Autismo e Comorbidades: Síndrome do X Frágil

Com este artigo vou dar início a uma sequência de publicações sobre alguns transtornos, síndromes e distúrbios que comumente ocorrem junto com o diagnóstico de TEA (Transtorno do Espectro do Autismo), ou seja, vamos falar de algumas comorbidades recorrentes e, também, em como lidar com as especificidades destas comorbidades na intervenção comportamental. A primeira será a Síndrome do X Frágil.

Segundo Gillberg (2005), em cerca de 7 a 10% dos casos de autismo, há um transtorno médico associado. A Síndrome do X Frágil consiste em uma das comorbidades mais comuns.

A Síndrome do X Frágil tem origem genética, determinada pela mutação de um gene específico (Fragile Mental Retardation 1 ou FMR1) localizado no cromossomo X. Quando o gene FMR1 está comprometido ocorre a falta ou pouca produção da proteína FMRP (Fragile Mental Retardation Protein), que é fundamental para o desenvolvimento do sistema nervoso e de várias funções cerebrais (intelectual, sensorial, memória, fala, cálculo, social e comportamental). A falta da proteína FMRP desestabiliza todo o processo cerebral, gerando dificuldades intelectuais, atraso no desenvolvimento, problemas de comportamento, problemas emocionais e determinadas características físicas.

x-fragil

A herança genética desta síndrome se dá da seguinte forma: a mãe e o pai transferem para o filho a informação genética de 23 cromossomos cada um, agrupados em 22 pares semelhantes. Os 2 cromossomos que sobram recebem o nome de X e Y. A mãe sempre irá transmitir o cromossomo X, e o pai transmitirá o cromossomo que irá determinar o sexo do bebê: X se for menina ou Y se for menino. Como a mutação que determina a Síndrome do X Frágil ocorre no cromossomo X, o homem portador da Síndrome do X Frágil passará a todas as suas filhas o cromossomo X com o gene alterado (pré-mutado), mas a nenhum de seus filhos homens, já que os meninos recebem o Y de seu pai.

A mulher portadora da herança genética passada pelo seu pai (pré-mutada) tem 50% de chances de passar para a sua próxima geração o gene alterado: de forma expandida, ou seja, gerando uma criança afetada pela Síndrome do X Frágil; ou como portadora, isto é, gerando uma criança pré-mutada (que não está afetada pela síndrome, mas é portadora do gene e pode passar para seus filhos).

A Síndrome do X Frágil atinge mais os homens e, nestes, os sintomas são mais intensos (comprometimento mental significativo ou algum grau de dificuldade intelectual). Nas mulheres, os sintomas são mais suaves, consistindo em dificuldades com cálculo, timidez, dificuldade de interagir socialmente, estrabismo e miopia, atraso no desenvolvimento e depressão.

O gene que transmite a Síndrome do X Frágil passa silenciosamente por muitas gerações sem ser notado pela família. Somente quando o gene é expandido e transmitido para as gerações seguintes é que um ou mais de seus membros passam a ser afetados pela síndrome.

O diagnóstico é feito por meio de coleta de sangue e análise do DNA, para identificar se há pré-mutação ou mutação completa. Como os sintomas da Síndrome do X Frágil são muito similares aos de outros quadros clínicos (como o Transtorno do Espectro do Autismo, por exemplo), são muito comuns erros de diagnóstico e diagnósticos inconclusivos.

O indivíduo afetado pela Síndrome do X Frágil apresenta algumas características físicas, como: orelhas proeminentes e/ou grandes e com implantação baixa; face alongada; palato alto; hiperextensibilidade de joelhos, mãos e punhos; mandíbula proeminente e má oclusão dentária; pés chatos; hipotonia muscular; estrabismo; perímetro cefálico aumentado; e alterações no aparelho cardiovascular. Na puberdade estas características ficam mais claras e marcantes e, ainda, aparecem outras como os testículos de tamanho maior que o normal.

Dentre as características comportamentais estão: deficiência intelectual; dificuldade motora; características semelhantes às do Autismo (como atraso na fala, dificuldade em interagir socialmente); otite de repetição e convulsões; déficit de atenção com ou sem hiperatividade; dificuldade de contato físico com outras pessoas; morder as mãos (a ponto de causar ferimentos); dificuldade de olhar para a pessoa com quem fala; repetição e confusões na fala; comportamento imitativo; medo de barulhos fortes (foguetes, trovões) na infância; ansiedade e transtornos obsessivos na fase escolar; sexualidade precoce; movimentos estereotipados; crises de pânico; humor instável; facilidade de captar informações visuais do ambiente (memória fotográfica).

Durante nossa prática clínica, sempre que desconfiamos da existência de uma síndrome genética além do Autismo, orientamos que a família busque um geneticista e faça os exames específicos o quanto antes. Não só porque o diagnóstico diferencial vai, obviamente, mudar os rumos da intervenção comportamental, mas, principalmente, devido a importância de, no caso de uma confirmação da Síndrome do X Frágil, a família toda ser orientada por um profissional especializado em genética sobre o risco de recorrência na família, afinal, as possibilidades de mais casos nas futuras gestações são grandes e, com orientação, seus membros podem optar por novas tecnologias de fertilização para ter filhos saudáveis.

Tal como o Autismo, a Síndrome do X Frágil não tem cura, mas o diagnóstico e o início do tratamento precoces podem atenuar alguns sintomas e melhorar muito a qualidade de vida da criança e de sua família. Parte do tratamento é medicamentoso, feito por neuropediatra e psiquiatra, voltado para sintomas como: convulsão, hiperatividade, falta de atenção, ansiedade, agressividade, manias ou toques, sintomas do autismo, etc. Outra parte do tratamento é comportamental, feito em sessões de fonoaudiologia; terapia ocupacional, psicopedagogia, musicoterapia, terapia comportamental (ABA), etc.

Muitas vezes a Síndrome do X Frágil e o Autismo ocorrem juntos, nestes casos, a Síndrome do X Frágil é considerada a causa do Autismo. Porém, tem casos em que não existe a comorbidade, existe só um dos dois transtornos, mas os sintomas são tão semelhantes que geram grande confusão durante o diagnóstico. A principal diferença é a causa que, na Síndrome do X Frágil é genética e possível de ser detectada em exames de sangue específicos. Já o Autismo ainda tem causa não identificada e multifatorial. Por isso, é fundamental que os exames genéticos sejam feitos em todos os casos de atrasos no desenvolvimento, mesmo sem características físicas, já que estas podem estar camufladas ou não tão marcantes na primeira infância.

Em relação às características, a Síndrome do X Frágil se diferencia do Autismo por gerar comprometimento intelectual em todos os casos. Nos casos de Autismo, quando existe um comprometimento intelectual associado, supõe-se a existência de uma comorbidade, já que a deficiência intelectual não é sintoma que compõe o quadro de TEA.

Os demais sintomas são bastante semelhantes nos dois diagnósticos: contato visual pobre; déficits sociais; linguagem atípica; e comportamentos repetitivos. Porém, há uma diferença funcional nestes sintomas em cada quadro, que gera mudanças nos procedimentos de intervenção comportamental.

O indivíduo com Síndrome do X Frágil é sensível ao outro, deseja e procura a interação social, mas a ansiedade característica do quadro atrapalha suas tentativas de interação. Por isso, o tratamento deve focar no treino em corresponder às expectativas sociais para sentir-se aceito. Isso é feito com apoio visual, utilizando as chamadas “Histórias Sociais”, que são livrinhos ou sequências de imagens que mostram o passo à passo de uma interação social ou de uma situação específica. Já o indivíduo com Autismo não percebe os benefícios da interação social, não se interessa pelo outro e, com isso, não procura esse tipo de interação. Portanto a intervenção comportamental para TEA deve incorporar o treino de tornar-se sensível aos benefícios das interações sociais, com técnicas de pareamento da interação social com reforçadores, tornando a interação social atrativa e benéfica para ele.

O mesmo acontece com a deficiência no contato visual. O indivíduo com Síndrome do X Frágil foge do contato visual em decorrência da ansiedade inerente ao quadro, mas tem grande percepção do que ocorre ao seu redor. Por isso, o treino explícito de contato visual é contraproducente no tratamento da Síndrome do X Frágil, o mais indicado é um ensino incidental, ou seja, em ambiente natural. Já os autistas não são sensíveis ao benefício do contato visual nas interações sociais. Não conseguem “ler” as informações provindas das trocas de olhares, por isso, é indicado o treino desta habilidade em tentativas discretas, isto é, na terapia ABA, para que a resposta seja aprendida e passe a ser naturalmente reforçadora.

Os comportamentos repetitivos também são observados em ambos os quadros. Sendo que na Síndrome do X Frágil as topografias mais comuns são o Hand-Flapping (balançar as mãos) e o enrijecimento do corpo, e estão associadas ao quadro de ansiedade e hiperestimulação. No Autismo, por sua vez, ocorrem topografias de estereotipias mais variadas e estas estão relacionadas à alteração sensorial típica do quadro. Neste caso, ambos os quadros precisam de uma intervenção de integração sensorial sistemática e aplicada em todos os contextos da vida da criança. Esta intervenção é conduzida, orientada e coordenada pelo terapeuta ocupacional.

As crianças com Síndrome do X Frágil comumente entram em estados de hiperestimulação sensorial, ou seja, o exagero de estímulos sensoriais (auditivos, visuais, táteis, etc.) presente no ambiente gera uma desorganização generalizada e a criança começa uma crise de irritabilidade, choro, gritos, agressão, etc. Nestes momentos, é fundamental diminuir a estimulação sensorial, levar a criança para um ambiente seguro (“safe place”) e proporcionar atividades sensoriais relaxantes e organizadoras (identificadas na avaliação sensorial feita pelo terapeuta ocupacional da equipe).

Salvo estas particularidades, a maior parte dos procedimentos de intervenção são muito semelhantes nos dois casos. Na Síndrome do X Frágil também é imprescindível o apoio visual em todas as intervenções, para dar previsibilidade e suporte para se preparar para mudanças. As atividades acadêmicas devem ser adaptadas para o nível de dificuldade da criança. Na inclusão escolar a ajuda dos pares é fundamental, mas nos casos mais graves deve-se buscar inclusão não apenas em sala de aula regular, mas principalmente em atividades extracurriculares.

Os indivíduos com Síndrome do X Frágil também precisam de esquemas de reforçamento mais artificiais no início da intervenção, sempre com o planejamento de transferência gradual do controle do comportamento para consequências mais naturais.

Como já dito várias vezes nesta coluna, apesar de ter alguns pilares teóricos e técnicos importantes e comuns em todos os casos, a intervenção comportamental com crianças com atrasos no desenvolvimento, independente do diagnóstico, deve sempre ser totalmente individualizada, ou seja, o analista do comportamento deve avaliar o repertório de cada criança e planejar uma intervenção para aquelas necessidades e dificuldades específicas.

Referências bibliográficas:

Braden, M. (2008). Antecipate, Plan, Prepare: Behavioral Supports for FXS. The National X Foundation Quarterly, v. 31, 10-11, 28.

Gillberg, C. (2005). Transtornos do espectro do autismo. Palestra feita no Auditório do InCor, em São Paulo, no dia 10 de outubro de 2005.

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Escrito por Juliana Fialho

Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo no ano de 2006. Mestre em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Dissertação defendida em maio de 2009). Trabalha como psicóloga na Gradual (Grupo de Intervenção Comportamental), onde lida principalmente com crianças e adolescentes com desenvolvimento atípico. Tem experiência em Análise do Comportamento Aplicada. Já desenvolveu pesquisas de Iniciação Científica, Conclusão de Curso e Mestrado nos seguintes temas: desenvolvimento atípico, avaliação de repertório inicial, intervenção comportamental, comunicação funcional e alternativa e variabilidade comportamental.

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