follete, W. C., & Callaghan, G. M. (2011). Um guia para a Psicoterapia Analítica Functional (FAP): consciência, coragem, amor e behaviorismo (F. Conte, & M. Z. Brandão, trads.). Santo André, SP: ESETEc (Obra publicada originalmente em 2009). 
Vandenberghe, L., & Silveira, J. M. (2012). The Trouble with the Short-Term Therapist-Client Relationship and What Can Be Done About It. International Journal of Behavioral Consultation and Therapy, 7(2–3), 159-166. 
Wielenska, R. C., & Oshiro, C. K. B. (2012). FAP Group Supervision: Reporting Educational Experiences at the University of São Paulo, Brazil. International Journal of Behavioral Consultation and Therapy, 7(2–3), 177-181. 
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Escrito por Alessandra Villas-Boas

Possui graduação em Psicologia (2003) e mestrado em Psicologia Experimental, ambos pela Universidade de São Paulo (2006), tendo o último recebido menções de distinção e Louvor pela banca examinadora. Tem experiência na área clínica, tendo trabalhado com atendimento infantil, de adulto, de casal, orientação profissional e como supervisora; experiência em docência universitária, tendo ministrado disciplinas de Análise do Comportamento; e experiência como acompanhante terapêutico. É Coordenadora Editorial do Boletim Contexto, uma publicação da ABPMC. Atualmente, é doutoranda no Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de São Paulo, investigando experimentalmente os mecanismos de ação da Psicoterapia Analítica Funcional (FAP), além de investigar suas formas de ensino e formação.

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