Ainda dá tempo de um “FELIZ ANO NOVO!”

É provável que quando ler este texto, o assunto corrente já não seja mais o Réveillon, mas insisto em desejar um “Feliz Ano Novo” e afirmo que tais votos não estão tão atrasados quanto se possa imaginar. Na virada do ano tendemos a nos despedir do que se passou e fazer planos para o período que se iniciará. Contudo, estes planos muitas vezes só voltam a receber os holofotes exatamente um ano depois, quando é chegado o momento de resgatar a lista da gaveta e verificar o que foi concretizado.  Esquece-se que o ano é composto por 365 dias (de 24 horas cada) e as que metas são promovidas por meio de contínuas e progressivas mudanças.

As mudanças, sejam sutis ou evidentes, representam um grande paradoxo, se por um lado dimensionam uma condição inerente à vida, por outro são um desafio. Existem mudanças que são planejadas e mudanças que ocorrem independentemente do que programamos. Existem mudanças que consideramos benéficas e outras que nem tanto. Existem mudanças que nos fazem felizes e outras que estão associadas a sentimentos difíceis de lidar. Existem mudanças mais rápidas e algumas que demoram a acontecer.

Quando se diz que alguém mudou a sua maneira de agir, conjugando o verbo “mudar” no passado e sem nenhum adicional de como tal mudança ocorreu, desconsideram-se as contingências em vigor. Uma mudança comportamental é resultado da interação entre o indivíduo e o ambiente, portanto, diz respeito a um processo, o qual, por sua vez, é bastante complexo. Um espetáculo não é composto somente pela apresentação vista pela plateia. Muitas etapas fundamentais para sua execução ocorrem nos bastidores. Talvez esta, apesar de suas ressalvas, seja uma metáfora interessante para a mudança e o que há “por trás” dela.

Considerar os bastidores da mudança se faz relevante na medida em que instrumentaliza o indivíduo para caminhar aceitando as etapas que estão implicadas em cada passo. Primeiramente, seria um erro focar a mudança enquanto um resultado, medida por avanços e retrocessos. A mudança ocorre continuamente. Se um comportamento é reforçado, é provável que a classe de respostas selecionada seja emitida em um contexto semelhante. Contudo, uma resposta não ocorre duas vezes, o comportamento é sempre outro, controlado por estímulos que também não são os mesmos. Dessa forma, a preparação do cenário para se alcançar um objetivo não diz respeito a uma mudança única, ao longo da temporada, mudanças ocorrerão o tempo todo, sejam elas mais próximas do que se almeja ou não.

Outro ponto importante é justamente este, as mudanças desejadas não ocorrem de modo instantâneo e estável. Quando se está aprendendo a se comportar de uma maneira diferente, é provável que com maior ou menor frequência o comportamento que antes era emitido (e agora é alvo de mudança) ocorra, afinal, ele apresenta uma função estabelecida há certo tempo. Além disso, o processo é gradativo e se dá por meio de aproximações sucessivas da resposta esperada. Tal percurso não dispõe de um período específico para começar ou terminar, trata-se de um contínuo. Quando um cliente diz que retrocedeu, por exemplo, isso não quer dizer que o espetáculo tenha acabado, muito pelo contrário, sugere que ele está em movimento e exige mais ensaios, os quais requisitarão o rearranjo de condições do ambiente.

No que se refere ao ambiente, vale destacar a multideterminação do comportamento, sendo impossível a identificação de todas as variáveis que o controlam. Quando se afirma que a mudança ocorreu de repente, certamente desconhecem-se as variáveis que a produziram. Além disso, existem condições que não podem ser controladas diretamente, tais como aquelas que não dependem somente do comportamento do indivíduo ou mesmo fatores relacionados à ordem biológica.

Para a clareza destes aspectos, a análise funcional é uma ferramenta útil, capaz de guiar a aprendizagem de novos repertórios comportamentais. Mudar não significa partir do zero, há uma história de reforçamento a ser considerada, a qual possibilita a compreensão da aprendizagem dos comportamentos emitidos até o momento e justificam a necessidade de mudança de alguns comportamentos e manutenção de outros de acordo com o contexto presente.

Outro aspecto que está nos bastidores e que é o palco das mudanças é que os pensamentos, sentimentos e lembranças não são responsáveis pela ação. Não basta desejar mudar. Skinner destaca “os homens agem sobre o mundo, modificam-no e, por sua vez, são modificados pelas consequências de sua ação” (1957/1978, p.15). Querer ser mais magro, trocar o emprego, aproximar-se do parceiro ou parceira, lidar melhor com as frustrações, ser menos ansioso, entre tantas outras mudanças prometidas para 2015 não é suficiente se as contingências para a aquisição e manutenção de novos comportamentos não forem estabelecidas.

Para começar, é preciso colocar a listinha de planos em prática todos os dias, inclusive, para avaliá-la. É possível, que de acordo com o contexto, as próprias metas ao longo do caminho sejam reformuladas. Apropriando-me da receita de Carlos Drummond de Andrade “para ganhar um ano novo que mereça este nome, você, meu caro, tem de merecê-lo, tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente”.

Estreando “a mudança” já por este texto, desejo-lhe não somente um “Feliz Ano Novo” (tal como fiz no início do artigo), tendo em vista que os sentimentos de tristeza, raiva, vergonha, ansiedade certamente serão vivenciados e farão parte do processo de mudança. Desejo-lhe especialmente um “Ano Novo!” (e não apenas desejo, uma vez que o texto escrito por mim é um antecedente para a sua resposta de lê-lo, o que por sua vez pode relacionar-se à mudança de alguns de seus comportamentos, promovendo outras consequências. Eu me comportei, comporte-se também!).

Referências Bibliográficas

Skinner, B.F. (1957/1978). Comportamento Verbal. São Paulo: Cultrix/EDUSP. Publicação original de 1957.
Skinner, B. F. (1953/1998). Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes.
Andrade, C. D. Receita de ano novo. Disponível em: http://pensador.uol.com.br/carlos_drummond_ano_novo/ Acesso em 09 de Jan. de 2015

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Escrito por Roberta Seles da Costa

Graduada em Psicologia na Universidade Estadual de Londrina e Mestra em Análise do Comportamento pela mesma instituição. Com formação em ACT e FAP pelo Instituto Continuum de Londrina. Atualmente atende como psicóloga na Clínica Primed e faz parte do grupo "Iluminar - Análise do Comportamento e Psicoterapia" em Ponta Grossa. Também atua como professora do ensino superior.

Workshop de Terapia Familiar – IMPAC – Maringá/PR

Boteco Behaviorista #1 – Expectativas para o XXI Encontro da ABPMC