Protestos e protestos: Algumas considerações baseadas em Análise do Comportamento

Recentemente ficamos perplexos com todas as manifestações que experimentamos ao longo dos meses de junho e, principalmente, julho. Diversas frases de efeito foram apresentadas como “O gigante acordou!”; “Não é por R$ 20,00!”; “Fora Dilma!”; “Fora Fifa!” etc. Muitos, principalmente, os mais jovens e otimistas, ficaram animados com as possibilidades de mudanças em nosso lamentável status sociais em decorrência desses levantes populares. Talvez os mais velhos e mais céticos como eu, assumam uma postura mais cética acerca do alcance das manifestações populares, principalmente, após as manifestações do “Diretas já” e do “Fora Collor”.
A despeito disso, comportamentos que tinham uma frequência baixa entre os brasileiros, aparentemente, de forma súbita, começaram a serem emitidos em taxas realmente impressionantes. Estes começaram a ser emitidos pela classe média que, desde o início do plano real, parecia realmente adormecida no berço esplêndido da apatia. Afinal, é muito cômodo poder ter mais de um carro na família equipado com ar condicionado e direção hidráulica; ter vários televisores enormes de alta resolução; ou ter vários computadores de mesa, portáteis e em celulares.
O que fez, então, a classe média de um país em que o transporte público é precário se levantar por um aumento de R$ 0,20 no preço da passagem de um meio de transporte que raramente utiliza? Sim, é óbvio que não é por vinte centavos. Uma série de complexa de fatores, principalmente, relacionados ao terceiro nível de seleção, determinou essa alteração comportamental. Vou organizá-los em três tópicos: Controle aversivo e contra-controle; “Primavera Árabe” e Modelação; e Redes sociais, regras e metacontingências.

Controle aversivo e contra-controle

Vamos iniciar pelos vinte centavos então. Eu ouso dizer que os vinte centavos formam uma espécie de estímulo aversivo gota d’água para o início dos protestos de um grupo grande de pessoas, porém, pequeno frente às proporções a que foram atingidas posteriormente. A conjuntura estava repleta de estímulos aversivos de magnitude maior do que o aumento de vinte centavos nas passagens de ônibus. A saber, o retorno da inflação, que para muitos jovens não era um retorno, e sim, uma nova e desagradável experiência; diminuição na queda do desemprego decorrente do crescimento pífio da economia do país comparado aos demais emergentes; educação e saúde totalmente depauperadas, o que não é grande novidade, porém, a aversividade desses fatores todos se agravou muito em decorrência do próximo fator; gastos exorbitantes e o desperdício de dinheiro com as copas do mundo e das confederações e as olimpíadas. Os gastos com esses eventos esportivos extrapolaram em muito os valores investidos em saúde e educação em igual período; várias das obras tiveram problemas de superfaturamento; poucas mudanças puderam ser observadas na estrutura das cidades sede foram feitas, as mudanças estruturais ainda estão em fase de obras, enquanto os estádios já estão prontos; estádios que serão subutilizados em muitas cidades (chamados elefantes brancos); declarações infelizes de dirigentes da Fifa e do Comitê Organizador; esses são apenas alguns dos estímulos aversivos cujos brasileiros entraram em contato em decorrência do que foi chamado por alguns do “Sonho megalômeno do Lula”.
Frente a esse contexto, a aversividade de problemas na educação, saúde, transporte e moradia foram demais. Acho que a frase mais correta não seria “Não foi por R$0,20” e sim “Ainda por cima quer aumentar a passagem em R$ 0,20?”. Logo, o melhor conceito para descrever os protestos sobre influência de estimulação aversiva é o contra-controle. Que nada mais é do que emissão de um comportamento reforçado por retirar estímulos aversivos administrados por um agente controlador, no caso, os políticos nas esferas do executivo e do legislativo.
Primavera Árabe e Modelação
O segundo fator relevante para entender os protestos pode ser descrito com o conceito de aprendizagem por observação de modelos. Também chamada de modelação, a aprendizagem por observação de modelos nos ajuda a entender os protestos de duas maneiras. A primeira decorre do impacto que a chamada “primavera árabe” provocou em todo o mundo. Algumas ditaduras ruíram em decorrência de revoltas populares. Esse modelo de que levantes populares podem produzir uma mudança social como reforçador provavelmente aumentou a probabilidade e incidência de manifestações em todo o mundo. No Brasil, não poderia ser diferente. A outra maneira ocorreu no próprio Brasil. As primeiras manifestações em São Paulo, ainda que volumosas, não se comparam as que vieram depois. A despeito disso, conseguiram muita atenção da mídia. Novamente, nos deparamos com o efeito de um modelo sobre o comportamento dos indivíduos. Em várias cidades manifestações passaram a ocorrer, provavelmente em função da atenção e do impacto que as primeiras manifestações de São Paulo produziram.
Redes sociais, regras e metacontingências
Por fim, as possibilidades de comunicação geradas pelas redes sociais foram fundamentais para a organização dos movimentos. Antes dessa ferramenta, a mobilização era muito mais custosa e com um alcance muito menor. A mobilização dependia de forte atuação de entidades de classe, sindicados, associações de estudantes e partidos políticos. A divulgação era feita por meio de cartazes, reuniões, boca a boca, mensagens na TV e no Rádio. Formas de divulgação com menos alcance, mais caras e trabalhosas. As redes sociais permitiram um alcance maior, mais barato e possibilitou a desvinculação com organizações como as listadas acima. Muitas pessoas que se recusariam a participar de manifestações vinculadas a alguns partidos, ou à CUT e a CGT, sentiram-se confortáveis em protestar sem rótulos. Aqui, os conceitos de aprendizagem por observação e controle por regras são relevantes. Em termos bem simples, regras que visam à politização, o acesso aos estímulos aversivos descritos acima e a própria organização dos eventos chegaram facilmente às pessoas. Sem dúvida, tiveram um forte efeito sobre o seu comportamento. Para os adeptos do conceito de Metacongência, as redes sociais atuaram como um potente entrelaçador de contingências individuais.
Alguns poderiam considerar tal abordagem de fenômenos sociais como psicologização. A despeito disso, os conceitos comportamentais se mostraram úteis na descrição de parte do que tem ocorrido recentemente no Brasil. Alguns dos fatos ocorridos não foram abordados por questão de espaço, como os atos de vandalismo, por exemplo. Porém, poderiam ser satisfatoriamente discutidos à luz da Análise do Comportamento.

Obviamente, a pronta resposta do executivo e do legislativo, em ano pré-eleitoral, pode ser vista como uma fuga. Ou seja, o reforço é o fim das manifestações e a retirada da rejeição que elas podem provocar nas urnas no ano que vem. Como apontam as pesquisas de opinião pública, pelo menos para a Presidenta Dilma, o reforço não ocorreu, ou ocorreu com uma magnitude menor. Uma queda de 20% na aprovação de seu governo demonstra claramente o procedimento de extinção. Certamente, as ações dos políticos frente a mobilizações como essas podem ser chamadas demagógicas, e isso, historicamente, não é bom em longo prazo. Porém, parecem que medidas importantes estão sendo tomadas, o que pode representar na retirada de alguns estímulos aversivos discutidos acima. Se as pessoas foram massa de manobra ou não, se é demagogia ou não, talvez não seja o mais importante. Assumindo uma postura mais otimista, dois pontos positivos podem ser levados em consideração: 1º. O comportamento de protestar foi reforçado de alguma forma. Logo, tende a acontecer novamente caso os estímulos aversivos atinjam essa magnitude ou que as mudanças de fato não ocorram. Talvez essa possibilidade possa exercer controle sobre o comportamento dos políticos, que, esperamos, passem a se esquivar ao invés de fugir. 2º. As redes sociais se mostraram um elemento fundamental para que as pessoas tenham acessos às contingências aversivas às quais têm sido expostas. O que aumentaria a probabilidade de emissão de respostas de contra-controle como essas. Essa possibilidade é chamada por Skinner de liberdade. 
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Escrito por Portal Comporte-se

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