Análise do Comportamento, FAP e o Enigma do Treino em Psicoterapia

Autor: Jonathan W. Kanter 
Tradutora: Mariana Amaral (marianaamaral@hotmail.com)
Revisor: Rafael Solis Melo (rsmelo_@hotmail.com)
Inicialmente, gostaria de prestar meus sinceros agradecimentos ao Comporte-se por proporcionar-me esta oportunidade de estabelecer um diálogo com meus colegas no Brasil por meio deste site. Eu visitei o Brasil pela primeira vez em 2011 e conheci um grupo fantástico de estudantes e profissionais dedicados. Desde então, tenho mantido contato e trabalhado com vários de vocês e, como sabem, estou ansioso para voltar ao Brasil – um dos melhores lugares do mundo em minha opinião. Então, é um grande prazer ter esta oportunidade de dialogar com vocês desta forma. 
Durante os últimos 15 anos, eu venho aprendendo a respeito, praticando, ensinando e pesquisando a Psicoterapia Analítica Funcional (FAP). Ao longo do tempo, tenho visto profundas transformações em meus clientes, em meus alunos e supervisionandos, e em mim mesmo devido à FAP. Além disso, eu tenho conduzido e publicado pesquisas que me dão uma forma díspar de confiança no que estou fazendo. Eu acredito profundamente na FAP por causa destas experiências e, recentemente, comecei a compartilhar a FAP com outros ao redor do mundo – incluindo o Brasil – por meio de conversas, cursos e outros tipos de treinamento. 
O curso ou conversa de treinamento tradicional em psicoterapia é uma coisa estranha, que pode ser bastante problemática sob uma perspectiva analítico-comportamental. Tradicionalmente, consiste em um especialista dando palestras durante o andamento do curso, a participantes que pagaram um bom dinheiro para terem o privilégio de ouvi-lo falar. Os ouvintes fazem anotações frenéticas na tentativa de capturar toda a grande sabedoria que advém do especialista! Talvez este profissional traga gravações em vídeo ou áudio de uma sessão para compartilhar com os participantes, que irão sentir-se muito especiais pelo privilégio de realmente poderem ver ou ouvir o especialista em sua atuação com um cliente real! Ocasionalmente, se o especialista for muito corajoso, ele pode escolher realizar um role-play com um disposto – e ainda mais corajoso – participante. Os participantes deixarão estas experiências de treinamento sentindo-se mais espertos e abençoados por estarem na presença do especialista, e o especialista se sentirá muito inteligente e importante na presença de seus discípulos(as)! 
Mas o que as pesquisas nos dizem sobre o impacto destes treinamentos? Honestamente, as pesquisas mostram claramente que estes treinamentos não fazem muito! Mais especificamente, sugerem que os participantes aumentarão seu conhecimento sobre o tratamento específico, mas há pouquíssimos dados que sugiram que estes treinos possuam qualquer impacto na habilidade ou na técnica do terapeuta em sessão. Em outras palavras, esses treinamentos não realizam aquilo que nós precisamos que eles realizem! 
De uma perspectiva analítico-comportamental, isto não é surpreendente. Não há mecanismo algum no formato tradicional de treinamento que realmente modele o comportamento do terapeuta. Simplesmente conversar com alguém não modifica comportamento. Este é o motivo pelo qual, quando analistas do comportamento prestam serviços clínicos, eles focalizam a mudança de comportamento – identificam comportamentos alvo, os compreendem funcionalmente, e então aplicam estímulos e reforçadores para modelar o comportamento. Eles não simplesmente falam sobre o comportamento quando estão prestando serviços clínicos. 
Mas quando se trata de treinamentos, estamos muito ansiosos para simplesmente falar, nos entreter, e não focalizar no que, enquanto analistas do comportamento, fazemos de melhor – mudar o comportamento. 
Uma solução é a consultoria e supervisão constantes ao longo do tempo. Entretanto, há uma demanda crescente por treinamentos feitos em um dia ou final de semana, e analistas do comportamento deveriam ter algo a dizer sobre isso. 
É por isto que os treinamentos em FAP têm evoluído ao longo dos anos, a fim de se tornarem o mais analítico-comportamentais possível. Quando vão a um treinamento de FAP que estou conduzindo, os participantes ficam surpresos ao me verem dizendo que não irei falar muito durante o processo. Eu digo especificamente aos participantes que, se eu estiver falando muito ou tentando dar muitas explicações, eles devem sinalizar isto a mim e fazer com que eu pare. Ao invés disso, o treinamento fornece uma serie de exercícios com o objetivo de moldar e estimular o comportamento do terapeuta, ao vivo, durante a experiência de treinamento. 
Essa não é uma tarefa fácil, pois os comportamentos dos terapeutas que estamos tentando moldar são difíceis de operacionalizar. Na FAP, estamos tentando modelar repertórios muito sofisticados dos terapeutas, relacionados com o que imprecisamente chamamos de “consciência”, “coragem”, “intimidade”, e até mesmo “amor”. Para isto, as experiências nos treinamentos tornam-se intensamente pessoais, com participantes praticando este repertório uns com os outros, e dando uns aos outros feedback sobre a forma como as coisas estão indo. Eles arriscam-se de forma real uns com os outros, falando sobre si mesmos, suas próprias histórias e valores na vida, e compartilhando profundas vulnerabilidades uns com os outros. 
Se você é novo na FAP, pode ler isto e pensar que somos loucos! Não se preocupe – nada louco ou inapropriado acontece nestes treinamentos! Pelo contrário, os participantes e líderes entram em um contrato importante uns com os outros – um contrato de que o treinamento irá representar uma comunidade social ideal e incomum, na qual assumimos riscos profissionais adequados uns com os outros e trabalhamos para confiar uns nos outros, de forma que os riscos e vulnerabilidades sejam tratados com compaixão e respeito. Nós nos forçamos, compassivamente, a sermos seres humanos autênticos e genuínos uns com os outros, porque é assim que o real crescimento no repertório de um terapeuta FAP pode ocorrer. 
Eu já disse que isto não é fácil? Não é, e também não é para qualquer um. O ponto importante que quero demonstrar é que os treinamentos modernos em FAP não são só conversas. Os treinos modernos em FAP empregam os mesmos princípios comportamentais os quais analistas do comportamento têm sido ensinados e com os quais sabem trabalhar em outros contextos. Quando estes princípios comportamentais são aplicados numa condição de treino, com o objetivo de modelar os comportamentos dos terapeutas relacionados a consciência, coragem e amor, então o treinamento torna-se necessariamente uma experiência muito intensa. 
Após estes treinamentos, nós geralmente recebemos feedback dos participantes de que o treinamento foi uma experiência poderosa, transformadora, que mudou suas vidas. Por vezes, também obtemos feedback de que foram confusos, esmagadores e intensos demais. Como todos os analistas do comportamento, levamos estes feedbacks a sério, modificando os treinamentos a fim de torná-los eficazes ao máximo, para quantos participantes for possível. 
A pergunta irrevogável é – o que as pesquisas dizem sobre o impacto destes treinamentos? De fato, temos conduzido alguns estudos sobre nosso formato de treino, e os resultados até agora têm sido extremamente promissores. Entretanto, estas pesquisas ainda estão na fase inicial do desenvolvimento, e precisamos fazer muito mais – e melhor – a fim de refinar e avaliar esta abordagem analítico-comportamental ao treinamento de psicoterapia. 
Eu sei que alguns analistas do comportamento são certamente céticos sobre o valor de treinamentos de fim de semana. Eu os encorajo, entretanto, a trazer críticas construtivas a esta área, a usarem seus conhecimentos e habilidades analítico-comportamentais para nos ajudar a desenvolver as experiências de treinamento mais poderosas possíveis – experiências que irão focalizar na mudança comportamental mais do que na fala. Há muito a ser feito, e pouco tempo para tanto. Precisamos de toda ajuda possível para conduzir pesquisas e treinamentos em FAP que utilizem o potencial da análise do comportamento da melhor forma possível. 
Eu gostaria de agradecer a Alessandra Villas-Boas pelo valioso feedback sobre o rascunho desse artigo.
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Escrito por Jonathan Kanter

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