O Terapeuta de Casal trabalha para manter os casais juntos?

Um mito muito comum em relação às terapias individuais é o de que quem faz terapia termina o relacionamento. Isto leva, muitas vezes, os parceiros a ficarem preocupados quando o outro conta que está fazendo ou pretende fazer análise.
Possivelmente, esta ideia relaciona-se ao fato de que aquele que vivencia um processo de análise está num continuum de autoconhecimento, o que geralmente é acompanhado de mudanças, novos padrões comportamentais. Não se pode negar que, muitas vezes, isso culmine no término do relacionamento, naqueles casos em que a pessoa identifica que o relacionamento está produzindo mais ônus que bônus (aversivos que apetitivos). Mas, em outros muitos casos, a análise produz o fortalecimento da relação, ao se identificar que a balança pesa mais do outro lado, aumentando a importância do companheiro ou companheira.
Costumo dizer que não devemos ter medo de nossos parceiros ou parceiras fazerem terapia, pois, se eu me comporto como um bom companheiro – é importante deixar claro que não basta eu acreditar que sou “bacana”, tenho que de fato agir assim –, ele ou ela irá identificar e valorizar ainda mais nossa relação.
Outro mito — e esse sim é o foco principal deste artigo — é o de que terapeutas de casal trabalham para manter o casal junto.
Assim como a primeira, esta também se trata de uma ideia deturpada da atuação do terapeuta. O que o analista do comportamento que trabalha com casal deve fazer é auxiliar o casal na análise do relacionamento, o que poderá conduzir ambos para uma relação melhor se continuarem juntos, ou desembocar no término da relação em casos de incompatibilidades .
Posso imaginar que alguns leitores ficaram tristes agora, pois, ao falar que resolver problemas do relacionamento não necessariamente é manter a relação, posso ter derrubado o castelo (de areia), o sonho, de alguns. Para estes, não direi para não ficarem tristes, até porque sei que isso não resolve; direi que ficar triste é uma condição humana tanto quanto ficar feliz, e que vivenciaremos estas emoções muitas vezes — isso também é viver. No mais, penso que ajudo ao colocá-los no chão firme, dando-lhes alicerces. Melhor que viver num castelo de areia (fantasia) é viver numa casinha simples e firme, pois esta dará tranquilidade, alegria (e, por que não, conforto) por muito mais tempo do que o castelo que se desfará na primeira ventania.
Voltando à terapia com casais, o caminho percorrido visa proporcionar a cada integrante do casal qualidade de vida, o que, em alguns casos, significará permanecerem juntos (com algumas modificações na forma de interagirem um com o outro) e, em outros, seguirem rumos diferentes. Em outras palavras, trabalhamos para que cada uma das partes consiga construir o maior número de apetitivos e/ou o menor número de aversivos possível, o que poderá refletir em uma vida com mais bônus que ônus, com momentos de felicidade mais duradouros que os de tristeza, que se tenha mais segurança que insegurança, etc. A decisão de ficarem juntos ou seguirem caminhos diferentes é de cada um e de ambos, ou seja, (1) cada um tem que escolher estar junto, mas para que a união continue é preciso, também, que (2) os dois tenham decidido a mesma coisa; caso uma destas condições não seja atendida teremos a separação. Se um dos membros do casal decidir pelo término, aquela relação afetiva torna-se impossível, e a outra parte terá que aceitar esta contingência, mesmo que sua escolha seja a manutenção da relação, pois esta relação só é possível com ambas as partes.
Daí algum leitor pode me perguntar: o que acontece nestes casos em que um decide por encerrar o relacionamento afetivo? A análise começará a se direcionar para auxiliarmos a pessoa, que havia decidido pela manutenção da relação, a analisar se esta é uma possibilidade viável, trabalhando a aceitação e, ao mesmo tempo, focando-se no desenvolvimento de repertórios que possam levá-la ao seu melhor mundo, sendo este traduzido pelas melhores condições de vida possível dentro das contingências que lhe são acessíveis.
Esta direção, é claro, só é dada caso verifique-se que não há mais contingências que sustentem a relação. Ou seja, todas as possibilidades de manejo de contingências pela manutenção já foram analisadas e uma das partes (quando não ambas) decide pelo término da relação afetiva.
Todavia, num primeiro momento, o que se espera quando um casal procura o clínico analítico-comportamental é que eles estejam engajados na manutenção da relação. Até porque este é um caminho de trabalho mais fácil (ou, menos difícil).
Assim, as terapias individual e/ou de casal não visam levar as pessoas ao término de seus relacionamentos, bem como à sua manutenção; o foco é o estabelecimento da qualidade de vida das pessoas. Em outras palavras, promover autoconhecimento que permita às pessoas manejarem as contingências ambientais da melhor maneira possível para que elas tenham, numa perspectiva global de suas vidas, maior acesso a apetitivos e/ou menor exposição a aversivos. Feliz ou infelizmente, este é o papel do terapeuta de casal.
0 0 votes
Article Rating

Escrito por Nicodemos Borges

Psicólogo, Doutor e mestre em Análise do Comportamento pela PUC-SP, Especialista em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP, Master Coach pelo CAC. Atualmente É coach e CKO do Instituto NB; CEO e Psicólogo clínico responsável no Contexto Análise do Comportamento; e, professor, supervisor clínico, pesquisador e orientador no curso de Psicologia da Universidade São Judas Tadeu - USJT. É editor-associado de Perspectivas em Análise do Comportamento. Integrou o conselho internacional da Revista GEPU, a Comissão Executiva da Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva - RBTCC e comissões científicas de congressos nacionais e internacionais. Apresentou diversos trabalhos em congressos nacionais e internacionais, tem artigos publicados em diferentes periódicos científicos, capítulos de livros, além de ter organizado livro sobre Clínica Analítico-Comportamental. É autor da primeira Tese de Doutorado relacionando coaching e análise do comportamento no Brasil.

Autismo: A avaliação de repertório inicial

Em terapia pra sempre? Basta!