Afinal, o que é esse tal Comportamento Verbal?

Quem se interessa por estudar Behaviorismo Radical e Análise do Comportamento fatalmente se encontrará com um dos temas mais caros à nossa abordagem, o famoso comportamento verbal. Skinner, paralelamente ao seu interesse de pesquisa sobre os princípios do comportamento como um todo, também era graduado em Letras, e não por acaso também enveredou por esse campo. Sua obra prima sobre o assunto, de mesmo título do conceito, foi duramente criticada mesmo fora do meio psi, sendo conhecida a crítica publicada do lingüista Noam Chomsky – critica nunca respondida formalmente por Skinner e que para muitos ainda representa a pá de cal do cognitivismo sobre o behaviorismo radical, uma espécie de marco da chamada Revolução Cognitiva (Justi e Araújo, 2004).
Dentro do próprio campo do Behaviorismo Radical a obra é considerada difícil. Skinner passou anos escrevendo Comportamento Verbal em paralelo a seus outros escritos – o livro teve uma primeira versão em 1934, mas só foi publicado, enfim, em 1957, após várias revisões e cópias já terem circulado no meio acadêmico (Skinner, 1957) e outros livros serem escritos no mesmo período, como Ciência e Comportamento Humano.

O rosa-choque da discórdia. (O outro livro não tem relação alguma com ele, ok?)

A linguagem de Comportamento Verbal é truncada e, mais ainda, a tradução do livro para o português não é tida como das melhores – e o livro está esgotado atualmente, fazendo da tarefa de enfim aproximar-se dele e lê-lo um verdadeiro desafio. Além do mais, é uma obra essencialmente teórica. Skinner escreveu baseado em seus estudos do comportamento humano e aplicou princípios básicos que já observara em laboratório ao campo da chamada linguagem, mas estudos experimentais sobre o tema em si vieram apenas depois. Ainda hoje estamos destrinchando as possibilidades de investigação que o livro traz (Hubner, 2011). O próprio Skinner diz:

“A formulação será eminentemente prática e sugerirá aplicações tecnológicas imediatas. Apesar da ênfase não ser experimental nem estatística, o livro não é propriamente um livro teórico no sentido comum. Ele não recorre a entidades explicativas hipotéticas. O objetivo último é a previsão e o controle do comportamento verbal” (Skinner, 1957, p. 13).

Diante desse desafio todo, só nos resta meter a cara nos estudos e perguntar: afinal, que diabos é comportamento verbal? E não, a resposta não é tão simples como parece. Ou é?

“A categoria ‘comportamento verbal’ é nebulosa, sua definição é pobre em seus limites. A nebulosidade não é um problema, pois sublinha a similaridade entre comportamento verbal e outros comportamentos operantes. Mesmo que parte do nosso comportamento seja claramente não-verbal, e parte possa ser ou não verbal, o conceito de comportamento verbal inclui muito do que fazemos” (Baum, 2006, p. 141).

Descomplicando (ou tentando)…

Comportamento verbal não é apenas linguagem

A noção que vem primeiro à cabeça ao pensar em comportamento verbal é a de que seria talvez mais ou menos o mesmo que linguagem, ou talvez, comunicação. No entanto, esses dois conceitos já existiam e tinham significativo corpo teórico, mas para Skinner não haveria nada a se dizer de novo voltando às explicações circulares. Ele teceu críticas à noção de linguagem, e demonstra por que ela não é a mais adequada para explicar o comportamento verbal.
“A linguagem tem um caráter de coisa, algo que a pessoa adquire e possui. Os psicólogos falam em ‘aquisição de linguagem’ por parte da criança. As palavras e as sentenças que compõem uma língua são chamadas instrumentos usados para expressar significados, pensamentos, idéias, proposições, emoções, necessidades, desejos e muitas outras coisas que estão na mente do falante. Uma concepção muito mais produtiva é a de que o comportamento verbal é comportamento” (Skinner, 1974, p. 79).

O comportamento verbal, como operante que é, é definido então em função do contexto em que ocorre e das suas conseqüências. Dizer que comportamento verbal é “uso de linguagem” apenas não nos diz nada sobre relações funcionais. A mesma coisa acontece com o conceito de “comunicação”: dizer que alguém “emite” uma mensagem que depois é decodificada por alguém que “recebe” não ajuda. Isso que é comunicado, onde está? E a linguagem que é usada, onde são guardadas as suas ferramentas? Por isso o caráter mentalista da idéia, que padece então dos mesmos problemas que Skinner apontou na rejeição ao mentalismo no Behaviorismo Radical.

Comportamento verbal não é apenas fala

O comportamento verbal compreende mais do que o vocal. Por dois motivos principais: primeiro: comportamento vocal apenas pode não ser verbal. Estamos em Dia das Crianças, então nada melhor que um vídeo fofo de criança pra explicar. Veja abaixo:
Vai que alguém traduz e descobre que eles revelaram o sentido da vida?

Os dois bebezinhos estão envolvidos numa conversa animada, pelo jeito. Mais ainda, parecem estar “se comunicando”, já que emitem balbucios parecidos, riem e fazem gestos um para o outro. A princípio, alguém poderia dizer: “mas eles não estão usando palavras, então não é comportamento verbal”. Não é bem por aí. Nosso comportamento verbal não necessariamente é composto topograficamente por palavras, como é o caso da linguagem de sinais e mesmo dos gestos, que, em alguns casos, podem ser considerados comportamento verbal (Baum, 2006). 
Ok, mas parece que eles estão se entendendo, usando até “palavras” parecidas. E aí? Pra descomplicar, entra um mediador importante: a cultura. O comportamento verbal é modelado por membros de uma cultura e o ponto-chave na questão vai ser o comportamento do ouvinte no episódio verbal – como ele provê consequências para o falante? Se este tiver sido preparado de forma especial para reagir ao falante pela cultura, então pode-se falar em comportamento verbal (Sério e Andery, 2010).
No caso dos bebezinhos o que parece ocorrer é um momento ainda preliminar ao comportamento verbal. Não existe uma cultura que viva da língua do “dadadada”, e mesmo que existisse não é o caso da cultura deles (que fala inglês). Portanto, eles podem até estar consequenciando a fala um do outro, mas tal comportamento precisará ser modelado para falar com outros – e aí vão entrar pais, o resto da família, a escola e tudo o mais. 

E os animais não-humanos que aprendem a falar?

Uma coisa que sempre dá um nó na ideia clássica de que “a linguagem é um dom humano” são os animais que aprendem a falar, seja por características próprias da espécie (como os papagaios) ou como parte de experimentos (um caso famoso é o do chimpanzé Nim Chimpsky, que aprendeu 125 sinais da língua americana para surdos e formava pequenas frases com eles). E então, eles se comportam verbalmente?
Se formos levar em conta aspectos específicos, nenhum desses casos vai falar do mesmo comportamento verbal que se fala em humanos. Os papagaios, por exemplo, aprendem por imitação dos sons da fala humana, mas não estabelecem uma cultura com os mesmos signos ou palavras entre indivíduos da sua espécie. O mesmo ocorre com os chimpanzés e outros participantes de experimentos como o que citei. Mas, interpretando a grosso modo o que define o comportamento verbal, animais que fazem sinais ou emitem vocalizações uns para os outros e são reforçados por isso de alguma forma podem estar se comportando verbalmente – incluindo aí a “fala” dos golfinhos, por exemplo.

“Tais indefinições são fruto do fato de que comportamento verbal é comportamento, e todas as espécies se comportam, tendo elementos comuns nisso. Podemos até ter um tipo especial de comportamento verbal, mas a proximidade deste com o comportamento aprendido por outras espécies só reitera o fato de que, pensando evolutivamente, “os seres humanos são apenas uma espécie entre muitas […], e não se acham separados dos ‘animais’ por uma barreira insuperável. A ênfase da análise do comportamento se afasta de distinções baseadas no fato de se pertencer a esta ou aquela espécie, e se volta para distinções baseadas nas relações entre comportamento e ambiente […]” (Baum, 2006, p. 144).

Então, qual a importância de se definir o comportamento verbal?

Vendo que o comportamento verbal afinal não é algo assim tão diferente do comportamento em si como se pode pensar a princípio, fica a pergunta – por que, então, estudar especificamente este tópico?
Skinner aponta, já nas primeiras páginas do Comportamento Verbal, que este é mais um comportamento operante e que portanto pode e deve ser estudado com base no que já é conhecido sobre este. No entanto, o comportamento verbal tem características que merecem ser cuidadosamente estudadas – afeta o ambiente de forma indireta, não necessariamente mecânica (posso pedir a alguém um copo de água, sem ter de ir pegar eu mesma, por exemplo), ao afetar outros indivíduos da nossa espécie e mesmo a nós mesmos de forma especial (e aí temos o pensamento, a transmissão de conhecimentos, regras e valores de uma cultura, enfim, um mundão de coisas). Assim, fica difícil não entender a importância do estudo do comportamento verbal, e, mais ainda, a legitimidade do esforço do Skinner e dos que vieram depois dele ao colocar o comportamento verbal no campo da psicologia (Sério e Andery, 2010).

A definição se torna importante não por si – não é o caso de criar novos conceitos de forma indiscriminada ou colocar a linguagem num outro patamar, destacado e especial, como o Skinner viveu relembrando –, mas sim se acercar de um campo vastíssimo ainda a ser explorado e melhor compreendido.

Referências

Baum, W. M. (2006). Comportamento verbal e linguagem. In: ____ Compreender o behaviorismo: comportamento, cultura e evolução. Porto Alegre: Artmed, pp. 135-163.

Hubner, M. M. (2011). Meio século do livro Verbal Behavior de B.F. Skinner: contribuições à compreensão da criatividade e genialidade humana. Comunicação oral apresentada na Jornada de Análise do Comportamento de Salvador.

Justi, F. R. dos R. & Araújo, S. de F. (2004). Uma avaliação das críticas de Chomsky ao Verbal Behavior à luz das réplicas behavioristas. Psicologia: Teoria e Pesquisa, vol. 20, nº 3, pp. 267-274.

Sério, T. M. de A. P. & Andery, M. A. (2010). Comportamento verbal. In: Sério, T. M. et al. Controle de estímulos e comportamento operante: uma (nova) introdução. São Paulo: Educ, pp. 129-151.

Skinner, B. F. (1957). Comportamento verbal. São Paulo: Cultrix.

Skinner, B. F. (1974). O comportamento verbal. In: _____ Sobre o behaviorismo. São Paulo: Cultrix, pp. 79-89.
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Escrito por Aline Couto

Tem 22 anos e reside em Salvador, BA. Formada em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Durante o curso, aproximou-se da Análise do Comportamento, da Psicologia Cognitivo-Comportamental e da Neuropsicologia. Participou de grupos de pesquisa sobre Neuropsicologia Clínica e Cognitiva e Análise do Comportamento e Cibercultura na sua faculdade, além de grupos de estudo sobre Behaviorismo Radical.

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