A Ditadura da Maioria ou a “Conformidade” com o Grupo

Um tema recorrente em Psicologia Social é a influência dos pares nos comportamentos privados e públicos das pessoas. Experimentos com resultados desconcertantes (Asch, Solomon; 1951, 1955, 1956; Milgram, Stanley; 1963, 1974a, 1974b entre outros) demonstram que os indivíduos, em alguns casos não sem a presença de certo conflito interno, podem falar e fazer coisas que sabem francamente estar erradas ou sob as quais pairam sérias dúvidas internas, pelo aparente desejo de fazerem parte de um grupo, serem aceitas socialmente e obedecerem às figuras de autoridade.
Tais experimentos foram realizados por psicólogos que não se inserem numa tradição analítico-comportamental e, portanto, seus resultados não são interpretados de acordo com tal referencial, mas por serem clássicos da Psicologia Social não deixam de ser uma referência a ser analisada sob diferentes vertentes de interpretação. Uma possível explicação para os fenômenos analisados é que, pelo fato de sermos criaturas sociais/gregárias, temos o desejo inerente de sermos aceitos pelo grupo no qual estamos inseridos, então modificamos nosso comportamento para harmonizá-lo com os do grupo. Frequentemente nos conformaríamos a uma ação qualquer, mesmo sabendo estar errada, pelo desejo de fazer parte do grupo. A diferença principal entre os experimentos de Asch e Milgram é que, no segundo caso, os indivíduos realizavam uma ação que, em circunstâncias cotidianas violaria seus princípios (aplicação de choques em intensidade crescente em outro sujeito), por ser ação autorizada e aprovada por alguém que consideravam uma autoridade.
No caso do experimento de Asch, o desejo de sermos aceitos superaria o desejo de agirmos em conformidade com o que estamos vendo e experienciando, o que nos faria passar a ver e experienciar o que está em conformidade com o grupo. No caso do experimento de Milgram, indo além, poderíamos chegar a fazer o que viola os nossos princípios e os nossos valores. É como se, no primeiro caso, o desejo de fazer parte do grupo suplantasse a informação dada pelos sentidos, numa total negação do real e, no segundo caso, suplantasse também o que consideramos correto num sentido moral. Isso aconteceria mesmo quando não acreditássemos no que estivéssemos dizendo ou fazendo, seja parcial ou totalmente; bem como quando o que fizéssemos violasse o nosso bom senso.
Na análise do comportamento um dos recursos conceituais para explicar o fenômeno seria o do comportamento governado por regras e o modelado por contingências. Um indivíduo que tenha tido o comportamento de seguir regras dadas socialmente fortemente reforçado desde a tenra infância, certamente terá maior probabilidade de continuar a segui-las mesmo em situações de incerteza sobre a veracidade ou utilidade das mesmas. Já um indivíduo mais guiado pelas contingências, seria o resultado de contingências que o colocaram mais frente a incongruências no seguimento de regras (regras que se mostraram falsas) do que frente à reforçamento (regras que se mostraram corretas ao especificarem contingências). A história passada de reforçamento explica, portanto, a maior ”tendência” a seguir regras ou a se deixar guiar pelas contingências . E no caso dos indivíduos que concordam com o incongruente e com o absurdo pela mera conformidade ao grupo e à autoridade, mesmo tendo CERTEZA de que a ação está ERRADA, tal como nos experimentos clássicos de Asch (percepção visual) e de Milgram (aplicação de choques elétricos)? Ou num experimento hipotético em que o sujeito sabe claramente que não está declarando o que está ouvindo (percepção sonora) e sim o que os demais declaram ouvir, mesmo sabendo que tal ação pode prejudicar outrem (no qual teríamos uma espécie de junção de ambos os experimentos…)?
Poderíamos questionar quais consequências sofremos, desde o início da vida, em fazer ou falar coisas que não são as que o grupo faz e diz, ou que figuras de autoridade solicitam que seja feito. Todos temos história de reforçamento social por agirmos em conformidade com o grupo, e de punição por não seguir. No caso de habitualmente termos seguido no passado regras que mostraram especificar de fato contingências, a sensibilidade às regras pode aumentar ainda mais. Grupos os mais diversos frequentemente possuem um código interno (práticas culturais ou subculturais) que não tolera divergências e penaliza com uma sequência crescente de medidas coercitivo-punitivas que podem chegar à exclusão sumária dos diferentes e não concordantes. Em alguns casos não há tolerância crescente e a primeira medida com o diferente já é a exclusão do grupo. 
A sensibilidade às regras é solução para muitos problemas, como a evitação de consequências aversivas em situações em que fatalmente (com o perdão do trocadilho) nos exporíamos a elas caso nos deixássemos guiar apenas pelas contingências (como a de aprender a olhar para os lados ao atravessar a rua pelas contingências e não pelas regras…). Ou ainda, no caso das situações em que a consequência aversiva é muito demorada, embora certa. Por outro lado, isso justificaria a cega obediência a regras em qualquer outra situação? Em outras palavras, devemos sempre concordar com a maioria por ser maioria ou com a autoridade por ser autoridade? Num regime democrático pode-se dizer que sim! Ou seja, fazer parte de um grupo implica em ter que aceitar regras por ele impostas, os governantes eleitos pela maioria, bem como práticas culturais as mais diversas (mesmo que por absurdo sejam!). Todavia, a despeito do grupo ser soberano politicamente, ele também erra, podendo errar “feio”. Um clássico exemplo é o dos governantes eleitos serem corruptos e ineficientes (e frequentemente são); das práticas culturais selecionadas ao longo de milhares de anos em circunstâncias muito diferentes das atuais resultarem em regras parcial ou totalmente falsas; de se hipergeneralizarem circunstâncias ou minimizarem-se outras etc. Em suma, o erro do grupo pode nos colocar numa situação de perigo maior ou menor. Mas qual o perigo maior? Negar a minha percepção (incluindo a sensorial, como no experimento clássico de Asch) e o resultado do meu processamento de informações ou ser discriminado/rejeitado/excluído pelo grupo?
Isso me oferece ocasião para lembrar de um vídeo assistido há muito tempo na TV a cabo, na mesma linha de experimentos em psicologia social, iniciados na década de 1950 acerca da influência do grupo e da autoridade: no vídeo assistido um sujeito experimental era colocado numa sala com algum pretexto junto a atores, via fumaça passar por debaixo de uma porta lateral, mas permanecia na sala pelo simples fato dos outros presentes também permanecerem. Aceitar uma ação que se sabe estar errada ou que pode nos ser prejudicial (ou a outrem), para ser parte de um grupo, pode ser algo simples para alguns ou; por inúmeras razões, extremamente conflituoso para outros. Consultórios psicológicos estão cheios de exemplos de tais conflitos. 
Outro princípio democrático que não o da conformidade com a maioria, o da liberdade de expressão, contraditoriamente professa termos o direito de aderir e expressar crenças, credos, ideologias, valores etc. Mas todos sabem que o preço a pagar por ser, pensar e agir diferente pode ser alto. Se não existe um mundo diferente e temos de viver nesse, devemos nos conformar a ele. Devemos? Sim, mas preferencialmente nos perguntando se as regras em questão são realmente úteis a nós ou mesmo ao grupo, em quais circunstâncias e se a aplicação das mesmas em alguns casos não resulta em mera incoerência ou obediência cego-acrítica. Desenvolver raciocínio crítico e coerente, relativizando conceitos e ações e, ao mesmo tempo obedecendo ao grupo, às autoridades e sendo aceito pelos demais pode não ser tarefa sempre fácil, mas, como já dizia Nelson Rodrigues “Toda unanimidade é sempre burra”. Portanto, desconfiemos e questionemos sempre. E viva a diferença, pois sem variabilidade não há evolução em nenhum aspecto, nem na pessoal e nem na do grupo, nem na biológica e nem na das práticas sócio-culturais. 
Referências e sugestões de textos e vídeos:
Asch, S. E. (1951). Effects of group pressure upon the modification and distortion of judgment. In H. Guetzkow (ed.) Groups, leadership and men. Pittsburgh, PA: Carnegie Press.
Asch, S. E. (1955). Opinions and Social Pressure, Scientific American, 193, 31-35.
Asch, S. E. (1956). Studies of independence and conformity: A minority of one against a unanimous majority. Psychological Monographs, 70 (Whole no. 416).
Fernandes, Fernando Ferreira (2012). Comportamento governado por regras versus modelado por contingências. Em https://comportese.com/search?q=comportamento+governado+por+regras
Gedrose, Alexandra. Five Psychological Experiments that Prove Humanity is Doomed. In http://www.cracked.com/article_16239_5-psychological-experiments-that-prove-humanity-doomed.html
Solomon Asch – Aceitação do errado por conformidade ao grupo. http://www.youtube.com/watch?v=SSLW2Ar_jJY
Milgram, Stanley (1963). Behavioral Study of Obedience. Journal of Abnormal and Social Psychology, 67 (4): 371–8.
Milgram, Stanley (1974b). “The Perils of Obedience”. Harper’s Magazine. http://home.swbell.net/revscat/perilsOfObedience.html.  Abridged and adapted from Obedience to Authority
Milgram’s Obedience to Authority Experiment 2009 1/3. In http://www.youtube.com/watch?v=BcvSNg0HZw
Psyblog Understanding your mind. Conforming to the norm. In http://www.spring.org.uk/2007/11/i-cant-believe-my-eyes-conforming-to.php
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Escrito por Maria Ester Rodrigues

Maria Ester Rodrigues é Doutora em Educação: Psicologia da Educação (2005) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PED PUC SP (PPG Conceito 5 CAPES), sob a orientação da Profa. Dra. Melania Moroz. Concluiu o Mestrado em Educação: Psicologia da Educação, no mesmo programa, sob a mesma orientação, em 2000. Concluiu Especialização Lato Sensu em Psicologia Clínica na Universidade Federal do Paraná em 1996 e graduou-se em Psicologia pela mesma Universidade em 1990. É Professora Adjunta Nível D na Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Campus Cascavel. Tem experiência na área de Educação e Psicologia, com ênfase em Psicologia da Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: formação de professores,contribuições da análise do comportamento à educação, Ensino de Psicologia da Educação. É pesquisador do Laboratório e Grupo de Pesquisas: “Educação e Sociedade” - GEDUS-CCH/UNIOESTE, coordenando a linha de pesquisa intitulada “Contribuições da Psicologia à Educação e Formação Docente”. Também é pesquisadora do grupo "Bases Psicológicas da Educação" - PPG-PED PUC/SP, atuando na linha de pequisa "Contribuições do Behaviorismo Radical à Educação". Autora do livro: Mitos e Discordâncias: Relatos de ex-analistas do comportamento. São Paulo: ESETec, 2011 e outros.

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