Eu, realmente, não quero sentir isso

            “A ideia de abraçar a dor é tão incomum quanto viver sem respirar” (Luoma, Hayes & Walser, 2007, p. 27).

     É bem comum que clientes procurem profissionais da saúde mental para ajudá-los a não sofrer mais. Agimos tão literalmente conectados com as respostas relacionais derivadas arbitrariamente aplicáveis (veja mais sobre na coluna da Mônica Valentim, aqui mesmo do portal Comporte-se, clicando aqui), respostas estas metaforicamente chamadas de mente, que não diferenciamos os sofrimentos gerados pela luta por não sofrer dos sofrimentos gerados pelo evento doloroso em si. Como tudo parece a mesma coisa, o melhor é evitar tudo o que possa gerar sofrimento ou fazer de tudo para que ele não surja no decorrer da vida. Cabe lembrar que respostas relacionais derivadas referem-se à capacidade de relacionar estímulos em uma variedade de formas, embora nunca se tenha sido reforçado a relacionar esses estímulos nessas formas específicas. E, mais especificamente, as respostas relacionais derivadas arbitrariamente aplicáveis referem-se à capacidade de fazer relações usando propriedades arbitrárias dos estímulos, ou seja, que não podem ser captadas pelos sentidos.

     Em minhas experiências como professor universitário em psicologia, em uma das disciplinas que leciono, os alunos são convidados a questionar pessoas de outras áreas do conhecimento para saber o que faz um psicólogo(a). Dentre diversas respostas, sempre me chama a atenção as relacionadas à “ajudar no auto-conhecimento” e “ajudar a não sofrer”. Até ter meus primeiros contatos com a ACT, acreditava fielmente nisso: que devíamos ajudar pessoas a não sofrerem. Até que, em meu primeiro evento que participei de ACT, o ministrante questionou quem da plateia não sofre, não sente nenhuma experiência interna desconfortável e indesejada. Ninguém, incluindo eu, levantou a mão. Então me foi apresentado um aspecto interessante: se todos sentimos algum sofrimento, não seria isso uma vivência desconfortável, porém, natural? Começou a fazer sentido para mim uma outra forma de intervir: não no fenômeno em si (sofrimento), mas nas relações com o fenômeno, a fim de direcionar a vida do cliente ao que é valorizado por ele(a).

     Como o controle de experiências externas é tão comum para nós (e parece funcionar tão bem), buscar controlar as experiências internas, principalmente as aversivas, tende a ser uma alternativa atraente e possível de solução. Porém, infelizmente não é. Metaforicamente falando, não há outro lugar no mundo em que as emoções, lembranças e pensamentos possam estar que não em nós mesmos. Diferente da esquiva de experiências externas (tais como corrigir um relatório, correr de um assalto, tirar uma pedra que entrou no sapato), esquivar-se da experiência interna não se torna útil a médio e longo prazo, pois as respostas relacionais derivadas arbitrariamente definidas vão junto com você onde você for (para saber mais, leia sobre Teoria das Molduras Relacionais). Luoma, Hayes e Walser, em seu livro Learning ACT, apresentam que nós, seres humanos, tendemos a nos tornar fundidos com a literalidade da linguagem, fazendo com que, em muitas ocasiões, não discriminemos o mundo como é verbalmente conceituado do mundo que é diretamente experienciado. Isso leva a perda das contingências diretas do que se está vivendo. E é aí que mora o perigo.

2255781557_d7148597a7_z     A dor gerada pela fusão cognitiva é tão grande que a esquiva tende a ser o melhor remédio. Parece não haver nada a ser feito a não ser procurar outras formas mais efetivas para evitar o sofrimento provindo da luta por não sofrer. Só parece. Eu sei que pode ser estranho, mas… que tal ser gentil com essas experiências internas desagradáveis? Assumi-las como se fosse um presente inegável, educadamente convidá-las a viver junto com você? Que tal viver notando e sabendo que essas experiências estão presentes, mas que não farás nada para mudá-las? Parece estranho, né? Mas aí está uma alternativa que respeita as características da nossa linguagem, pois não estimula a esquiva experiencial.

     Gentileza. É a isso que me refiro. E ser gentil é uma ação, é um processo. É diferente de se resignar, de aceitar algo como “vou te aturar até achar uma forma de acabar contigo!”. É notar e assumir as experiências internas como fazendo parte da vida. Da sua vida. Sem julgamento. Precisa ser vivida como um comportamento/atitude e não um conceito. Assumir a habilidade de ser gentil com as próprias experiências internas.

     Porém, como disse a frase que abre esse artigo, propor isso é tão incomum e estranho que pode parecer impossível. Para reverter isso, a ACT lança mão de diversos exercícios para desenvolver a habilidade de focar no presente e ser gentil com o que acontece consigo mesmo.

     Provavelmente, isso é completamente diferente do que os clientes que citei no início procuram em uma terapia. Por isso, antes de propor a gentileza, é importante apresentar a eles o quanto suas estratégias/seus comportamentos não estão tendo a utilidade que os próprios clientes gostariam que tivessem. Podemos agir validando a experiência da inutilidade da luta do cliente contra seus próprios sofrimentos e de abrir-se, realmente, a possibilidades inteiramente novas de ação, baseadas em compaixão. A isso se dá o nome de desesperança criativa: validar a ação, mas mostrando que ela é mais do mesmo que já foi feito em outros momentos para evitar/esquivar o inevitável. É um “Sim, mas…”.

     É importante termos muito respeito por tudo o que os clientes já fizeram para tentar resolver seus problemas. Eles, realmente, fizeram o seu melhor. Eles, realmente, não querem sofrer e direcionam suas vidas a essa guerra. Porém, fundidos com a literalidade da linguagem, não conseguiam observar algo novo, diferente. Nosso objetivo torna-se não mudar a experiência vivida pelos clientes, mas a relação que eles têm com essas experiências nos mais diversos contextos, aceitando-as como elas são. E é sobre isso que falarei no próximo artigo. Veremos algumas formas de como diminuir a busca por lutar contra o sofrimento e a desenvolver gentileza. Não percam! Até lá.

Referências:

Luoma, J. B., Hayes, S. C., & Walser, R. D. (2007). Learning ACT: an acceptance and commitment therapy skills-training manual for therapists. Oakland: New Harbinger Publications.

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Escrito por Igor da Rosa Finger

Psicólogo (PUCRS). Doutor em Psicologia (PUCRS). Mestre em Psicologia, com ênfase em Psicologia Clínica (PUCRS). Colaborador do Grupo de Pesquisa Avaliação e Atendimento em Psicoterapia Cognitiva e Comportamental (PUCRS). Treinamento intensivo em Terapia Comportamental Dialética (Behavioral Tech/2016). Professor de disciplinas em diversos cursos de formação e especialização brasileiros. Diretor da Vincular. Membro da ACBS.

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