A utilização de termos técnicos pelo clínico analítico-comportamental

Observa-se, através do contato com diferentes terapeutas analítico-comportamentais, uma certa controvérsia em relação a utilização ou não de termos técnicos no contexto de atendimento clínico. Esta observação – de caráter informal – revela uma tendência dos terapeutas em evitar a utilização de tais termos com seus clientes. Além disso, boa parte da literatura clínica também tende a desaconselhar a utilização destes termos ou, pelo menos, sugere utilizá-los de forma moderada. Tal recomendação pode ser encontrada na afirmação de que uma “linguagem funcional” não é necessária para se comunicar com o cliente e que o terapeuta deve recorrer a uma linguagem que seja acessível e faça sentido para o primeiro (Kanter, Weeks, Bonow, Landes, Callaghan & Follete, 2011). De acordo com este raciocínio, uma linguagem técnica seria funcional apenas em sua topografia, mas não seria funcional no sentido de produzir efeitos terapêuticos sobre o cliente.

O propósito deste artigo é suscitar uma reflexão crítica sobre a adequação do uso da terminologia técnica da análise do comportamento no contexto clínico e sugerir alguns possíveis caminhos para lidar com essa questão na prática clínica cotidiana. A ideia do artigo também partiu da observação relativamente comum de que os analistas do comportamento, em geral, apresentam certas dificuldades de interlocução com comunidades verbais não behavioristas (ou seja, a maior parte da comunidade verbal que domina a nossa cultura, seja a de cientistas, terapeutas ou leigos) e de adaptar a sua linguagem a estas comunidades para que seja compreendido adequadamente.

Conforme apontam Carmo e Batista (2003), é notadamente comum a utilização de uma linguagem hermética, muitas vezes inacessível à compreensão do público leigo pelos analistas do comportamento. Além disso, a análise do comportamento possui um conjunto de termos que carregam, na maioria das vezes, significados diferentes dos significados cotidianos e, mais do que isso, significados associados a eventos negativos. Por exemplo, os termos “controle”, “condicionamento” e “punição” estão frequentemente associados a ideias equivocadas de autoritarismo e cerceio à liberdade individual, enquanto que os termos “estímulo” e “resposta” estão frequentemente associados a uma visão reducionista e simplista do ser humano. Esse fenômeno acaba criando uma barreira que dificulta e, por vezes, impossibilita uma comunicação efetiva entre o terapeuta analítico-comportamental e seus clientes quando o primeiro utiliza esta linguagem de forma inadequada.

É preciso explicitar que, quando se fala em utilização de termos técnicos pelo terapeuta, estamos fazendo referência a um comportamento verbal deste que só produzirá o reforço efetivo através da reação/mediação do cliente (Skinner, 1957/1978). Ou seja, os critérios para a utilização de uma determinada forma de falar com o cliente devem ser funcionais no sentido de produzirem os reforçadores pretendidos pelo terapeuta que só podem ser verificados pela observação do comportamento verbal e/ou não verbal do cliente. Em outras palavras, a escolha por utilizar ou não uma linguagem técnica com um determinado cliente deve considerar primariamente se tal uso irá beneficiá-lo e ajudar a potencializar os efeitos terapêuticos do processo.

O terapeuta, enquanto uma fonte de controle “especial” na vida do cliente (Skinner, 1953/2003), deve sempre buscar a manutenção destas condições especiais de controle ainda que isso implique em utilizar uma linguagem, a princípio, não familiar para o cliente. Por exemplo, o terapeuta pode, em uma dada interação com o cliente, utilizar o termo reforço e explicar, tecnicamente, que este refere-se a uma consequência que vem após o seu comportamento e que influencia a tendência deste comportamento voltar a ocorrer em situações semelhantes no futuro (Baldwin & Baldwin 1986/1998). Presume-se que esta explicação irá esclarecer o significado técnico do termo no contexto da interação terapêutica e que, principalmente, irá ajudar o cliente a compreender melhor o seu funcionamento e o porquê ele continua agindo como age – em função da ocorrência do reforçamento.

Ao utilizar determinados termos técnicos associados popularmente a eventos negativos, o terapeuta deve ter cautela e utilizá-los de forma que não evoque no cliente comportamentos preconceituosos ou de fuga/esquiva. Aqui, a topografia da fala do terapeuta também é importante. Yalom (2006, p. 75) sugere que “os terapeutas precisam aprender a formular seus comentários de maneira a que pareçam afetuosos e aceitáveis para os pacientes”. Neste sentido, por exemplo, torna-se um desafio para o terapeuta utilizar a expressão “ficar sob controle” sem que o cliente interprete tal expressão de modo superficial, negativo ou simplesmente não entenda o que o terapeuta quer dizer. Neste caso, o terapeuta pode fornecer uma explicação simples como, “veja, quando eu digo ‘ficar sob controle’, estou querendo dizer que você reage assim nesta situação, ou seja, seu comportamento está reagindo a estes estímulos”. Presume-se que, com o uso repetido e adequado da expressão, esta deixará de ser mal compreendida, começará a ser incorporada no repertório verbal do cliente e, sobretudo, produzirá efeitos terapêuticos como o aumento do autoconhecimento.

É evidente que, no contexto dessa discussão, o terapeuta deve usar o bom senso e ter clareza sobre quando, como e com que clientes seria produtivo utilizar um termo técnico. Clientes em pouco tempo de terapia, com déficits importantes no repertório verbal, ou com baixa capacidade de compreensão verbal, podem sugerir exemplos em que seria contraproducente utilizar termos técnicos. Em todo caso, o comportamento verbal do terapeuta analisado aqui – utilizar termos técnicos – só poderá ser avaliado em termos terapêuticos com cada cliente em particular, ou seja, somente quando o terapeuta se expor a esta contingência é que poderá saber se as consequências foram terapêuticas ou não para o cliente, e este deve ser o foco primário do processo.

Assim como outros profissionais de saúde, tais como médicos, nutricionistas, fonoaudiólogos, etc., também utilizam, mais ou menos frequentemente, uma terminologia técnica com seus clientes, o psicólogo também pode e deve recorrer aos termos que constituem o seu campo científico desde que seja capaz de explica-los, utilizando metáforas, sinônimos ou traduzindo estes termos de maneira apropriada para os seus clientes, e esta habilidade se desenvolve na prática clínica diária e em outros espaços apropriados, como a supervisão. No entanto, Carmo e Batista (2003, p. 501) alertam para o fato de que “o domínio de uma linguagem não técnica, após treinamento intensivo e rigoroso no domínio de uma linguagem técnica é uma habilidade difícil de ser adquirida e manifestada”. Este desafio parece constituir um dos principais desafios do analista do comportamento não só no âmbito da clínica, como também na comunicação com os mais variados interlocutores com que o mesmo se depara. Os autores propõem aos analistas – e aqui vale para o clínico na relação com seu cliente – o seguinte questionamento: manter-se-ão os analistas enclausurados em sua comunidade verbal, irredutíveis em utilizar uma linguagem acessível a outros interlocutores ou aceitarão o desafio de se comunicar com não-analistas de forma compreensível, sem comprometer o caráter científico da terminologia da análise do comportamento?

É evidente que a comunicação efetiva do analista do comportamento com a sociedade em geral e, mais especificamente, do terapeuta analítico-comportamental com seu cliente, é vital. Uma prática cultural não sobrevive se não puder ser transmitida para os outros membros da comunidade. No caso abordado aqui, a comunidade se constitui no cliente que interage com o terapeuta. Se este não for capaz de “se fazer entender” pelo cliente, a terapia não será efetiva ou o cliente irá abandoná-la. De todo modo, o terapeuta não precisa se esquivar de utilizar o vocabulário técnico da análise do comportamento com seu cliente, mas deve fornecer-lhe explicações sobre o seu significado que sejam acessíveis ao universo semântico do mesmo. E isso não implica assumir o papel de um professor ao invés de um terapeuta, embora a terapia não deixe de ter uma função educativa importante onde terapeuta também desempenha um papel de educador.

Gostaria de finalizar este artigo expondo brevemente um trecho de um atendimento clínico, realizado por mim, onde a utilização de uma linguagem técnica era extremamente reforçadora para o cliente, há uma ano e meio em terapia. Segue abaixo.

T: Quando você diz que não tem motivação, o que exatamente você quer dizer?

C: Não me animo, não tenho aquele ímpeto de ir lá e fazer o que tenho que fazer…

T: Bom, vamos ver. Quando você diz motivação, nós estamos falando geralmente de privação. É a mesma coisa.

C: Como assim?

T: Quando você passa muito tempo privado de alguma coisa, você costuma ficar muito mais motivado para consegui-la. Então, por exemplo, se você está há muito tempo sem comer, irá agir no sentido de buscar algo para comer e aliviar a privação de comida, que chamamos de fome. Neste caso que você está me contando, como você está há muito tempo sem emprego e a sua situação financeira apertou – você está privado de dinheiro – a tendência é que você comece a agir para diminuir essa privação. Ficou claro?

C: Ah! Que interessante, nunca tinha pensado desta forma! Sim ficou muito claro agora. Eu prefiro quando você explica desta forma…(expressão facial de satisfação).

 

Referências

Baldwin, J. D., & Baldwin, J. L. (1986/1998). Princípios do comportamento na vida diária. (L. F. Ciruffo, M. J. E. Vasconcellos, R. S. C. Pereira, & S. dos S. Castanheira, Trads.). Editoração. UFMG.

Carmo, J. dos S., & Batista, M. Q. G. (2003). Comunicação dos conhecimentos produzidos em análise do comportamento: Uma competência a ser aprendida? Estudos de Psicologia, vol. 8 (3), pp. 499-503.

Kanter, J. W., Weeks, C. E., Bonow, J. T., Landes, S. J., Callaghan, G. M., & Follete, W. C. (2011). Avaliação e formulação de caso. Em M. Tsai, R. J. Kohlenberg, J. W. Kanter, B. Kohlenberg, W. C. Follete, & G. M. Callaghan. Um guia para a psicoterapia analítica funcional (FAP): Consciência, coragem, amor e behaviorismo (F. C. S. Conte & M. Z. S. Brandão, Orgs. Trads.). Santo André: ESETec.

Skinner, B. F. (1953/2003). Ciência e comportamento humano (J. C. Todorov, & R. Azzi, Trads.). São Paulo: Martins Fontes.

Skinner, B. F. (1957/1978). O comportamento verbal (M. P. Villalobos, Trad.). São Paulo: Cultrix.

Yalom, I. D. (2006). Os desafios da terapia (V. de P. Assis, Trad.). Rio de Janeiro: Ediouro.

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Escrito por Pedro Gouvea

Psicólogo. Especialista em Análise Comportamental Clínica pelo Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento. Especialista em Docência do Ensino Superior pela AVM Educacional/UCAM. Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental pelo Centro de Psicologia Aplicada e Formação/UCAM. Atua como psicólogo clínico e em instituição de acolhimento para idosos. Tem interesse principalmente pelos seguintes temas: Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) e Psicopatologias/Comportamentos que envolvem a ansiedade social, como o transtorno de ansiedade social (fobia social), timidez, introversão e personalidade evitativa. E-mail para contato: pedrow.gouvea@gmail.com

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