Vida Eterna

Autor: Alexandre Dittrich*
Tenho mais perguntas do que respostas sobre a vida eterna.

Se a biologia está certa e a distinção entre humanos e não-humanos é imprecisa, quem foi o primeiro humano candidato à vida eterna? E por que ele?

E quanto ao último proto-humano? Ele apenas teve o azar de estar no lugar errado da fila? Talvez os não-humanos não precisem enfrentar o juízo final. Seria sorte, não azar. Um salvo-conduto.

Se houver um julgamento final dos humanos, talvez o julgador precise do auxílio de uma junta de biólogos para decidir quem conta como “humano”.

Os economistas dizem que a oferta e a escassez de um bem determinam seu valor. Se tivéssemos vida eterna, daríamos a ela o mesmo valor?

“Produzimos a existência” (como diriam os marxistas) porque precisamos viver. Por que fazer isso na vida eterna? A existência estaria garantida.

Precisaríamos trabalhar? Precisaríamos de bens? Acho que não. Viver não seria mais um problema, apenas um fato. Nada de fábricas, carros, casas, móveis, celulares, computadores… É difícil imaginar essas coisas na vida eterna. Só se a vida eterna for um recorte de um período específico da história humana. Mas se for assim, porque esse período? A eternidade não deveria ser atemporal?

Ok, digamos que seja assim – entraremos para a eternidade nas mesmas condições em que estávamos aqui quando tudo terminar. Nosso momento presente, nosso estágio de desenvolvimento material e cultural, seja ele qual for, será transportado para a vida eterna, e será o ponto de partida do paraíso. Mas será também o ponto de chegada? Na vida eterna, talvez não haja mais história a ser feita, futuro a construir, perspectiva de um amanhã diferente. Nada de progresso, nada de transformação – o ontem será igual ao hoje. Não haveria pelo que lutar, não haveria motivos para trilhar novos caminhos, novas ideias seriam desnecessárias. Sem sonhos e sem perspectivas – seríamos felizes.

Teríamos liberdade de escolha? Poderíamos fazer algo ruim, cometer um crime? Se sim, o paraíso está ameaçado. Se não, não seríamos livres.

O que seria da arte? Nosso senso estético seria automaticamente convertido para uma versão paradisíaca, ensolarada, bem intencionada? Seria ainda permitido apreciar o dramático, o brutal, o erótico, o grotesco, o trágico, o leque completo e complexo da existência humana?

Teríamos ciência? Duvido. Não haveria porque descobrir mais nada – a verdade estaria revelada. (E possivelmente não seria mais permitido “brincar de deus”, a não ser que o próprio não se ofendesse com isso.) A fé, enfim, venceria a razão. A capacidade de pensar, de questionar, de duvidar – tudo isso era, afinal, apenas um teste de fidelidade, um engano, uma vaidade. A maçã oferecida pela serpente.

Algumas pessoas, pelos mais diversos motivos, não têm condições de escolher. Não pensam sobre o bem e o mal, o certo e o errado, a virtude e o pecado. Essas pessoas provavelmente já têm lugar garantido na vida eterna.

Na vida eterna, não teremos a tristeza de ver morrer uma pessoa que amamos. Mas nascerão novas crianças? Se sim, elas provavelmente não serão julgadas por seus atos, pois já nascerão no paraíso. Sorte delas.

Mas pode ser que não haja novos bebês. Criar e educar um filho não poderá mais fazer parte dos planos de ninguém. Deve haver outras coisas interessantes para fazer na vida eterna.

Digamos que nasçam novos bebês. Eles crescerão? Se sim, até quando? Eles possivelmente não ficariam velhos ou doentes, e certamente não morreriam. Então, seriam eternamente bebês? Eternamente crianças? Eternamente adultos? Talvez seja difícil decidir a idade ideal para interromper seu crescimento.

Crianças que morreram na Terra vão voltar a crescer quando estiverem no paraíso? Ou ficarão sempre iguais, com a mesma idade, o mesmo rosto, o mesmo corpo, o mesmo cérebro?

Haverá sexo na vida eterna? Se sim, só após o casamento? Se houver casamentos, pelos menos alguns de nós terão que trabalhar – precisaríamos de padres, coroinhas, talvez uma banda de baile.

Sexo seria só para reprodução? Só se novos bebês forem permitidos. Mas talvez na vida eterna as mulheres tenham filhos sem precisar de sexo. Diz-se por aí que há precedentes na história. Talvez isso vire um padrão. Todas as mulheres seriam esposas de um deus polígamo.

Haverá homossexuais na vida eterna? LGBTs? Variedade sexual? Se sim, a vida eterna será tolerante, e os prazeres da carne existirão para sempre. Mas é bem possível que sexo deixe de ser algo relevante na vida eterna. Outros tempos, outra moral.

Sexo só por prazer é uma idéia estranha na vida eterna. O sexo é um prazer finito, não dura para sempre. Na vida eterna, o prazer também seria eterno – nunca viraria dor, ausência, melancolia. Viveríamos todos em algum tipo de êxtase contínuo, invariável, interminável, inescapável.

Na vida eterna não haverá privações – nem saciações.

Muita gente já morreu, e uma boa parte dessas pessoas deverá ingressar na vida eterna. Algumas estimativas afirmam que mais de 100 bilhões de pessoas já viveram e morreram na Terra. É pouca gente, se lembrarmos que hoje somos 7 bilhões. De qualquer modo, excesso de gente possivelmente não será um problema na vida eterna. Deve haver bastante espaço por lá – ou nenhum. Comer e beber, ninguém precisaria. Por sorte, superamos isso.

A perspectiva de não ter perspectivas é estranha. Aqui, na vida dos mortais, grande parte da graça está no perseguir – o desfrutar é bom, mas é só um descanso, uma parada para tomar fôlego e depois buscar alguma outra coisa. O prazer da conquista passa logo. Ninguém quer ficar na cama (ou na mesa, ou no banho) para sempre. Nada é bom por toda a eternidade. Vida que segue.

Talvez o prazer e a felicidade, a dor e a tristeza, conforme sentimos na vida mortal, não existam na vida eterna. É muito difícil lidar com esses sentimentos – eles vão e vêm, são instáveis e inconstantes, dançam e variam, se transformam. Chega, isso não combina com o paraíso. Na vida eterna, seríamos apenas espíritos, almas, espectros, silêncios, não-matérias ou qualquer coisa assim. Entidades desprovidas de carne, desejos, sentimentos e emoções, contemplando serenamente a não-passagem de uma não-vida.

Seríamos ainda nós?

Até onde posso saber, eu existo aqui e agora – e pelo simples fato de existir, faço alguma diferença. Tudo o que faço transforma algo ou alguém, pode acreditar.

Posso me eternizar fazendo o bem – ou fazendo o mal. Nem sempre sei a diferença.

Não sou eterno, mas faço parte da eternidade. Sou eterno agora; sou eterno enquanto é tempo.

Quanto ao momento de minha morte, sei que vai chegar. Acho que será um resultado natural de minha vida. É difícil prever. Isso me preocupa um pouco, mas não muito. Na maior parte do tempo, apenas vivo a vida. Tento ser feliz (não consigo evitar), e fico feliz quando vejo que contribuo para a felicidade de alguns outros.

Se houver algo depois, estou curioso para ver. Se não houver, estou satisfeito em ser, agora e sempre, uma pequena parte da eternidade.
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* O autor enviou o texto especialmente para publicação no Comporte-se: Psicologia Científica.

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Escrito por Portal Comporte-se

O Comporte-se: Psicologia e Análise do Comportamento foi criado em 2008 e é hoje o principal portal de Análise do Comportamento do Brasil. Nele você encontra artigos discutindo temas diversos à partir do referencial teórico da abordagem; dicas de filmes, livros, periódicos e outros materiais; entrevistas exclusivas; divulgação de cursos, promoções, eventos e muito mais.

Resumos – II Congresso de Psicologia e Análise do Comportamento (CPAC) – Londrina/PR

Tradução: Expressão Facial e Emoção (Erika L. Rosenberg & Paul Ekman)