Entrevista Exclusiva com Dr. Júlio César De Rose [10ª JAC UFSCar]

Entre os entrevistados durante a 10ª JAC São Carlos está o grande Psicólogo e Analista do Comportamento Dr. Júlio César De Rose, doutor em Psicologia Experimental pela USP – São Paulo (1981) e Professor Titular do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos. 
De Rose realizou seu pós doutorado em Neurologia Comportamental pelo Eunice Kennedy Shriver Center for Mental Retardation (EUA, 1984-1986), desenvolvendo pesquisas sobre relações simbólicas. Diretor do Centro de Educação e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Carlos (1996-2000).
É fundador e coordenador do Núcleo de Estudos sobre Comportamento, Cognição e Ensino, apoiado pelo Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex), de 1998 a 2004. Coordenador do Programa de Ciência Translacional do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino e membro do conselho editorial do Journal of Applied Behavior Analysis e do The Psychological Record (fonte).

1 – Olá Júlio. Para começar, gostaria de falar um pouquinho sobre a educação. Embora a Análise do Comportamento apresente excelentes resultados no ensino de pessoas com desenvolvimento típico e atípico, ela não é muito usada e nem muito conhecida pelos profissionais da educação. Por que isto acontece? Como contornar este quadro? 
Bom! Para começar, temos que saber que a Análise do Comportamento não é muito utilizada no Brasil, na área da educação. No exterior – Estados Unidos, Europa e no Oriente também -, a Análise do Comportamento tem sido muito utilizada no ensino de crianças com desenvolvimento atípico, especialmente com autismo. Então há um uso intenso da abordagem para isto. Isto porque já é bastante reconhecido que a abordagem produz grandes resultados para a intervenção com estas pessoas. E há, inclusive, bastante recursos para intervenção com crianças com autismo. Então isto tem produzido uma grande expansão da Análise do Comportamento no campo da educação. O desafio da Análise do Comportamento, então, é ser aplicada também para o ensino de crianças com desenvolvimento típico. Aí sim, há uma resistência maior. Existem experiências em escolas que a aplicam nos Estados Unidos. Até no Brasil já existe uma. 
A gente tem dificuldade de se comunicar em uma linguagem mais inteligível para pessoas que não são Analistas do Comportamento. Acho que isto dificulta muito o diálogo com educadores. Além disso, os educadores tem uma visão em parte equivocada sobre a Análise do Comportamento. Acreditam que ela é uma abordagem mecanicista, reducionista, etc. Isto também é uma barreira para a comunicação com educadores. 
A gente ainda não desenvolveu estratégias eficazes para superar estas dificuldades. A forma de apresentar o que a gente faz, ao invés de dissipar estas impressões dos educadores, às vezes a reforça. Então eles até podem achar: “Ah, isto funciona com criança retardada, você condiciona ela e ela melhor. Mas não vem querer condicionar nossos alunos com desenvolvimento típico”. Esta é uma dificuldade que a gente tem. 
2 – Existe este mesmo problema em relação ao diálogo da Análise do Comportamento com áreas como a Medicina, Filosofia, entre outras? 
Eu acho que existe um pouco também, devido à linguagem mais hermética do Analistas do Comportamento que dificulta o diálogo com outros profissionais. Em algumas áreas, eu acho que isso tem melhorado. Há uma inserção, também no exterior – mais do que no Brasil – , da Análise do Comportamento na medicina. Também, razoavelmente na Neurociência, tem havido progressos nesta direção. Mas com outras áreas, como Medicina, Antropologia, Ciências Sociais, etc., eu acho que poderia haver muito mais diálogo. Acho que o Analista do Comportamento tem que se preparar para este diálogo, aprendendo a ouvir as outras áreas. 
As vezes parece haver um lado entre os Analistas do Comportamento – isto é uma impressão pessoal, não tenho como provar e nem sei se é uma impressão verdadeira – que evita o diálogo e procura mais a interação com os próprios Analistas do Comportamento, que se reforçam mutuamente e o evitam [o diálogo], porque isso leva a ouvir críticas, a ter que ouvir a posição dos outros também. Isto é mais desafiador, mas é um desafio importante: aprender a ouvir as outras posições, dialogar com elas. Também é preciso admitir as limitações da nossa área, do nosso conhecimento. Se a gente parte do pressuposto de que nós sabemos tudo, então pra que dialogar com alguém? 
3 – O senhor poderia falar um pouquinho destas limitações na área da educação, em que pode ser útil utilizar conhecimento vindo de outras áreas do conhecimento? 
Sempre é útil. O Skinner, por exemplo, era um pensador e cientista que buscava muito o conhecimento de outras áreas do saber. O que ele rejeitava eram as teorias, as interpretações, as explicações que estas outras áreas davam. Mas ele nunca rejeitava o conhecimento, em termos de dados, fatos que podiam ser aportados por outras áreas que estudaram muitos fenômenos importantes do comportamento. 
Eu vejo isto muito claro no campo da antropologia. Tem muita produção interessante de Analistas do Comportamento sobre a questão da cultura, mais recentemente. E acho que isso poderia se enriquecer com o conhecimento produzido pelos antropólogos sobre cultura. Mesmo que a gente rejeite as explicações que são dadas, os dados que eles tem são muito interessantes e desafiam as interpretações comportamentais sobre este fenômeno. 
Na questão da educação, não podemos descartar, talvez, elementos interessantes da produção, por exemplo dos Piagetianos ou Vygostkyanos. Talvez de outras abordagens também, mas são estas as que me ocorrem agora. 
4 – Algumas abordagens da Psicologia produzem bastante sobre arte e em parceria com a arte, como por exemplo, a Psicanálise e a Sócio-Histórica. Pensado agora na Análise do Comportamento, como está este diálogo e produção com a arte?
Eu conheço pouco. Tenho visto muitas interpretações de arte, principalmente com base na Psicanálise e muito pouco com base na Análise do Comportamento. Até acho que, talvez, pelo fato de a Psicanálise ser mais metafórica, mais literária, ela seja mais atraente para os estudiosos da arte. Mas eu acho que a Análise do Comportamento tem muito a oferecer. A gente acabou de realizar, agora, uma conferência tentando analisar a criatividade musical à partir de um referencial teórico Comportamental¹. São coisas iniciais, ainda. Muito exploratórias. A gente tem um grande caminho a percorrer por aí. 

5 – Para finalizar, gostaria que o senhor deixasse algumas dicas para quem se interessa pelo estudo da Análise do Comportamento. 
Este é uma pergunta difícil. 
A Psicologia, como um todo, é uma disciplina relativamente nova e que lida com questões tremendamente desafiadoras. A mente ou o comportamento humano (para nós, Analistas do Comportamento, o estudo do Comportamento; para os psicólogos, o estudo dos processos mentais), seja para qual formulação teórica for, são assuntos tremendamente desafiadores sobre os quais ainda se sabe muito pouco. Então, minha primeira dica, é estar disposto a lidar com o desconhecido. 
A Análise do Comportamento tem métodos que permitem fazer perguntas e caminhar na produção de respostas. Ela não tem respostas prontas sobre todos os processos e fenômenos comportamentais, mas tem métodos e maneiras de formular perguntas que podem levar a respostas produtivas. 
Acho que é importante, também, a gente ter claro que a Análise do Comportamento é um caminho para as descobertas que nós ainda não não chegamos. Ela não é uma doutrina que dá todas as respostas para as nossas questões sobre comportamento, mas nos diz as maneiras mais produtivas de formular as perguntas e métodos com os quais se pode chegar às respostas. 
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¹ – Júlio César De Rose apresentou, junto a Antônio Carlos Leme Júnior (UFSCar) e Paulo Roberto dos Santos Ferreira (UFGD) uma conferência cujo título era “A Quinta Sinfonia de Beethoven e a Interpretação Comportamental da Criatividade”, na qual fizeram uma análise do processo criativo do músico ao compor a peça em questão.
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Escrito por Portal Comporte-se

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