A vida de B.F. Skinner Parte II: A Universidade

Este é o segundo artigo de uma série que discute a vida de Burrhus Frederic Skinner. Quem é o homem por trás da teoria que inspira tantas pessoas até hoje? O objetivo desta série é reconstruir o caminho percorrido por Skinner, apontando aspectos de sua vida pessoal que determinaram seu comportamento e, consequentemente, o de muitos outros. Espera-se que esta narrativa possa não apenas cativar o leitor, mas também tornar natural e humano aquilo que mais nos fascina.

Em 1922, o jovem Burrhus Frederic Skinner (apelidado “Fred”) chegou com seus 18 anos de idade em Clinton, Nova Iorque, para cursar a Universidade de Hamilton. O ambiente social que o cercava era muito diferente do qual estava acostumado em Susquehanna. Sua turma no colegial era composta por apenas 8 alunos, enquanto os calouros de seu ano somavam 111. Isso significa que a dedicação que recebia dos professores era muito reduzida se comparada à atenção recebida de sua querida professora Mary Graves. Os alunos também não pareciam nutrir um carinho especial por seus professores, que recebiam apelidos pouco amistosos.

Entre as matérias obrigatórias que compunham sua grade curricular no primeiro ano estavam Inglês, Francês, Grego, Biologia, Comédia moderna, Álgebra, Trigonometria e Oratória. Esta última era especialmente temida por Skinner, que não era particularmente eloquente em seus discursos públicos. Apesar de seu interesse excepcional por estudos de uma maneira geral, suas notas foram medianas durante o primeiro ano. Skinner sentia que a grande maioria dos alunos não eram intelectualmente interessada em absolutamente nada, dizia que a maioria estava mais empenhado em acompanhar eventos esportivos e confraternizações.

Mas talvez o que tenha marcado mais Fred em sua entrada na universidade foi uma mudança significativa em contingências sociais. Agora as contingências de reforçamento haviam mudado e o repertório adquirido em sua cidade provinciana não lhe conferia um status social que o jovem almejava. Burrhus fez parte de uma fraternidade (Betta Kappa) que era pouco prestigiosa na época, o que implicava em um certo isolamento social. Com poucos amigos, Fred tentou fazer parte do grupo de Teatro e de tênis, sendo rejeitado por ambos. A única inserção social mais significativa do jovem Skinner no começo da universidade foi na Hamilton Glee Band, tocando saxofone. As adversidades sócias eram exacerbadas com os trotes universitários, que faziam os calouros serem frequentes alvos de chacotas e humilhação social.

Contudo, tudo piorou quando um grande infortúnio acometeu à família Skinner. Durante um recesso universitário, Fred foi visitar a família em Scranton. Enquanto seus pais estavam na missa, foi tomar sorvete com seu irmão mais novo, Ebbie. Ao retornar para casa, seu irmão disse necessitar ir ao banheiro. O irmão o esperou no carro e, após um tempo considerável, Ebbie saiu dizendo estar com uma dor de cabeça insuportável e que precisava se deitar. Ao se deitar pediu um médico urgentemente que veio em pouco tempo, mas ao chegar, Ebbie já estava inconsciente. Fred foi buscar os pais na Igreja e, ao voltar, encontrou a empregada chorando na varanda e lamentando “O Ebbie se foi! O Ebbie se foi!”. Apesar da causa da morte ter sido atribuída à indigestão, um outro médico, ao ter acesso ao exame de autópsia muitos anos depois, disse que a causa mais provável tenha sido uma hemorragia cerebral causada por uma fragilidade congênita dos vasos sanguíneos.

A tragédia teve impactos significativos na família. Agora filho único, os pais de Fred buscavam se aproximar do filho. William (o pai) por anos chorava toda vez que lembrava do filho falecido. Enquanto Grace (a mãe) passou a colecionar recortes de jornal sobre mortes e sequestro de crianças. Apesar de ter ficado triste, Skinner, vivenciou a morte do irmão com notável distanciamento emocional: “Eu tendo a encarar estas coisas como a morte sem qualquer emoção. Entretanto, penso ser uma pessoa emotiva. Quando algo acontece eu aceito.”[1]

O momento turbulento que Skinner vivia teve uma inesperada reviravolta. O convívio com a família do reitor Arthur Percy Saunders lhe deu um modelo de família que era muito distinto daquela em que cresceu. Além de reitor, Percy era professor de Química e era casado com a professora de literatura inglesa Louise Saunders. O casal tinha quatro filhos que se tornaram próximos de Fred, o acolhendo de maneira semelhante a Mary Graves. Entretanto, a família promovia uma efervescência intelectual em sua residência. Eram os anfitriões de recitais de música, clubes de literatura, astronomia e arte. Enquanto seus pais lutavam por aceitação social pela busca de sucesso financeiro, a família promovia pensamento crítico e cultivava um código ético liberal. Estes aspectos fascinaram o jovem Fred e o distanciaram, ainda mais, do modelo de vida valorizado pelos pais.

Foi neste período que Fred teve um romance que mais tarde foi descrito como não-correspondido. Cynthia Ann era uma jovem que frequentava a casa dos Saunders, era mais jovem que Fred e estava sendo preparada para ir a uma outra universidade. Fred se enamorou por Cynthia de uma maneira profunda, mas não sexual. Eventualmente, a ingenuidade sexual do jovem Skinner foi um fator decisivo para o término do relacionamento por parte de Cynthia (Skinner, 1976, p.218).

Apesar da desilusão romântica, Fred continuou a ampliar seu ambiente social e intelectual. Fez um grande amigo, John “Hutch”, com quem compartilhava momentos de descontração escrevendo em uma coluna irreverente do jornal da faculdade e em saídas para comer e beber. Junto com Hutch, Skinner pregou uma peça em centenas de pessoas na universidade. A ideia era caçoar com o professor de literatura, que sempre fazia questão de dizer que conhecia grandes autores e atores. Então, com ajuda de outro amigo que trabalhava em uma gráfica local, espalharam um cartaz anunciando a vinda de Charles Chaplin para uma palestra na universidade a convite do professor de literatura. Os administradores da faculdade, ao saber da fraude, chamaram a polícia para dispersar as centenas de pessoas que se aglomeravam perto do suposto local da palestra. Como o campo dos romances não ia bem, Hutch convidou Skinner para ir a um bordel para que o jovem tivesse, ao menos, alguma experiência sexual. O jovem Fred disse estar um pouco assustado e que esta sua primeira experiência foi surpreendentemente desinteressante. Apesar disso, retornou outras três vezes ao mesmo local.

Conforme Skinner avançava para o final da universidade, Skinner optou por estudar Literatura Inglesa, com o objetivo de se tornar escritor. Portanto, tinha muitas disciplinas como Literatura do século XVII e XVIII; Literatura Americana; Declamação; Discussão; Debate; Governo Americano; entre outras. A única matéria relacionada à carreira de Skinner como cientista foi Anatomia e Embriologia. O professor o recomendou que lesse as obras de Jacques Loeb Fisiologia do cérebro e psicologia comparativa (1912) e O organismo como um todo (1916). O contato com a literatura se tornou ainda mais forte quando fez um curso de verão em uma escola chamada Bread Loaf. Neste verão de 1925, teve a oportunidade de conhecer o poeta Robert Frost e conviver com jovens entusiastas de literatura.

Já no último ano da faculdade, Fred compartilhou seus planos de se tornar escritor com os pais, que receberam a notícia com muita desconfiança. Os pais não compartilhavam a crença de que a vida intelectual era mais importante que o sucesso financeiro e temiam que as duas coisas fossem incompatíveis: “Você vai descobrir que o mundo não está esperando você para estender a mão só porque você está saindo da faculdade” avisou William em uma carta ao filho.

Apesar da falta de apoio dos pais, Skinner encontrou uma forte confirmação de que seguiria a carreira como escritor. Quando estava no Bread Loaf, deixou um manuscrito com Robert Frost. Após um tempo, dois meses antes da formatura de Fred, o poeta respondeu que “você vale mais do que qualquer um que vi este ano na escrita em prosa”. Este foi um reforçador e tanto para um jovem aspirante a escritor.

Então, qual será a perspectiva de um recém-formado em Literatura Inglesa em 1926? Todos sabemos o final desta história, mas este jovem de 22 anos ainda nem suspeita que sua carreira tomará um curso totalmente novo. O próximo artigo apresentará o percurso de Fred em seus primeiros anos de formado.

 

Bibliografia consultada:

Bjork, D. W. (1997). BF Skinner: A life. American psychological association.

Loeb, J. (1900). Comparative physiology of the brain and comparative psychology (Vol. 8). GP Putman’s Sons.

Loeb, J. (1916). The organism as a whole: from a physicochemical viewpoint. Putnam’s Sons.

Skinner, B. F. (1976). Particulars of my life.

 

[1] Skinner apud Bjork (1997) em refrencia a uma entrevista concedida no dia 7 de Marco de 1990. Provavelmente Bjork se refere a esta entrevista: http://www.dailymotion.com/video/xc5k4p_interview-with-dr-b-f-skinner-short_tech (somente audio)

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Escrito por Cainã Gomes

Formado em Psicologia pela PUC-SP e especialista em Clínica Analítico-Comportamental. É pesquisador do Paradigma - Centro de Ciências do Comportamento, onde também atua como terapeuta. Tem experiência na área de Análise do Comportamento, com ênfase com Comportamento Governado por Regra e RFT (Relational Frame Theory). Foi coordenador da Comissão de História de Análise do Comportamento da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental (ABPMC) na gestão 2015-2016. Além disso, é mestrando do programa de Psicologia Experimental: Análise do Comportamento da PUC-SP com período sanduíche na Universidade de Gent, sob orientação do Prof. Dermot Barnes-Holmes. Está cursando o Intensive Training em DBT do Behavioral Tech, Linehan Institute.

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