O comportamento do cientista

Paula Grandiwww.paulagrandi.com.br

O comportamento do homem é resultado da interação dos três níveis de variação e seleção: filogenético, ontogenético e cultural. Especialmente importantes são o condicionamento operante, que permite ao homem reagir a aspectos de um ambiente em constante mudança, e a cultura, que possibilita o aparecimento de respostas novas a partir do comportamento dos outros. Desta forma, em qualquer momento específico, o repertório de cada pessoa é o resultado da sua história passada de trocas com o ambiente mais as trocas que ocorrem em um dado momento.

Uma ciência do comportamento pressupõe que o comportamento (seja ele qual for) está submetido a leis universais. O comportamento do cientista não é diferente, e este também é resultado da interação dos três níveis de determinação. O cientista tem uma história de vida própria, o que ajuda a entender por que ele se comporta de uma determinada maneira e não de outra. Segundo Johnston e Pennypacker (1993) podemos compreender a ciência como o comportamento do cientista. Isto posto, o comportamento humano que constitui o trabalho científico cotidiano deve ser explicado como qualquer outro comportamento, e não como um comportamento especial.

O trabalho científico envolve a formulação de um problema de pesquisa (de uma pergunta), que não existe independentemente do pesquisador. É provável que um pesquisador diferente formulasse uma pergunta diferente sobre o mesmo tema, já que é impossível supor que dois pesquisadores tenham histórias de vida iguais e tenham cursado um mesmo percurso dentro de determinada área de estudo. Cada cientista tem mais familiaridade com uma literatura especifica, tem uma preferência por certos assuntos, tem uma maneira própria de perseguir as suas questões, tem uma determinada relação com o pesquisar. Assim, história profissional e pessoal se mesclam para determinar o comportamento do cientista. Não é incomum verificar que um pesquisador se interessa por determinado assunto e persegue questões que estão diretamente relacionadas à sua história e que, portanto, o afetam de alguma forma. A comunidade científica em que o pesquisador está inserido e a história do próprio pesquisador se refletem no seu problema de pesquisa.

Esta discussão nos possibilita atentar para as variáveis das quais o comportamento do cientista é função (que variáveis controlam o seu comportamento). Interessamo-nos por aquilo que nos é reforçador, e então dizemos que estamos fazendo o que gostamos, o que queremos fazer. Se o pesquisador estuda um assunto de interesse – que é naturalmente reforçador – e é bem sucedido em produzir respostas a sua pergunta – esta que seria a consequência reforçadora para o cientista – podemos supor que ele continuará a se comportar desta maneira. Da mesma forma, todas as respostas intermediárias, como os passos para a obtenção do controle das variáveis que ele pretende estudar, se tornarão também reforçadores condicionados. Se o comportamento do cientista está sob controle do seu objeto de estudo e sensível às alterações decorrentes de sua pesquisa, o resultado do seu comportamento serão pesquisas mais bem sucedidas. No entanto, se o seu comportamento está sob controle de outras variáveis estranhas ao objeto de estudo, pesquisas de menor qualidade serão produzidas.

Uma questão que pode então aparecer, é se seria possível supor que o pesquisador atua de forma neutra e estabelece questões livres de influencia. Considerar a ciência como um fazer humano retira do empreendimento cientifico o caráter de empreendimento neutro. A ciência também é produto de uma história. Na pesquisa cientifica o controle não é unidirecional, ou seja, o pesquisador controla e é controlado pelo seu objeto de estudo. A imagem ao lado representa bem esta via dupla de controle: o pesquisador emite respostas que controlam o comportamento do sujeito experimental, e o sujeito emite respostas que controlam o comportamento do pesquisador. Levar em conta em que momento uma determinada pesquisa foi realizada, por que pesquisador e sob quais circunstâncias, é essencial para compreender a pesquisa como um todo.

Compreendida como uma prática cultural, a ciência leva o indivíduo para além do que ele pode aprender em sua vida isoladamente. Ao dominar as leis da ciência, uma pessoa se torna capaz de comportar-se efetivamente sob as contingências de um mundo extraordinariamente complexo (Skinner, 1974). A importância do desenvolvimento da ciência é então indiscutível. Se prezamos pelo seu desenvolvimento, devemos então dar mais atenção ao comportamento do cientista. Tanto as soluções quanto os problemas da ciência podem ser compreendidos ao se entender o comportamento do próprio cientista.

REFERÊNCIAS

Johnston, J. M. & Pennypacker, h. S. (1993). Strategies and Tactics of Behavioral Research. Hillsdale, HJ: Lawrence Erlbaum. (2a Edição).

SKINNER, B.F. (1974). Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix, 1974.

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Escrito por Paula Grandi

Psicóloga pela PUC-SP, mestranda bolsista CNPq no Programa de Psicologia Experimental: Análise do Comportamento da PUC-SP, especializanda em clínica Analítico-Comportamental pelo Núcleo Paradigma. Possui Formação avançada em acompanhamento terapêutico e atendimento extra-consultório pelo Núcleo Paradigma e atuou como psicóloga residente em oncologia no Hospital São Paulo. Foi bolsista PIBIC-CEPE de iniciação científica na PUC-SP e participou da organização do EAC PUC-SP (2010-2011). Atuou como organizadora e professora do Curso de Verão de Psicologia Experimental: Análise do Comportamento da PUC-SP (2015-2016). É membro sócio da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental e atualmente trabalha como psicóloga clínica, acompanhante terapêutica e pesquisadora.

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