Relação Terapêutica na Análise do Comportamento: uma introdução ao assunto

Skinner já dizia que uma das principais tarefas do
terapeuta é representar uma audiência não
punitiva para seu cliente.
A relação terapêutica tem recebido crescente atenção dos profissionais de diversas abordagens nos últimos anos (Assunção e Vandenberghe, 2010). Não podia ser diferente entre os Analistas do Comportamento. Guilhardi (citado por Prado e Meyer, 2004) afirma que ela se constitui como uma importante fonte de dados sobre o comportamento do cliente, junto a seu próprio comportamento verbal. Shinohara (2000) defende que ela é fator determinante no processo de mudança clínica, que deve acontecer em meio a um vinculo de confiança e acordo harmonioso entre as partes. Entretanto, nem sempre foi assim.

As primeiras abordagens de orientação Behaviorista ignoravam quase completamente o conhecimento a respeito da Relação Terapêutica e mesmo sua importância. As chamadas Terapia Comportamental e Modificação do Comportamento tinham uma prática exclusivamente voltada a aplicação de técnicas empiricamente validadas (Alves e Isidro-Marinho, 2010), e como o que se sabia sobre relação terapêutica carecia de dados comprobatórios, não havia porque ser levado em consideração (Braga e Vandenberghe, 2006).

A partir dos anos 70 o cenário começou a mudar. Diversas pesquisas de eficácia, de diferentes abordagens da Psicologia, demonstravam que a aplicação adequada de técnicas não era o único fator relevante para a mudança clínica (Assunção e Vandenberghe, 2010). Os dados apontavam para a importância de fatores como empatia, autenticidade e confiança – comuns a qualquer relação humana construtiva – no sucesso do processo terapêutico (Assunção e Vandenberghe, 2010). Conforme explicam Chambless e Ollendick (2001), o estudo e aplicação de técnicas empiricamente validadas não perdeu sua importância, mas os elementos ligados à relação terapeuta-cliente passaram a receber uma atenção cada vez maior dos clínicos e pesquisadores em Psicologia. Norcross (2002) chamou este processo de “virada relacional” na Psicologia. 
Na Relação Terapêutica, terapeuta e cliente se influenciam
mutuamente.
Entre os autores da Análise do Comportamento, o primeiro a chamar a atenção para a importância dos fatores ligados à relação terapêutica foi Ferster (Alves e Isidro-Marinho, 2012). Ele demonstrou a existência de sutis relações de controle reciproco entre os comportamentos de uma terapeuta psicanalista e sua cliente durante a terapia (Wielenska, 2012). Defendeu que os comportamentos alvo do cliente se repetiam naquele contexto, o que tornava a relação terapêutica um instrumento de intervenção clínica por excelência (Alves e Isidro-Marinho, 2010).
A FAP (Functional Analytic Psychotherapy) segue esta mesma proposta (Braga e Vandenberghe, 2006). Conforme explicam Alves e Isidro-Marinho (2010), o modelo formulado por Kohlenberg e Tsai defende que todas as intervenções do terapeuta devem ocorrer na relação estabelecida com seu cliente. Entretanto, Ferster não era tão radical. Ele via a intervenção na relação terapêutica apenas como um complemento às demais técnicas que podiam ser usadas. 
Nos últimos 15 anos a FAP tem se tornado a principal referência da Análise do Comportamento sobre o assunto (Wielenska, 2012). Conforme explicam Assunção e Vandenberghe (2010), ela chama de CRB’s (Clinical Relevant Behavior) os comportamentos alvo do cliente e os divide em três subcategorias: 
· CRB 1: Comportamentos problemáticos apresentados pelo cliente durante a sessão, cuja frequência deve ser reduzida ao longo do processo terapêutico 
· CRB 2: São os comportamentos do cliente que podem contribuir para a superação de seu problema. Em geral aparecem em frequência baixa durante a sessão e devem ter sua frequência aumentada. Quando não aparecem, cabe ao terapeuta evoca-los. 
· CRB 3: Observações e interpretações que o cliente faz de seu próprio comportamento e das variáveis que o controlam. Também devem aumentar de frequência durante o processo terapêutico. 

FAP – em português: Psicoterapia
Analítico Funcional. É hoje inequívoca fonte
de influência entre os Terapeutas Comportamentais.
Os terapeutas que atendem de acordo com a proposta da FAP tem sua conduta orientada por 5 regras básicas, citadas por Wielenska (2012): 
1) Atentar à emissão destes CRB’s durante a sessão clínica 
2) Evocá-los, quando não aparecem; 
3) Reforçar naturalmente, de modo terapeuticamente empático e compassivo os CRB 2 emitidos pelo cliente; 
4) Observar os efeitos do próprio comportamento sobre o comportamento do cliente; 
5) Fornecer ao cliente informações analisadas funcionalmente, promovendo estratégias de generalização daqueles comportamentos para outros contextos. 
Alguns profissionais da Análise do Comportamento consideram a idéia de se trabalhar com o manejo dos CRB’s na clínica sem necessariamente ser um Terapeuta FAP. Brandão e Silveira (2004) abrem esta possibilidade em um capitulo publicado no livro Terapia Comportamental e Cognitivo Comportamental: Práticas Clínicas, organizado por Cristiano Nabuco de Abreu e Hélio José Guilhardi (2004). A obra apresenta o manejo de CRB’s como uma estratégia bastante eficiente no contexto clínico, orientando em detalhes como é possível realiza-lo, sem que necessariamente se proponha ser um terapeuta FAP. 
A literatura sobre FAP e relação terapêutica é bastante densa e ainda haveria muito o que se discutir neste texto para esgotá-la. Aqueles que têm interesse em saber mais a respeito, recomendo como ponto de partida a leitura dos trabalhos citados nas referências deste texto. Alguns deles estão disponíveis na internet, e via de regra, são de leitura bastante agradável. 
A proposta de Kohlenberg e Tsai é bastante interessante e recomendo a todos – inclusive aqueles que não pretendem se tornar terapeutas FAP – algum grau de leitura a respeito. E quem sabe, em breve, publicaremos alguns textos especificamente sobre o assunto. O que acha da idéia?
REFERÊNCIAS 
Alves, N.N.F.; Isidro-Marinho, G. (2010).Relação Terapêutica sob a perspectiva Analitico-Comportamental . In de-Farias, A.K.C.R. (org).Análise Comportamental Clínica: aspectos teóricos e práticos. Porto Alegre: Ed. Artmed. 
Assunção, A.B.M.; Vandenberg, L.C.A. (2010).Rupturas no Relacionamento Terapêutico: uma releitura analítico-funcional. In de-Farias, A.K.C.R. (org).Análise Comportamental Clínica: aspectos teóricos e práticos. Porto Alegre: Ed. Artmed. 
Barcelos, A. B. & Raydu, V. B. (2005). A história da psicoterapia comportamental. Em B. P. Rangé (Org.): Psicoterapia Comportamental e Cognitiva. Vol I (pp.43-52). São Paulo: Editorial Psy.
Braga, G. L. de B. & Vandenberghe, L. (2006). Abrangência e função da relação terapêutica na terapia comportamental. Estud. psicol. 23(3), 307-314.  
Chambless, D. L. & Ollendick, T. H. (2001). Empirically supported psychological interventions: Controversies and evidence. Annual Review of Psychology, 52(1), 685-716. 
Delitti, A. M. C. (1986). A Relação Terapêutica na Terapia Comportamental. Apresentação de Trabalho/Conferência ou palestra.
Norcross, J. (2002). Psychotherapy relationships that work: therapist contributions and responsiveness to patients. Oxford: Oxford Press. 
Prado, O. Z. & Meyer, S. B. (2004). Relação terapêutica: a perspectiva comportamental, evidências e o inventário de aliança de trabalho (WAI). Revista brasileira de terapia comportamental e cognitiva, 6(2), 201-209. 
Shinohara, H. (2000). Relação Terapêutica: O que Sabemos Sobre Ela? Em Kerbauy, R. R. (Org.) Sobre Comportamento e Cognição. Conceitos, pesquisa e aplicação, a ênfase no ensinar, na emoção e no questionamento clínico. Vol 5, 1ª ed., pp. 229-233. Santo André: ESEtec. 
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Escrito por Esequias Caetano de Almeida Neto

Terapeuta Comportamental, com especialização em Clínica Comportamental pelo Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento (Campinas, SP), com Treinamento Intensivo em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech | A Linehan Institute Training Company (Seattle, Washington/ EUA) e Formação em Terapia de Aceitação E Compromisso e Terapia Analítica Funcional pelo Instituto Continuum (Londrina, PR). É sócio da Ello: Núcleo de Psicologia e Ciências do Comportamento, onde atende a adultos individualmente, em terapia de casais e terapia de família, além de prover Supervisão Clínica e Treinamento para Terapeutas Comportamentais. É fundador e diretor geral do Portal Comporte-se: Psicologia e Análise do Comportamento (www.comportese.com), onde também coordena a equipe de colunistas de Terapia Comportamental Dialética. Coorganizou os livros Terapia Analítico Comportamental: dos pressupostos teóricos às possibilidades de aplicação (Ed. Esetec, 2012) e Depressão: Psicopatologia e Terapia Analítico Comportamental (Ed. Juruá, 2015). Atua como consultor de Comportamento e Cultura para a Rádio Clube (AM 770) de Patos de Minas e escreve sobre Psicologia e Saúde Mental para o jornal Clube Notícia (https://www.clubenoticia.com.br). É sócio afiliado da Associação Brasileira de Análise do Comportamento (ACBr) e, entre os anos de 2015 e 2017, foi membro da Comissão de Comunicação da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental (ABPMC).

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