O caso Megaupload: um exemplo de contracontroles múltiplos.

Texto elaborado em conjunto com Renata Pinheiro!

Nas últimas semanas um acontecimento mudou algumas ferramentas da internet: as autoridades dos Estados Unidos retiraram do ar o site de compartilhamento de arquivos Megaupload e 18 sites afiliados.
O Comporte-se resolveu articular a notícia aos conceitos de coerção e contracontrole, propostos por Skinner (1953, 1974) e Sidman (1995), como forma de facilitar sua compreensão.
Sidman (1995) se refere à coerção como o uso ou ameaça da punição, ou, ainda, a “prática de recompensar pessoas deixando-as escapar de nossas punições e ameaças”, o reforçamento negativo. Skinner (1953) conceitua essas práticas de controle aversivo, pois gera repulsa e afastamento. De acordo com Sidman (1995) a coerção envolve três subcategorias de controle aversivo: a punição positiva, a punição negativa e o reforço negativo.

Segundo Skinner (1953), o ato de punir um comportamento envolve atos que tenham como objetivo diminuir a frequência dele e pode ser feita pela inserção de um estímulo aversivo no ambiente – no caso da punição positiva – ou pela retirada de um estímulo reforçador não-contingente do ambiente – no caso da punição negativa. O reforço negativo pode ocasionar surpresa ao ser relacionado à coerção, mas o conceito de reforço negativo está intimamente ligado ao conceito de punição, pois refere-se ao aumento da frequência de um comportamento por meio da retirada de um estímulo aversivo do ambiente. Assim, quando há a presença de um estímulo aversivo ou de uma prática coercitiva em um ambiente, geralmente se encontram também comportamentos de fuga ou esquiva.
Sidman (1995), em seu livro Coerção e suas implicações, afirma que a prática coercitiva é a prática dominante não só na sociedade, como chamou a atenção Skinner (1953), mas na própria natureza. O nosso corpo produz toxinas ao comermos algo estragado, e essas toxinas, por sua vez, geram dores estomacais que deverão servir de ocasião para o comportamento de evitar alguns tipos de alimentos. Dessa forma, é possível observar que muitos dos nossos comportamentos estão relacionados ao controle coercitivo, o que pode servir como base para entendermos porque o mesmo padrão é mantido em nossa sociedade.
Skinner (1953) discute e apresenta uma série de problemas envolvidos na prática da coerção. A punição é apresentada como uma técnica questionável, embora seja frequentemente utilizada. O autor ressalta que a punição tem o efeito imediato de supressão de um com portamento indesejável, o que acaba por reforçar o comportamento do agente punidor, o que implica no aumento das práticas punitivas. Além disso, o rápido efeito sobre o comportamento não é observado nas práticas reforçadoras, o que pode gerar uma falsa ilusão de vantagens na punição.
Falsa ilusão, porque, como advertiu Skinner (1953) e Sidman (1995), a punição ocasiona uma série de efeitos colaterais, como a eliciação de respostas emocionais, diminuição de outros comportamentos e o contracontrole – que será exposto a seguir -, além de que o comportamento punido, frequentemente, só diminui ou deixa de ocorrer na presença do punidor.
O contracontrole é o comportamento de escapar ao controle aversivo. Assim, há a presença desse fenômeno quando são observados comportamentos de pôr fim a um controle exercido por meio da coerção Nas palavras de Skinner:
“Os que são assim controlados passam a agir. Escapam ao controlador – pondo-se fora de seu alcance, se for uma pessoa; desertando de um governo; apostasiando de uma religião; demitindo-se ou mandriando – ou então atacam a fim de enfraquecer ou destruir o poder controlador, como numa revolução, numa reforma, numa greve ou num protesto estudantil. Em outras palavras, eles se opõem ao controle com contracontrole” (Skinner, 1974, pág 164).

O caso do megaupload é um bom exemplo social e recente para falarmos de controle aversivo e contracontrole. O site permitia fazer download gratuitamente de diversos arquivos como músicas, filmes, vídeos, etc. Existia também a possibilidade de pagar uma quantia mensal e obter uma forma mais rápida de download de arquivos ilimitados. O fechamento dele foi só a última parte. A história é bem mais longa e traz um processo constante de controle aversivo e contracontrole, e iniciou muito antes da própria criação do Megaupload.
Fica impossível localizar o fio da meada, mas será inicialmente exposta a expansão da mídia de CD’s e do seu alto preço no mercado. Um cd continha em média 10 a 15 músicas e o seu preço era em média, 15 a 20 reais e, dependendo do CD, poderia ser até mais caro! Essa situação funcionou como um controle aversivo para a população, em especial a de baixa renda, que não dispunha de dinheiro suficiente para investir nessa tecnologia, e por isso ficava privada desse tipo de lazer.
E agora? Fica visível o exemplo de coerção nessa história?
Paralelamente a isso, havia o desenvolvimento da internet e dos sites com possibilidade de cópia e download de arquivos gratuitamente. Assim, houve o desenvolvimento da pirataria dos CD’s. No início de uma forma mais tímida, com a venda de CD’s gravados em casas e vendidos a um preço mais acessível à população. Entretanto, essa gravação foi se multiplicando, de forma que hoje não seria exagero afirmar que quase toda residência faça downloads de arquivos diariamente.
A pirataria de CD’s pode ser interpretada, dessa forma, como contracontrole: o modo como as pessoas encontraram de escapar do controle aversivo pelo alto preço dos CDs. Devido ao avanço da pirataria, gravadoras e lojas de CD’s e DVD’s passaram a perder muito dinheiro. De acordo com o que foi publicado nos jornais, as autoridades americanas afirmaram que só o site de compartilhamento Megaupload causou US$ 500 milhões em perdas dos direitos de propriedade intelectual das companhias. Ora, o nosso comportamento de fazer downloads, mantido pelo reforçamento negativo de não perder dinheiro funciona como punição negativa para as gravadoras de CD’s, ou seja, eles também estavam sob contingências aversivas.

Nesse contexto, o primeiro tipo de reação observada foi a queda dos preços dos CD’s, ocasionando, inclusive, o fechamento de algumas lojas. No entanto, o reforçamento de ouvir músicas gratuitamente em casa era eficaz e o comportamento do consumidor não sofreu grandes variações após a queda dos preços. Logo, outras medidas foram tomadas, como a criação de leis anti-pirataria e a repressão em defesa dos direitos autorais. Mais uma vez, a população manteve seu comportamento de contracontrole. A coerção ficou, então, mais forte. Houve o fechamento do Megaupload, citado no início, e a prisão de três envolvidos, entre eles o fundador do site, Kim Schmitz. Tudo isso ocorreu em meio a uma polêmica nos Estados Unidos sobre dois projetos de lei antipirataria, o Sopa (Stop Online Piracy Act), que corria na Câmara dos Representantes, e o Pipa (Protect Intelectual Property Act), que era debatido no Senado. Ora, essas reações repressivas podem ser interpretadas como resistência à extinção, uma vez que as coerções exercidas não estavam mais surtindo efeito, o comportamento coercitivo dos donos de gravadoras não obtinha reforço.
Frente a esses projetos, muitos sites se manifestaram, entre eles, o site Wikipédia, interrompendo seu acesso no dia 18 de janeiro, e o Google, mascarando sua logomarca. O protesto foi chamado pelos manifestantes de apagão ou blecaute – e por nós, de contracontrole. Outro comportamento com a mesma função foi emitido por um grupo de hackers dos Anonymous: eles bloquearam temporariamente o site do Departamento de Justiça americano, do FBI, da produtora Universal Music, entre outros, na noite de 19 de janeiro. De acordo com os hackers, foi o maior ataque já promovido pelo grupo, com mais de cinco mil pessoas ajudando. Além disso, houve um aumento considerável do uso da rede de compartilhamento de arquivos P2P (peer-to-peer), que permite troca de arquivos entre PCs conectados.

Ademais, usuários do Megaupload que ficaram sem acesso aos seus arquivos após o fechamento do site planejam processar o FBI. De acordo com eles, as pessoas que tinham arquivos pessoais hospedados no site não estavam infringindo as leis do direito autoral. Outros serviços semelhantes ao Megaupload também tomaram algumas medidas para tentar escapar do mesmo destino do concorrente: declarações mostrando diferenças entre os serviços em uma tentativa de se distanciar das acusações de atividades ilegais, até o bloqueio de compartilhamento de arquivos (confira lista aqui).
Diante disso, pode-se observar uma infinidade de contingências coercitivas aplicadas socialmente. Como destacou Skinner (1953, 1974, 1987), a nossa sociedade é permeada de controle aversivo, o que gera comportamentos de fuga e contracontrole, muitas vezes, também de forma coercitiva, como é possível observar na descrição desse vai-e-vem de contingências aversivas descritas acima.
Referências
Terra Notícias. Disponível em < http://tecnologia.terra.com.br/noticias/0,,OI5579378-EI12884,00-Fechamento+do+Megaupload+leva+a+aumento+da+rede+PP.html>. Acesso em 29/01/2012.
Sidman, M. (1995). Coerção e suas implicações. São Paulo: Livro Pleno, 2004.
Skinner, B. F. (1974). Sobre o Behaviorismo. 15ª Ed. São Paulo: Editora Cultrix.
Skinner, B. F. (1953/2003). Ciência e Comportamento Humano. 11ª Ed. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1953).
Skinner, B. F. (1987), What is Wrong with Daily Life in the Western World? in: Skinner, B. F. Upon Further Reflection. Englewood Clifs (New Jersey): Prentice Hall, p.15-31.

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Escrito por Renata Silva Pinheiro

Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Maranhão (2013) e mestra em Psicologia (Teoria e Pesquisa do Comportamento) pela Universidade Federal do Pará (2016). Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da Universidade de São Paulo (USP), com Doutorado Sanduíche no Exterior pela Universitat Autònoma de Barcelona (Espanha).

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