Entrevista com a Profª Sandra Bernardes (XII JMCC)

Esta é a minha primeira entrevista para o Comporte-se. Quem a concedeu foi a professora Sandra Bernardes, pouco depois de sua conferência de abertura da XII Jornada Mineira de Ciência do Comportamento (JMCC). Como o tema da JMCC deste ano foi “Discutindo os papéis sociais da Análise do Comportamento”, Sandra discorreu apaixonadamente sobre os fundamentos e as perspectivas práticas da ética skinneriana. A professora Sandra (como gosta de ser chamada) graduou-se e adquiriu o título de mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sendo que atualmente é professora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC) e atua nas seguintes áreas: Terapia Comportamental, Formação de Terapeutas Comportamentais, Ensino de Análise do Comportamento e Behaviorismo Radical.
Daniel Gontijo e Sandra Bernardes (XII JMCC)

1) Como fazemos tradicionalmente, Sandra, gostaria inicialmente que você nos contasse um pouco de sua trajetória profissional, sobretudo no âmbito da Análise do Comportamento (AC).
Então, Daniel, o “destino” contribuiu em parte para o meu encontro com o behaviorismo… porque quando fiz o curso (Psicologia) na UFMG a AC estava chegando, aparecendo, e vindo com muita força! A grande maioria das disciplinas, como a Psicologia do Desenvolvimento e a Psicologia Social, partia do ponto de vista da AC. Dessa forma, meu percurso-no-curso foi em AC.
Depois que eu me formei, eu trabalhei na revenda Wolksvagem fazendo pesquisa de comportamento de venda. Foi nessa época que me chamaram para dar aula de AC… e quando eu comecei a lecionar, eu realmente vi que aquele era o meu lugar, que era aquilo que eu acreditava! Mas chegou um momento que eu quase virei psicanalista… porque era pouco reforçador, sabe? Não tinha muito diálogo… o pessoal (da AC) era meio isolado. Foi quando a Adélia chamou a gente e disse: “Vamos praticar!” Não tinha terapeuta comportamental aqui, e ela acabou me chamando para dar aula de Terapia Comportamental na UFMG. Eu não era terapeuta comportamental, mas ela disse que seriam aulas conceituais. Por lá, então, aos pouquinhos a turma (isto é, os adeptos à AC) foi crescendo e crescendo; começamos a trazer pessoas como o Hélio Guilhardi para Belo Horizonte e a AC foi se fortalecendo.
Então, assim, eu acredito que o meu percurso é basicamente “da prática”; leio muito, entendo muito, mas a prática da AC é o que sempre me encantou.

2) Na sua conferência, Sandra, você discorreu sobre o sistema ético skinneriano. O que esse sistema traz de inovador, de diferente em relação a outros sistemas éticos?

O diferencial é ser uma ética comportamental. No texto “Ética de Skinner e metaética” do Abib, no qual ele discute conceitos profundos como realismo e pragmatismo, podemos ter uma noção da ética skinneriana. Os conceitos de tato e mando ajudam muito nesse sentido; as noções de que o bom e o mau são produtos de consequências, também. E nós temos que trabalhar uma ciência do comportamento dentro desse tipo de visão, de homem que conduz o seu próprio destino. Skinner já disse mais ou menos o seguinte: “Nós não sabemos o que o homem pode fazer pelo homem. O homem de hoje é produto do próprio homem.” Então, se a gente quer um mundo com condições plenas de desenvolvimento, a gente tem que prover condições iguais para as pessoas. A desigualdade e várias outras coisas ruins não estão aí por acaso.

3) E acerca do bom e do mau, eles existem ou são coisas construídas? O que são esses valores?

O bom e o mau não existem enquanto coisas em si. Skinner é enfático ao dizer que o bom e o mau não são características dos objetos, das coisas, mas o efeito que essas coisas provocam no organismo. Então, o bom e o mau são estados do corpo na interação. Quando eu falei “para além do bom e o mau”, eu estava entrando na questão da ética, do mando skinneriano, e sobretudo da sobrevivência da cultura.

4) Mais cedo, na sua apresentação, você comentou sobre a presença do analista do comportamento nas instituições. Se a gente tem esse saber, esse saber transformador, o que nos impede de transformar, isto é, de nos infiltrar (nas instituições) e transformar?

Os valores das instituições. A direção de uma instituição é no sentido de promover sua própria manuntenção; é uma procura pela manutenção do poder. Então, na medida em que você descreve as condições do controle, o poder fica partido… e então as instituições deixam de ter sentido. Falando num nível menor, nas relações interpessoais, as pessoas não querem que a gente descreva as relações de poder… Imagine descrever as relações de poder de um casal… As coisas poderiam mudar, se equilibrar, nenhum seria mais forte ou melhor do que o outro. As pessoas evitam isso, e isso é verdade também no caso das instituições.

5) Uma última questão, Sandra. Queria que você falasse um pouco sobre o que mudaria caso a maior parte das pessoas deixasse de lado a noção ingênua de liberdade, do eu-iniciador, e em vez disso agarrasse as premissas do determinismo tal como tomadas pelo behaviorismo radical.

Mudaria as possibilidades de controle. Podemos mexer muito mais nas contingências do que diretamente nos sentimentos, por exemplo. O homem autônomo não existe na AC. O “eu” é uma construção social e não é a causa do comportamento. Devemos, portanto, ver quais são as condições da construção do “eu”… porque é aí que podemos mexer.
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Escrito por Daniel Gontijo

Restante das fotos da X JAC São Carlos

A importância da estatística para o Psicólogo. Apresentando a estatística gráfica.