[Entrevista Exclusiva Prof. Ms. Paulo Abreu – XXI Encontro da ABPMC] – O Críticas Correntes ao Comportamento Verbal e Cenário Atual da Área

Paulo Abreu foi responsável por uma das atividades mais comentadas e procuradas da ABPMC, na qual demonstrou que as críticas feitas por S. Hayes à obra skinneriana sobre Comportamento Verbal não são procedentes. Confira abaixo a entrevista realizada pelo Comporte-se, na qual ele explica um pouco melhor seu ponto de vista sobre o assunto e comenta também outros aspectos relacionados à área. Esta entrevista é parte da cobertura da ABPMC. 
Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Paraná (2004). É especialista em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP (2005). Foi professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Atualmente é Editor Associado da Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva (RBTCC) da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental (ABPMC). Está realizando doutorado no Departamento de Psicologia Experimental da USP, no Laboratório de Estudos de Operantes Verbais (LEOV-USP). Estuda em laboratório um modelo experimental de transtorno obsessivo compulsivo. Na área aplicada tem experiência em psicologia clínica e da saúde, sob o prisma da Análise do Comportamento, atuando principalmente nos seguintes temas: análise do comportamento aplicada e clínica, ansiedade, transtorno obsessivo compulsivo, depressão maior, hospital geral, hospital psiquiátrico.

Neto – Gostaria de começar pedindo que falasse um pouco de sua história. Que contingências te levaram a se interessar por Psicologia, e mais especificamente, pelo estudo do Comportamento Verbal? 
 
Paulo Abreu – Sempre me interessei por entender o comportamento verbal das pessoas, a começar pelo meu próprio. Muito antes de me graduar na UFPR, eu já atendia em diversos estágios em hospitais, como o HC-UFPR. A curiosidade sempre foi grande em saber por que as pessoas falavam ou pensavam de determinada forma. As interações verbais com os pacientes me mostraram como é importante entender bem o comportamento verbal para darmos conta de analisar relatos de sonhos, de músicas, falas, interjeições, pensamentos e valores. Ser um terapeuta analítico-comportamental skinneriano é, ao meu ver, uma declaração incondicional de apreço pelo estudo funcional da linguagem. Mais do que saber aplicar técnicas, um bom terapeuta comportamental precisa aprender a analisar funcionalmente o comportamento verbal do cliente – incluindo o seu próprio. 
A pesquisa veio somente em um segundo momento de minha vida. 
Em minha trajetória profissional dei aula no Departamento de Psicologia da UFPR e também na PUC-PR. Sou psicólogo clínico no Instituto de Análise do Comportamento de Curitiba (IACC) e faço doutorado no Departamento de Psicologia Experimental da USP, onde estudo um modelo experimental de transtorno obsessivo-compulsivo com humanos, embasado em algumas relações empíricas entre comportamento verbal e o comportamento não-verbal. 

N –  Em sua apresentação na ABPMC você disse que a definição de Comportamento Verbal de Skinner não foi aceita por toda a comunidade de Analistas do Comportamento.Daria para você falar de algumas dessas críticas ao autor e como os Behavioristas Radicais lidavam com elas? 
P. A. – É mais comum ouvirmos falar da famosa crítica do linguista Noam Chomsky ao livro O Comportamento Verbal de 1957. Devido ao fato dessa discussão ter parecido uma entre surdos-mudos, nós os analistas do comportamento não damos hoje qualquer crédito ao Chomsky, seja por rancor ou profunda discórdia epistemológica. Definitivamente parece que Chomsky não entendeu o livro de Skinner. 
Mas sempre existiram críticas a algumas ideias de Skinner mesmo dentro da comunidade AC. E o impacto delas é um pouco diferente. Pouco se fala em âmbito público (que não o acadêmico) sobre as críticas nascidas dentro da AC, portanto igualmente embasadas em um paradigma monista, funcional e contextualista. Uma crítica que posso citar encabeçada por Henry Schlinger, diz respeito a uma ceara de pesquisa do comportamento verbal, mais especificamente, o comportamento governado por regras. 
Schlinger e colaboradores pontuam que uma regra não poderia ter função de SD para o seu seguimento, conforme acreditava Skinner, pois ela alteraria a função dos estímulos especificados na regra. Uma regra mudaria a função de estímulos especificados na formulação verbal, sejam eles estímulos discriminativos, eliciadores, operações estabelecedoras, ou estímulos consequentes. Suponha, por exemplo, que você me diga para que eu não esqueça de cumprimentar “João” quando o vir. Nesse sentido, uma regra não teria como exercer função discriminativa, pois no momento em que ela foi apresentada, eu não a seguiria de forma alguma. Só a seguiria quando estivesse na presença do estímulo “João”, que devido à regra teve sua função alterada para a função discriminativa para o meu cumprimento. 
A regra é melhor explicada como sendo um Estímulo Especificador de Contingência (CSS), pois na sua presença o estímulo “João”, e não o CSS em si, passaria a ter função discriminativa para o meu cumprimento. O curioso é que Schlinger e colaboradores afirmam ter encontrado essa concepção sobre o seguimento de regras na própria obra de Skinner, no livro “Contingências de reforçamento: uma análise teórica” (1969). Nesse sentido ele diz ser um skinneriano, ainda que discorde da ideia clássica da regra enquanto um SD. 
Por que achei interessante dar esse exemplo? Vamos pensar juntos – um estímulo verbal que teria o efeito de modificar a função dos estímulos não-verbais especificados… isso lhe soa familiar? A Teoria dos Quadros Relacionais (RFT) afirma isso ao seu modo. Não foi mérito do Steven Hayes essa ideia de “modificação de função” de estímulos arbitrariamente relacionados. A diferença, ao meu ver, é que Hayes pareceu ter endossado a propaganda do “pós-skinneriano”, e por isso provoca tantas reações exaltadas na comunidade AC. Não estou questionando os fatores que o levaram a fazê-lo, se foi econômico, vaidade do cientista ou esquiva de críticas sociais. Voltarei a esse ponto mais tarde. 

N –  Vamos falar de sua apresentação na ABPMC, cujo título era “Comportamento Verbal para B. F. Skinner e S. C. Hayes: uma análise com base na mediação social arbitrária do reforçamento – justiça seja feita a Skinner”. Nela você comentou as críticas que S. Hayes fez ao Comportamento Verbal de Skinner, argumentando que elas careciam de uma fundamentação mais sólida. Poderia dar uma pincelada no assunto, dizendo quais são estas criticas e em que pontos elas podem estar equivocadas ou pouco fundamentadas? 
P. A. – São várias na verdade – e falamos sobre cada uma delas com detalhes no artigo que escrevi junto à professora Martha Hübner, no periódico Acta Comportamentalia (ver citação no final da entrevista). Mas acho que é suficiente citar o cerne da argumentação. Hayes e colaboradores afirmam que a definição de comportamento verbal de Skinner falhou em não ter especificado qual é o treinamento especial que o ouvinte teria que ter passado para “compreender” uma formulação verbal apresentada pelo falante. Mais especificamente, como o estímulo verbal poderá exercer qualquer função para um ouvinte. Hayes e colaboradores vinham, ainda nos anos 80’s, de uma tradição de pesquisa sobre o comportamento governado por regras e também sobre a equivalência de estímulos. Por isso não é de se estranhar que tenham centrado a sua análise no papel de um ouvinte que, por exemplo, segue uma regra formulada por um falante, ou responde a apresentação arbitrária de estímulos em uma tarefa de matching to sample. Os autores estavam particularmente interessados em investigar como o ouvinte estabelece relações arbitrárias entre estímulos, fenômeno que estaria na base da produção e “compreensão” do estímulo verbal. Para os autores esses processos seriam o lado comportamental do compreender. 
No nosso artigo que escrevemos para a Acta Comportamentalia, revisamos exaustivamente cada operante verbal na obra de 1957 para identificar o papel do ouvinte na mediação do reforçamento. E parece cada vez mais claro dizer que a categorização de Skinner apresenta também uma atenção especial de análise ao comportamento do ouvinte, embora sempre tivesse parecido centrada no papel do falante. Ainda que não tenha deixado claro em seu livro, o “condicionamento especial” do ouvinte a que se refere é justamente o aprendizado contingencial a que este passou quando lhe foram mediados os reforçamentos para as emissões de tatos, mandos, textuais, intraverbais ou autoclíticos. Skinner é enfático ao afirmar que é porque nosso comportamento é importante para os outros que eventualmente ele se torna importante para nós mesmos. O ensino dos operantes verbais envolve processos mediados por outra pessoa, como o reforçamento diferencial, a diferenciação de respostas, o controle pelo estímulo discriminativo, etc. 
Nesse sentido o ensino do tato, por exemplo, ocorre através da modelagem do comportamento verbal da criança, via reforçamento diferencial apresentado pela mãe. Assim, quando a mãe interessada em ensinar o nome de um animal aponta para um hipopótamo no zoológico e o nomeia “hipopótamo”, é possível que a criança passe a falar “popó” na presença do animal, e por aproximações sucessivas ao longo do tempo, ela passe a emitir a resposta “popótamo” ou “hipopótomo”, até que consiga verbalizar o operante alvo “hipopótamo”. O aprendizado do tato, em última instância, é mediado pela mãe que utiliza o reforçamento genérico em reações como a emissão de um “muito bem!”, “é isso ai!”, ou que mesmo bate palmas frente às tentativas da criança. A criança só se comportará como um falante no momento em que tatear um objeto porque em algum momento passado, e em circunstâncias semelhantes, foi também ouvinte desse mesmo tato. Dizer que uma criança foi ouvinte desse tato incorre em afirmar que teve algum histórico particular de reforçamento, mediado por uma audiência, por se comportar adequadamente com relação a esse estímulo verbal. A função do estímulo verbal para o ouvinte se dá pela interação social histórica e contexto atual entre falante (mesmo como seu próprio ouvinte) e o próprio ouvinte – lembrando que dentro do episódio verbal dados papéis são intercambiáveis de momento a momento. 
A comunidade verbal tem interesse no ensino dos operantes verbais pelo fato de que é relevante para as culturas que os indivíduos tomem atitudes práticas a partir dos estímulos verbais gerados por si e pelo outros. 
N – O livro “O Comportamento Verbal” foi publicado em 1957. Desde então, muita pesquisa foi feita em Análise do Comportamento. O que mudou em relação à compreensão do Comportamento Verbal entre os Analistas do Comportamento de base Skinneriana? 
P. A. – Todos os autores analítico-comportamentais, sem exceção, se alinham à Skinner em alguma medida. Não acredito que existam concepções genuinamente pós-skinnerianas – a não ser que sejam um retorno declarado ao mentalismo. Bem da verdade, enquanto um autor tiver tendo que falar sobre o reforçamento, ali estará à proposta de Skinner. O conhecimento científico é cumulativo. Ao menos o da boa ciência! Se quiser falar sobre AC, não tem como fugir disso. Muitos autores com contribuições novas relevantes mesmo se dizem skinnerianos – ou alguém duvida que Murray Sidman seja um skinneriano no sentido mais estrito do termo? 
Na minha apresentação no XXI congresso da ABPMC não ataquei a RFT de Hayes. Essa é uma questão empírica e não somente conceitual. Então, antes, defendi a proposta de Skinner por julgá-la bem fundamentada, e felizmente, com larga aplicação. Nenhum demérito para Hayes – repito – a RFT traz questões empíricas importantes, e não meramente especulativas. 
Temos novas teorias que versam sobre o comportamento verbal e sobre o estabelecimento de relações arbitrárias entre estímulos, como a Equivalência de Estímulos, a Teoria dos Quadros Relacionais (RFT), o Naming e o Joint Control, só para citar algumas. O estado da arte pode ser encontrado no maior periódico dedicado ao tema – o The Analysis of Verbal Behavior (TAVB) da Association for Behavior Analysis International (ABAI). Nós os brasileiros, ao nosso turno, temos publicado gradativamente mais artigos sobre o comportamento verbal em nossos periódicos, como na nossa estimada Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva (RBTCC) da ABPMC (visite e se cadastre no www.usp.br/rbtcc para receber notícias da revista). 
Penso que as teorias sobre a formação de relações arbitrárias entre estímulos, no tocante a sua aplicação ao fenômeno do comportamento verbal, não rivalizam com a proposta de Skinner. Acredito que, antes, podem vir a complementá-la. Seja ela a Teoria dos Quadros Relacionais ou a Equivalência de Estímulos. Os processos relacionais trazidos nessas teorias podem estar na base da produção do comportamento verbal. O futuro vai mostrar. Mas continuo acreditando que o mérito maior ainda reside na definição de Skinner sobre o que venha ser o princípio mais fundamental envolvido na aprendizagem do comportamento verbal – o reforçamento mediado por uma audiência treinada! Sem o reforçamento arbitrário mediado, nenhuma dessas relações arbitrárias elementares (das quais outras derivam) seria possível de ser ensinada. É o experimentador que medeia arbitrariamente o reforçamento no treino com múltiplos exemplares. Por extensão, o ensino da linguagem estaria comprometido. Muitas crianças autistas, inicialmente não-verbais, e que passaram por um protocolo ABA bem sucedido, são a prova máxima do sucesso da definição skinneriana para o comportamento verbal. 

N – Quais são as principais fronteiras e desafios para a pesquisa atual na área de Comportamento Verbal na Clínica? 
P. A. – No campo das psicoterapias, acho que as abordagens terão de provar que o seu embasamento nas propostas de comportamento verbal de Skinner ou Hayes fazem realmente a diferença. A Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) vem provando a relevância do emprego dos conceitos skinnerianos de tatos, mandos e intraverbais na identificação de classes de respostas chamadas de Comportamentos Clinicamente Relevantes (CRBs). Já a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) de Hayes e colaboradores parece não ter convencido muitos de que é melhor embasada na Teoria dos Quadros Relacionais. Isso não quer dizer que ela não funciona – e funciona muito bem para alguns problemas clínicos. 
O protocolo da ACT inclui vários componentes para a promoção da Flexibilidade Psicológica (assim chamada pelos autores), como a Aceitação e a Desfusão Cognitiva. Cito esses componentes por que em estudos do tipo “análise de componente” eles têm sido referidos como sendo as variáveis críticas na mudança comportamental. Mas esses dados não mostram de forma inequívoca que um quadro relacional, ou a sua modificação, esteja diretamente implicado. Outras terapias de terceira onda que foram bastante pesquisadas, como a Terapia Comportamental Dialética (DBT) e a Ativação Comportamental (BA), trabalham igualmente com a aceitação, mas a explicam por outros processos comportamentais muitos mais simples, e ao meu ver, mais econômicos do ponto de vista conceitual. 
As técnicas da ACT para a modificação da função dos estímulos verbais componentes dos quadros relacionais, como a desliteralização da linguagem de um estímulo verbal “problemático”, podem estar funcionando devido a outro processo comportamental ainda não muito bem equacionado. Não se sabe exatamente se o componente ativo para a mudança de comportamento nessa psicoterapia é a mudança de qualquer classe de respostas do responder relacional aplicável arbitrariamente, ou se é, novamente, o contato direto com as contingências. Por exemplo, o comprometimento com a mudança, genericamente contido no pólo Commitment do protocolo, envolve o contato ativo do cliente com contingências de reforçamento? Parece que sim, tanto que aqui os autores reservaram até a possibilidade da inserção de técnicas comportamentais clássicas, como o treinamento de habilidades ou a dessensibilizaçãoão. 
O contato com as contingências pode ser o verdadeiro responsável pelos bons efeitos da ACT, ou mesmo a formulação de novas regras que regularão verbalmente novos comportamentos, mais eficazes em produzir o reforçamento no ambiente. Todas as outras terapias de terceira onda declaram abertamente o papel preponderante das contingências. É claro que, no caso da ACT, essa será novamente uma questão experimental, e para o sujeito único! 
Acho essa discussão riquíssima. Um verdadeiro desafio, mas nunca uma fronteira para o crescimento do conhecimento científico. 
Referência: 
Abreu, P. & Hübner, M. M. C. (in press) O comportamento verbal para B. F. Skinner e para S. C. Hayes: uma síntese com base na mediação social arbitrária do reforçamento. Acta Comportamentalia.
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