Terapia Comportamental da Depressão: uma alternativa promissora

Até por volta da década de 1970 as Psicoterapias “Comportamentais” eram reconhecidas como as principais e mais eficazes formas de tratamento para os mais diversos transtornos (Garcia, 2007; Rangé, Falcone e Sardinha 2007). Suas principais representantes eram a Modificação do Comportamento e a Terapia Comportamental Clássica de Eysenck. Com o nascimento da Terapia Cognitiva, ao final dos anos 60, esta última começou a ganhar espaço e, de acordo com Rangé, Falcone e Sardinha (2007) hoje ela é considerada a mais importante e melhor fundamentada abordagem da Psicologia. Ela adquiriu este status não em função de seu corpo conceitual, mas da quantidade de pesquisas que atestam sua efetividade no tratamento de uma série de transtornos psiquiátricos (Beck, 1997; Rangé, Falcone e Sardinha, 2007).
Em meados de 1990 a Terapia Comportamental voltou a crescer. Assumindo uma identidade bastante diferente daquela anteriormente citada (veja aqui), a nova Terapia Comportamental incorporou à sua prática conceitos e instrumentos até então negligenciados pelos profissionais da abordagem, como a ampla produção Skinneriana sobre eventos privados e a Análise Funcional do Comportamento (Garcia, 2007; Vandenbergue, 2011). Uma nova geração de pesquisadores assumiu a vanguarda das Terapias Comportamentais e iniciou uma série de estudos conceituais, básicos e aplicados que garantiram seu retorno ao hall das principais abordagens terapêuticas da Psicologia. 
Um dos vários campos em que a Terapia Comportamental tem se destacado atualmente é no tratamento da depressão. Abreu (2006) cita um estudo pioneiro realizado por Jacobson et al. que pode ser considerado um dos marcos iniciais dessa nova fase. O trabalho consistiu em isolar e avaliar individualmente cada elemento da Terapia Cognitivo-Comportamental da depressão descrita no manual de Beck et al (1982), verificando como cada um deles influencia os resultados da terapia. A pesquisa contou com a participação de 150 pessoas, distribuídas de forma randômica em três grupos, cada um exposto a uma situação terapêutica diferente: 
1) O primeiro grupo foi submetido à Ativação Comportamental conforme descrita no manual de Beck (idem). O procedimento descrito no livro consistia, basicamente, em identificar os problemas cotidianos dos clientes e propor atividades semiestruturadas que aumentassem as chances deles entrarem em contato com contingências reforçadoras. 
2) Os participantes do segundo grupo avançaram para outra fase do protocolo de Beck, na qual além de passarem pela Ativação Comportamental, tinham seus pensamentos automáticos relacionados à depressão identificados e modificados. 
3) O terceiro grupo, por sua vez, foi submetido ao protocolo completo. Inicialmente passaram pela Ativação Comportamental, para em seguida terem seus pensamentos automáticos identificados e modificados e, por fim, passarem pela reestruturação de suas crenças centrais, as quais são assumidas pelo modelo cognitivista como causas dos transtornos psiquiátricos (Beck, 1997) 
Para controlar as mudanças produzidas por cada situação terapêutica, os pesquisadores aplicaram o Inventário Beck de Depressão (BDI) antes e depois das intervenções. Todas elas foram efetivas em produzir melhoras significativas em relação à primeira aplicação do BDI, eliminando a sintomatologia depressiva na maioria dos participantes. No entanto, quando as terapêuticas foram comparadas entre si, não houve diferença significativa entre os resultados alcançados por cada uma delas. O mesmo se repetiu no Follow Up realizado dois anos após o término do experimento. 
Aaron Beck, principal precursor da Terapia Cognitiva.
De acordo com Abreu (2006), os resultados levaram os autores do estudo a concluírem que a efetividade do protocolo de Beck deve-se basicamente à Ativação Comportamental, e que as técnicas cognitivistas descritas no manual não possuem relevância para o tratamento da depressão, uma vez que com ou sem elas os mesmos resultados podem ser alcançados. Naturalmente a comunidade Cognitivista teceu uma série de críticas ao estudo, embora nenhuma tenha sido publicada. A despeito disso, próprio Aaron Beck, principal precursor da Terapia Cognitivo-Comportamental, reconheceu a qualidade do delineamento de Jacobson por meio de uma carta enviada ao autor (Abreu, 2006). 
A partir destes resultados, Jacobson e sua equipe propuseram uma série de mudanças na Ativação Comportamental descrita no protocolo de Beck e a lançaram como uma alternativa comportamentalista para o tratamento da depressão. A nova proposta incluía, além da programação de atividades descrita por Beck, a análise funcional do comportamento e a psicoeducação analítico-comportamental, por meio da qual o cliente aprendia a realizar análise funcional do próprio comportamento, manejar contingências e monitorar seu progresso na terapia (Abreu, 2006; Cardoso,2011), além de ensaios verbais das tarefas propostas e treino de estratégias para ativação (Cardoso, 2011). 
Com vistas a testar a nova forma de tratamento e solidificar sua validade perante a comunidade científica, Jacobson et al (2006) realizaram um novo estudo controlado e randomizado em que a Ativação Comportamental foi comparada à Paroxetina¹ e à Terapia Cognitivo-Comportamental em uma amostra de 241 pessoas. O grupo controle recebeu pílulas placebo e os terapeutas cognitivo-comportamentais participantes receberam treinamento no instituto dirigido pelo próprio Aaron Beck, na Philadelphia. Os efeitos das intervenções foram controlados por meio da aplicação do Inventário Beck e da Escala Hamilton de depressão e a gravidade inicial do quadro foi levada em consideração na avaliação dos resultados. 
Novamente, os três métodos (Ativação Comportamental, Paroxetina e Terapia Cognitivo-Comportamental) foram efetivos em eliminar os sintomas depressivos. No entanto, não apresentaram diferenças estatisticamente significativas quanto às taxas de melhora em casos de depressão leve, quando comparadas entre si. A Ativação Comportamental e a Paroxetina foram mais rápidas e mais efetivas em casos de depressão moderada e severa, embora a última tenha apresentado mais casos de recaída no Follow Up realizado.

Cardoso (2011) cita outro estudo controlado e randomizado em que a Ativação Comportamental de Jacobson foi comparada à Paroxetina e à Terapia Cognitivo-Comportamental de Beck, em uma amostra de 500 sujeitos diagnosticados com depressão. Os participantes foram avaliados antes e depois das intervenções através do Inventário Beck de Depressão (BDI). 
Tanto os participantes submetidos à Ativação Comportamental, quanto os submetidos ao tratamento medicamentoso apresentaram resultados significativamente superiores àqueles apresentados pelo grupo tratado com o protocolo de Beck. A diferença foi ainda maior nos casos de depressão severa. E assim como no estudo de Jacobson et al, as taxas de recaída foram menores entre os participantes tratados com Ativação Comportamental do que entre aqueles tratados com Paroxetina e à TCC. 
Os dados não deixam dúvidas quanto à eficácia da Terapia Comportamental. Ela não só tem se mostrado efetiva na produção de melhora significativa em pacientes deprimidos, como também superior à conhecida Terapia Cognitivo-Comportamental em casos moderados e graves, além de mais eficaz do que o tratamento medicamentoso com Paroxetina no que tange à manutenção dos resultados. 
Uma revisão de meta-análises conduzida por Cuijpers e Cols (2008) levantou outro dado bastante interessante: os autores compararam não apenas a efetividade das diferentes modalidades de terapia na produção de melhora em quadros depressivos, mas também a taxa de desistências do processo terapêutico entre os participantes submetidos a cada uma delas. O número de desistências entre os participantes submetidos à Terapia Cognitivo-Comportamental foi ligeiramente superior ao número de desistências entre aqueles que passaram pela Terapia Comportamental. O trabalho incluiu sete Meta-Análises que, juntas, somavam 53 estudos controlados e randomizados. 
O dado é importante porque o cliente que chega à clínica de serviços geralmente apresenta uma série de outros problemas relacionados ou não à queixa principal, e a Psicoterapia de serviços não pode estar interessada apenas na última, mas na melhora geral da vida daquela pessoa (Seligman, citado por Starling, 2010). Neste sentido, a aplicação de um protocolo padronizado pode ser insuficiente ou mesmo inadequada em muitos casos nos quais a continuidade do vínculo é condição sine qua non para que o terapeuta possa adequar o melhor procedimento e pesquisa disponíveis às características de cada cliente². Sendo a Terapia Comportamental uma modalidade de tratamento cujo vínculo contínuo é característica comprovadamente presente, ela se mostra mais efetiva também deste ponto de vista, tanto isoladamente quanto quando comparada à Terapia Cognitivo-Comportamental. 
¹ – A Paroxetina é um medicamento da classe dos Inibidores Seletivos de Recaptação de Serotonina;
² – Este é o cerne da Prática Psicológica por Evidências. Conforme discorre Starling (2010), as pesquisas de eficácia são conduzidas em contextos diametralmente diferentes daqueles em que ocorrem a psicoterapia do mundo real. Assim, é indispensável que o clínico seja capaz de combinar os dados obtidos nestas pesquisas às características de cada processo terapêutico em particular. As variáveis que controlam este processo são discutidas em sua tese de doutoramento, disponível neste link.
³ – Uma descrição mais detalhada de como funciona a Ativação Comportamental pode ser encontrada em Abreu (2011), neste link.

REFERÊNCIAS

Abreu, P. (2006). Terapia Analítico Comportamental da Depressão: uma antiga ou nova ciência aplicada?. Rev. Bras. Psiquiatria Clínica. V. 22. N. 6.

Beck, A. T.; Rush, A. J.; Shaw, B. F. & Emery, G. (1982). Terapia cognitiva da depressão. Rio de Janeiro: Zahar.

Beck, J. S. (1997). Terapia cognitiva: Teoria e prática. Porto Alegre: Artes Médicas.

Cardoso, L. R. D. (2011). Psicoterapias Comportamentais no Tratamento da Depressão. Psicologia Argumento. V. 29. N. 67.

Cuijpers e Cols. (2008). Psychotherapy for depression in adults: a meta-analysis of comparative outcome studies. Journ. C. Clin. Psychol. 76(6):909-22.

Garcia, M. R. (2007). O Percurso da Terapia Comportamental. Terra e Cultura. N. 44, p. 118-123.

Jacobson et all. (2006). Randomized trial of behavioral activation, cognitive therapy, and antidepressant medication in the acute treatment of adults with major depression. Journ. C. Clin. Psychol. 74 (4):658-70

Rangé, B. P.; Falcone, E. M. O.; Sardinha, A. (2007). História e panorama atual das terapias cognitivas no Brasil. Rev. Bras. Ter. Cogn. N. 2. V. 3.

Starling, R. R. (2010). Prática controlada: medidas continuadas e produção de evidências empíricas em terapias analítico-comportamentais. Tese de Doutorado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado em 2012-05-16, de http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47133/tde-29032010-163308/

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Escrito por Esequias Caetano de Almeida Neto

Terapeuta Comportamental, com especialização em Clínica Comportamental pelo Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento (Campinas, SP), com Treinamento Intensivo em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech | A Linehan Institute Training Company (Seattle, Washington/ EUA) e Formação em Terapia de Aceitação E Compromisso e Terapia Analítica Funcional pelo Instituto Continuum (Londrina, PR). É sócio da Ello: Núcleo de Psicologia e Ciências do Comportamento, onde atende a adultos individualmente, em terapia de casais e terapia de família, além de prover Supervisão Clínica e Treinamento para Terapeutas Comportamentais. É fundador e diretor geral do Portal Comporte-se: Psicologia e Análise do Comportamento (www.comportese.com), onde também coordena a equipe de colunistas de Terapia Comportamental Dialética. Coorganizou os livros Terapia Analítico Comportamental: dos pressupostos teóricos às possibilidades de aplicação (Ed. Esetec, 2012) e Depressão: Psicopatologia e Terapia Analítico Comportamental (Ed. Juruá, 2015). Atua como consultor de Comportamento e Cultura para a Rádio Clube (AM 770) de Patos de Minas e escreve sobre Psicologia e Saúde Mental para o jornal Clube Notícia (https://www.clubenoticia.com.br). É sócio afiliado da Associação Brasileira de Análise do Comportamento (ACBr) e, entre os anos de 2015 e 2017, foi membro da Comissão de Comunicação da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental (ABPMC).

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