Autismo: A importância das pistas visuais

Temos visto claramente em nossa prática e muitos estudos (Finkel e Williams, 2001; Krantz e McClannahan, 1998; Shabani, Katz, Wilder e Beauchamp, 2002) comprovam que quanto mais concreta (com mais características físicas), estruturada e específica for o tipo de dica, melhor e mais rápido é o aprendizado de habilidades verbais, motoras e sociais de crianças diagnosticadas com TEA (Transtorno do Espectro do Autismo), se comparado com as dicas auditivas. Por isso, o uso de pistas visuais tem sido muito utilizado na intervenção comportamental com esta população e tem resultado em ganhos importantes. Neste artigo vou apresentar alguns dos usos mais comuns e mais eficazes das pistas visuais.

A primeira e mais conhecida utilidade das pistas visuais na intervenção com TEA é para a comunicação funcional, ou seja, crianças que apresentam atraso no desenvolvimento da linguagem e de outras formas de comunicação funcional podem se beneficar muito do treino de uma comunicação alternativa por troca de pistas visuais. Neste caso, a criança é ensinada a selecionar imagens em uma pasta com fotos impressas ou em um computador, smartphone ou tablet, para pedir, comentar, responder, perguntar, etc.

O instrumento mais comumente utilizado para isso é o PECS (Picture Exchange Communication System – Sistema de Comunicação por Troca de Figuras), que foi desenvolvido por Bondy e Frost (1994). O PECS utiliza figuras universais e enfatiza o ensino das habilidades de iniciar pedidos; responder à questão “O que você quer?”; e fazer comentários (Ex.: “Eu vejo uma bola”). A criança aprende a construir sentenças selecionando palavras e figuras (Ex.: “Eu quero + imagem do suco”) e entregando-as a um ouvinte. Assim, a criança aprende a função da comunicação, mesmo que ela não fale, ela aprende a se comunicar. Este mesmo procedimento também pode ser feito com fotos dos itens reais que a criança pode vir a pedir. Estas fotos podem ser impressas, plastificadas e coladas com velcro em uma pasta de comunicação; ou apresentadas em um dispositivo eletrônico (tablet ou smartphone).

Tanto os criadores do PECS como outros autores que o estudaram depois de sua criação, enfatizam que o objetivo do PECS não é substituir a fala, mas funcionar como dica e estímulo para o desenvolvimento da linguagem falada. Por isso, é fundamental que, durante o uso, o adultor dê o modelo vocal do que a criança está expressando pelas imagens, visando aumentar a chance de a criança começar a repetir este modelo.

Charlop-Christy, Carpenter, Loc Le, LeBlanc e Kellet (2002) buscaram avaliar a implementação do PECS em 3 crianças diagnosticadas com autismo. Os dados obtidos por estes autores mostraram: aumento de verbalizações espontâneas e imitativas após o treino do PECS para todos os participantes; melhora na inteligibilidade da fala; aumento do brincar cooperativo, atenção compartilhada e contato visual; e diminuição nos comportamentos inadequados. Estes mesmos resultados são frequentemente observados em nossa prática.

Outro uso comum e eficaz das pistas visuais é no treino da conversação e do relato de eventos passados. Utilizamos fotos de eventos da vida da criança (viagens, passeios, festas, etc.) como dica para ela contar o que aconteceu, responder perguntas e manter diálogos curtos. Também utilizamos imagens ou objetos de temas de interesse da criança como instrumento intermediário no treino da conversção. Estas pistas visuais podem ser coladas num caderno onde a criança também pode escrever ou desenhar o que mais gostou naquele passeio ou o que mais gosta naquele tema de interesse. Este caderno vai, então, ser usado como apoio visual para diálogos sobre estes assuntos na terapia, na escola com colegas e professores ou em casa com familiares.

A organização da rotina de uma criança com Autismo é fundamental para garantir maior colaboração nas atividades e controlar a ansiedade. Para isso, montamos um Quadro de Rotina Visual, ou seja, um quadro com fotos de todas as atividades do dia da criança. Este procedimento prepara a criança para o uso de calendários e agendas no futuro, além de dar previsibilidade da sequência de atividades, ou seja, saber o que vai acontecer, principalmente, o que mudou em sua rotina diminui a ansiedade e o estresse causado por mudanças repentinas de rotina. Este procedimento ajuda no desenvolvimento da noção temporal e facilita as negociações com os adultos, por exemplo, quando a criança resiste a uma atividade porque quer fazer outra coisa, o adulto mostra no Quadro de Rotina Visual que primeiro ela fará determinada atividade e, depois, será a hora de fazer o que ela quer. Crianças com desenvolvimento típico entendem bem esses combinados feitos só verbalmente, mas para crianças com autismo só a explicação verbal pode não ser suficiente, o apoio visual aumenta muito a compreensão.

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Quando a criança monta sua rotina com as fotos, pela manhã, junto com o adulto, ela sente maior poder de controle de sua rotina. Ela pode, por exemplo, usar as imagens do quadro para mostrar que quer fazer uma determinada atividade antes da outra e, se for possível esta troca o adulto deve permitir, para que a criança percebe que tem algum controle sobre sua vida. O Quadro de Rotina Visual também pode ser usado para ampliar verbalizações, ou seja, tanto durante a montagem da rotina, quanto no decorrer do dia, a cada atividade que for acontecendo, quanto no final do dia, o adulto deve etsimular que a criança fale sobre suas atividades: o que já fez, o que vai fazer agora e o que vem depois. Aquela típica e familiar conversa de “Como foi seu dia” pode ser facilitada com o apoio das imagens, que servem como dicas para a criança contar para o pai o que fez no dia.

Normalmente, começamos com uma quadro diário, mas este pode, depois, ser estendido para um quadro semanal e, enfim, para um calendário mensal, onde a criança poderá marcar com imagens que dia acontecerá um evento que ela quer muito, como uma viagem, um passeio, aniversários, datas comemorativas, etc. Assim, sempre que a criança se mostrar ansiosa por aquele evento, o adulto pode ajudá-la a contar e marcar no calendário quantos dias faltam para aquele evento. Isso concretiza a passagem do tempo, que é algo tão abstrato e difícil de compreender. Ver o tempo passando por meio da contagem e da marcação dos dias no calendário torna esta noção menos abstrata.

Com crianças em fase de alfabetização também colocamos palavras escritas embaixo de cada foto do Quadro de Rotina Visual e, depois, acrescentamos o horário de cada atividade. Assim, o quadro ganha novas funções, de treinar e generalizar habilidades acadêmicas.

Crianças com autismo apresentam atrasos e déficits importantes no desenvolvimento de habilidades sociais. As pistas visuais podem contribuir para estimular estas habilidades por meio de um procedimento denominado Social Story (História Social). O adulto deve produzir um livrinho curto, com uma imagem e uma frase por página mostrando uma situação de interação social que precisa ser treinada ou, então, um evento novo ou aversivo para a criança. Pode-se usar a Social Story para treinar, por exemplo, como iniciar interação com um colega, convidando-o para brincar ou oferecendo seu lanche. O livrinho aparesenta o passo à passo desta interação social. O terapeuta deve ler o livrinho com a criança diariamente e encenar a situação para ela treinar aquela habilidade.

Quando a criança vai vivenciar uma situação muito nova para ela, por exemplo, uma viagem, uma festa um paseio, esta situaçã pode ser antecipada em Social Stories, diminuindo, assim, o caráter assustador da novidade e treinando habilidades sociais adequadas a este contexto. Situações aversivas também podem ser antecipadas na Social Story, por exemplo, cortar o cabelo, uma consulta com o médico ou dentista, etc. Esta anteciação pode ajudar a controlar a ansiedade, diminuir o medo e melhorar o comportamento geral neste contexto.

            Os comportamentos inadequados também podem ser melhor controlados com apoio visual, além das instruções verbais. Uma criança com desenvolvimento típico é capaz de entender o que pode e o que não pode ser feito em um determinado contexto somente com esta epxlicação verbal. Mas uma criança com Autismo se beneficiaria muito do apoio visual durante estes cmbinados. Com imagens, pode-se mostrar a ela que primero ela deve terminar sua lição de casa e, depois, poderá jogar video game. Costumamos pedir que os pais e profissionais que lidam com crianças autisas coloquem pistas visuais de comandos básicos (Ex.: espere, sente-se, fale baixo, solte, etc.) em um chaveirinho para levar para todos os contextos. Um comando verbal acompanhando de uma pista visual é muito mais eficaz para crianças com autismo do que só o comando verbal.

O treino de autonomia nas Atividades de Vida Diária (banho, vestir-se, alimentar-se, escovar os dentes, usar o banheiro, etc.) e nas Atividades de Vida Prática (arrumar a mochila, preparar uma pequena refeição, colocar e tirar a mesa, etc.) também contam com o apoio das pistas visuais. Usamos sequências de imagens de cada etapa destas atividades para a criança olhar cada foto e executar a ação correspondente. No começo deste treino o adulto dá as instruções verbais e ajudas motoras necessárias também, mas esta ajuda do adulto vai sendo gradualmente retirada até que a criança faça só com apoio das imagens.

Referências Bibliográficas:

Bondy, A. S. & Frost, L. A. (1994). The picture exchange communication system training manual. Cherry Hill: Pyramid Educational Consultants.

Bondy, A. S. & Frost, L. A. (1994). The picture exchange communication system. Focus on autistic behavior, 9, 1-19.

Charlop-Christy, M. H., Carpenter, M., Le, L., LeBlanc, L. A. & Kellet, K. (2002). Using the Picture Exchange Communication System (PECS) with children with autism: Assessment of PECS acquisition, speech, social-communicative behavior, and problem behavior. Journal of Applied Behavior Analysis, 35 (3), 213-231.

Finkel, A. S., Williams, R. L. (2001). Comparison of textual and echoic prompts on the acquisition of intraverbal behavior in a six-year-old boy with autism. The Analysis of Verbal Behavior, 18, 61-70.

Krantz, P. J., & Mcclannahan, L. E. (1998). Social interaction skills for children with autism: A script-fading procedure for beginning readers. Journal of Applied Behavior Analysis, 31, 191-202.

Shabani, D. B., Katz, R. C., Wilder, D. A., Beauchamp, K., Taylor, C. R., & Fischer, K. J. (2002). Increasing social initiations in children with autism: Effects of a tactile prompt. Journal of Applied Behavior Analysis, 35, 79-83.

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Escrito por Juliana Fialho

Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo no ano de 2006. Mestre em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Dissertação defendida em maio de 2009). Trabalha como psicóloga na Gradual (Grupo de Intervenção Comportamental), onde lida principalmente com crianças e adolescentes com desenvolvimento atípico. Tem experiência em Análise do Comportamento Aplicada. Já desenvolveu pesquisas de Iniciação Científica, Conclusão de Curso e Mestrado nos seguintes temas: desenvolvimento atípico, avaliação de repertório inicial, intervenção comportamental, comunicação funcional e alternativa e variabilidade comportamental.

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