Os limites da autorevelação no setting clínico.

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A relação terapêutica é a base para estabelecer um ambiente propício a mudanças, no qual o cliente sinta-se à vontade para se expor. Para isso, várias habilidades do terapeuta devem ser desenvolvidas e utilizadas para a modelagem de comportamentos-alvo durante a sessão. Neste breve artigo será discutida uma dessas tantas habilidades terapêuticas: a autorevelação.

Criar um bom vínculo terapêutico é um dos principais objetivos a serem alcançados antes de qualquer manejo de intervenções. Além de exercer audiência não punitiva o terapeuta deve ser capaz de estabelecer uma relação de neutralidade diante dos relatos e particularidades de seus clientes, de modo a promover confiança e, com o tempo, intimidade na relação terapêutica. A construção desta intimidade, assim como os outros comportamentos emitidos durante a sessão, é um caminho de mão dupla em que cliente e terapeuta estão sensíveis aos seus comportamentos e vulneráveis a consequenciações punidoras e/ou reforçadoras (Vandenberghe & Pereira, 2005).

Quando o cliente consegue se expor e relatar sobre seus sentimentos e eventos, o terapeuta dispõe de dados e pode então analisar funcionalmente os padrões comportamentais e as variáveis de controle do comportamento de seu cliente. Desta forma, torna-se capaz de identificar padrões e eventos que na história do cliente foram passíveis de punição e que em algum grau podem ainda produzir aversividade.

Lidar com eventos aversivos pode ser uma situação difícil e embaraçosa, inclusive para o terapeuta. Geralmente, a depender do nível de aversividade, o cliente pode ter dificuldades de relatar sobre estes eventos e pode fugir quando o terapeuta tocar no devido assunto. Por isso se faz tão importante nestes momentos o terapeuta ser genuinamente empático e agir como audiência não punitiva, para criar uma relação de confiabilidade que aumente a probabilidade do cliente se expor cada vez mais e conseguir falar sobre assuntos pessoais e/ou difíceis. À medida que isso vai ocorrendo, dizemos que uma relação de intimidade é construída, pois o relato pessoal torna-se passível de vulnerabilidade a reforçamento ou punição.

Muitas podem ser as formas de facilitar e aumentar a probabilidade do cliente relatar sobre eventos aversivos. Uma delas é a autorevelação, que pode ser compreendida enquanto verbalizações do terapeuta que revelam eventos e experiências particulares.

Kohlenberg e Tsai (2001) mencionam que o terapeuta pode se sensibilizar ao sofrimento do cliente quando de alguma forma se identifica com o evento relatado e experienciado. Quando isso ocorre, o terapeuta pode empaticamente dizer que compreende pelo o que o cliente passou, pois já passou por algo parecido – e relatar as semelhanças entre os eventos. Os autores acreditam que quando o terapeuta é capaz de se expor desta forma, estreitam a relação terapêutica, a tornando então mais intima.

Vieira (2007) diz que a autorevelação pode ser utilizada para muitas funções: para dar modelo ao cliente, evocar outros comportamentos que julgue necessário naquele momento da terapia (CRB 2), para reforçar comportamentos clinicamente relevantes (CRB 3),  para exemplificar que sua experienciação também ocorre com outras pessoas e para empatizar com o sofrimento do cliente.

  • Mas quando o terapeuta deve ou pode emitir comportamentos de autorevelação?

Esta é uma questão muito delicada. Não são todos os clientes que reagem de maneira positiva quando o terapeuta resolve falar sobre si. Há clientes que podem se sentir de diversas formas negativas, como incomodados com a revelação de seu terapeuta, podendo até pensar que ele não será capaz de resolver suas demandas tendo passado por algo tão parecido; ou ainda incrédulos devido ao distanciamento de suas realidades (distanciamento sócio-cultural, de valores, credos e crenças, idade); ou principalmente quando o vínculo e a relação de intimidade ainda não estiverem bem estabelecidos na relação terapêutica, podendo soar como algo não genuíno.

De forma geral, pode-se notar algumas evidências que podem facilitar o sucesso na emissão da autorevelação pelo terapeuta:

  • Ter estabelecido um bom vínculo terapêutico com o seu cliente.
  • Avaliar, a partir de análise de contingências, que o cliente aceitaria de forma positiva um relato de autorevelação.
  • Emitir auto revelações autênticas e genuínas.
  • Principalmente, emitir um comportamento de autorevelação no momento em que o terapeuta avalie ter relevância e função terapêutica.

É importante ressaltar que, mesmo quando o terapeuta avalie que seria positivo para o cliente emitir autorevelação, não se exponha mais do que o necessário. O foco da relação terapêutica são as demandas do cliente e a autorevelação deve ser utilizada apenas como uma possível ferramenta para beneficiar e promover o vínculo terapêutico e o progresso do caso.

 

Referências Bibliográficas

Kohlenberg, R.J., e Tsai, M. (2001). Psicoterapia Analítica Funcional: O self, (trad. organizada por R. R. Kerbauy). Santo André: ESETec.

Vandenbergue, L., & Pereira, M. B. (2005). O Papel da intimidade na relação terapêutica: Uma revisão teórica à luz da análise do comportamento. Revista Psicologia, 7(1), 127-136

Vieira, M. F. J. A. (2007). Campo e função da auto-revela- ção do terapeuta no relacionamento terapêutica – A vivência do terapeuta. Dissertação de Mestrado em Psicologia não publicada, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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Escrito por Marina Dantas

Marina Dantas possui graduação em Psicologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo. Cursou o Aprimoramento em Acompanhamento Terapêutico e Atendimento Extraconsultório, e também o curso de Qualificação Avançada em Clínica Analítico-Comportamental pela Associação Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento. Atualmente, é aluna do Mestrado Profissional em Análise do Comportamento Aplicada, monitora do Curso de Aprimoramento em Acompanhamento Terapêutico e Atendimento Extraconsultório e Pesquisadora colaboradora da Associação Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento. Atua como terapeuta Analítico-Comportamental e Acompanhante Terapêutica.

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