Considerações sobre a utilização de tarefas de casa na FAP

 

No atendimento psicoterapêutico, é comum que, a partir de análises feitas no momento da sessão, perguntemo-nos de que modo essa análise pode ser testada pelo cliente em seu dia-a-dia. Em outras palavras, questionamo-nos sobre de que forma aquilo que vem sendo desenvolvido no processo psicoterapêutico pode contribuir para a melhora clínica no ambiente natural do cliente.

Quando falamos em melhora clínica, há alguns fatores que a tornam um desafio para o terapeuta, dentre eles: o contato limitado entre cliente e terapeuta (que, por muitas vezes, restringe-se em uma ou duas horas por semana de atendimento); o acesso restrito do terapeuta em relação à vida do cliente fora do setting terapêutico; e o limitado controle do terapeuta sobre as contingências que determinam os comportamentos do cliente fora da sessão (Kohlenberg & Tsai, 1991).

Em decorrência das limitações de acesso à vida diária do cliente, a melhora clínica nas pesquisas em FAP acaba por ser deduzida pela correspondência entre os relatos de melhora e os comportamentos correspondentes ocorridos em sessão. A dedução se dá, pois a FAP tem como foco a relação terapêutica, esperando-se que as experiências da interação entre terapeuta e cliente promovam, naturalmente, a generalização de comportamentos de melhora para a vida diária (Martim, 2016). O desafio é saber como a vida diária pode dispor de contingências naturalmente reforçadoras para a emissão de comportamentos de melhora do cliente.

Uma das formas de ter maior acesso à vida diária do cliente poderia ser por meio de propostas de tarefas de casa. Para ficar mais claro, esse texto conterá a relação entre a tarefa de casa e a FAP (identificando em que momento da estruturação da FAP ela pode ser utilizada), bem como uma discussão geral sobre tipos de tarefa e o que deve se levar em conta para propô-la durante o processo terapêutico.

A tarefa de casa e as regras da FAP

A FAP é uma estratégia terapêutica que tem alguns de seus procedimentos organizados em formas de Cinco Regras. Nada mais são do que sugestões para o comportamento do terapeuta na interação com o cliente, que não necessariamente são utilizadas nessa ordem e devem ser levadas em conta a depender das contingências que estiverem em vigor no momento da sessão. São elas: (1) prestar atenção/observar os comportamentos do cliente que ocorrem na sessão; (2) evocar os comportamentos-problema bem como os de melhora do cliente, (3) reforçar comportamentos de melhora clínica naturalmente; (4) observar os efeitos potencialmente reforçadores do comportamento do terapeuta em relação aos comportamentos-problema e os de melhora do cliente; e (5) fornecer interpretações das variáveis que podem afetar o comportamento do cliente e implementar estratégias de generalização (Tsai, Kohlenberg, Kanter, Holman, & Loudon, 2012).

Na Regra 5, recomenda-se que o terapeuta interprete os comportamentos ligados à relação terapêutica ou a situações da vida diária, isto é, “enquanto terapeutas, esperamos que as razões que fornecemos aos nossos clientes os auxiliem em seus problemas da vida diária” (Kohlenberg & Tsai, 1991, p. 42). Estudos recentes na FAP relacionam a tarefa de casa à Regra 5 (p.e. Tsai et al., 2012; Tsai, Yard, & Kohlenberg, 2014; Tsai, Fleming, Cruz, Hitch, & Kohlenberg, 2015), uma vez que a tarefa pode ser utilizada como meio de promover a generalização e os comportamentos de melhora emitidos durante a interação terapeuta/cliente.

A tarefa de casa e seus tipos para a FAP

Tarefa de casa é definida como uma proposta, fornecida ao cliente, com o objetivo de coletar informações a serem utilizadas na estruturação do tratamento e auxiliar na generalização de comportamentos de melhora da sessão para a vida diária (Tsai et al., 2012).

A proposta de uma tarefa de casa pode ser utilizada para coletar dados, solicitar ao cliente que pratique ou aplique, no momento da sessão, o que ele tem aprendido na relação terapeuta-cliente e sugerir ao cliente a execução, no ambiente natural, de uma habilidade de relacionamento que foi desenvolvida no contexto intrassessão. Essas formas de tarefas de casa têm como função promover ganhos de generalização de respostas para a vida diária, as quais podem ser utilizadas separada ou conjuntamente (Tsai et al., 2012).

A tarefa de casa para coleta de informação pode ser feita por meio de autorregistros diários, sejam de comportamentos públicos ou privados. Para propostas de tarefa de casa com o objetivo de promover a generalização, o terapeuta pode sugerir ao cliente que ele pratique na vida diária uma habilidade relacional que tenha sido desenvolvida no contexto da sessão. Contudo, para que essa tarefa se realize, é necessário que o cliente esteja desenvolvendo o repertório de aplicar ou praticar, na relação com o terapeuta, comportamentos de melhora que ele tem aprendido durante as sessões. Um exemplo é o de um cliente que possui dificuldades para fazer contato visual com o terapeuta. Com o vínculo mais estabelecido com o terapeuta, o contato visual pode aumentar e uma ação por parte do terapeuta seria a de fornecer a interpretação sobre a mudança desse comportamento e propor que o cliente tente fazer esse contato com alguém do seu convívio. O terapeuta acaba desenvolvendo, portanto, uma tarefa de casa específica pa a esse comportamento (Tsai et al., 2012).

Os autores da FAP mencionam como exemplo os modelos de autorregistros e tarefas de casa propostos pela Ativação Comportamental, a Terapia de Aceitação e Compromisso, a Terapia Comportamental Dialética. Apesar da FAP utilizar modelos de tarefas elaborados por outras estratégias terapêuticas, a forma como ela aborda a tarefa de casa se difere dos modelos cognitivos (Tsai et al., 2012).

Para a FAP, a execução ou não da tarefa de casa por parte do cliente depende da função do comportamento de fazê-la, sendo a relação terapêutica o ambiente onde isso pode ser observado (Tsai et al., 2012). Desse modo, ao se tratar da FAP, devemos nos perguntar sobre quais os contextos que evocam o comportamento do cliente de fazer a tarefa e quais são as consequências que fazem esse comportamento ser mais ou menos provável (Martim, 2016).

Desse modo, o terapeuta precisa saber se a execução de uma determinada tarefa tem função reforçadora para um comportamento clinicamente relevante problema (CRB1) ou de melhora (CRB2). É nesse sentido que a FAP difere da aplicação da tarefa de casa das estratégias cognitivas, uma vez que está preocupada em verificar a função do comportamento de realizar a tarefa (Tsai et al., 2012).

Um exemplo

Considere o seguinte caso clínico: um cliente que costuma atender sempre às expectativas de quem está à sua volta pode, na relação com o terapeuta, emitir comportamentos como nunca se atrasar, pagar os honorários assiduamente, pedir desculpas em excesso quando falha e sempre concordar com as análises feitas pelo terapeuta. Nesse caso, é necessário observar qual seria a função de uma tarefa de casa para os comportamentos de melhora do cliente. Apenas fornecer a tarefa e compreender que houve melhora porque o cliente a executou não é suficiente. Nesse caso em específico seria insuficiente, uma vez que possivelmente o cliente atenderia à suposta expectativa do terapeuta de aguardar pela tarefa feita na sessão seguinte.

É preciso compreender, nesse sentido, os contextos nos quais a tarefa é ou não executada, e cabe analisar de que forma a realização de tarefas foi aprendida no repertório do cliente, verificando as consequências que seguiram o comportamento de completar tarefas no passado. Dessa maneira, é possível mensurar a probabilidade de ocorrência desse comportamento na relação terapeuta/cliente.
Com a melhor definição e compreensão do repertório do cliente de executar tarefas em sua história de vida, torna-se mais claro elaborar propostas em conjunto com o cliente que atendam aos objetivos do processo terapêutico. Consequentemente, será mais fácil estar atento aos CRBs que serão emitidos e que poderão ser evocados pelo terapeuta na sessão seguinte à tarefa de casa proposta.
Por fim, ressalta-se que a FAP requer uma minuciosa avaliação e conceituação de caso, uma vez que as metas para tratamento devem ser funcionais, sendo adequadas aos propósitos do tratamento para cada cliente (Tsai, Callaghan, & Kohlenberg, 2013). A partir de uma minuciosa e idiossincrática conceituação de caso, torna-se possível propor tarefas de casa que se adequem a cada cliente.

REFERÊNCIAS

Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (1991). Psicoterapia analítica funcional: criando relações terapêuticas intensas e curativas. Santo André, SP: ESETEC.
Martim, G. A. I. (2016). A tarefa de casa na psicoterapia analítica funcional: prováveis relações entre sua solicitação e eventos intrassessão. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Psicologia – Mestrado, Universidade Federal do Paraná, Curitiba.
Tsai, M., Kohlenberg, R. J., kanter, J. W., Kohlenberg, B., Follete, W. C., & Callaghan, G. M. (2009). A guide to functional analytic psychotherapy: awareness, courage, love and behaviorism. New York: Springer.
Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Holman, G. I. & Loudon, M. P. (2012). Functional analytic psychotherapy: distinctive features. Hove and New York: Routledge.

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Escrito por Gabriela Martim

Psicóloga, especialista e mestra em Psicologia Clínica. Treinadora e Terapeuta Certificada em Psicoterapia Analítica Funcional (FAP). Amante das relação terapêutica. Atua com psicologia clínica (presencial em Curitiba-PR e online), supervisora e professora.

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