[Entrevista Exclusiva Prof. Dr. Almir Del Prette – XXI Encontro da ABPMC] – Habilidades e Competências sociais, Assertividade, Intervenção em Grupo e Desenvolvimento Interpessoal

Entrevista concedida ao Comporte-se: Psicologia Científica pelo Prof. Dr. Almir Del Prette, durante o XXI Encontro Brasileiro de Psicologia e Medicina Comportamental (XXI ABPMC). O evento foi promovido pela Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental ocorrido, entre os dias 15 e 18 de Agosto de 2012. O Prof. Almir é Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq- Nível 1B e trabalha no Departamento de Graduação em Psicologia, bem como no Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos. 





 

1. Gostaria de começar pedindo que falasse um pouco sobre como surgiu seu interesse pelo estudo das Habilidades e Competências Sociais. 
Esse interesse indiretamente se relaciona com meu entusiasmo inicial com a assertividade, descoberta na graduação. Naquela época, logo após o golpe militar, questões relativas aos direitos interpessoais eram o máximo que se podia discutir publicamente, sem o risco de alguém te denunciar a um agente ligado à repressão. Por outro lado, o Treinamento Assertivo que eu realizava ia além dos objetivos teoricamente incluídos nessa proposta e, na maioria das vezes, funcionava como um espaço de digressão filosófica/vivencial. Foi então que, no mestrado, já na década de 80, eu e Zilda adotamos a designação de Treinamento Comportamental para os nossos programas. Alguns anos depois, chegamos ao campo das habilidades sociais, entrando em contato com os estudos de Argyle e outros. 
2. Qual a relevância das áreas de habilidades e competências sociais, assertividade, intervenção em grupo e desenvolvimento interpessoal para a formação Analista do Comportamento, e para sua prática profissional tanto na clínica quanto na Educação? 
Essa é uma pergunta muito instigante. Ultimamente temos pensado nessas questões, mas isso não significa que temos respostas que fecham ou encerram a discussão. Nós entendemos, já há algum tempo, a assertividade como uma subárea das habilidades sociais. Adicionalmente, entendemos competência social como um conceito avaliativo. Em diversas universidades, na tarefa de supervisionar estágios, incluíamos na preparação dos alunos um Treinamento de Habilidades Sociais, em grupo, inicialmente não com essa denominação. Esses programas auxiliavam o aluno na aprendizagem da análise funcional e no manejo de procedimentos da prática do Analista do Comportamento. Claro que não estou dizendo que isso dispensava leituras e exercícios didáticos, mas essa experiência, por ser direta e com bom nível de complexidade, exige automonitoriazação do próprio desempenho. Fazíamos os programas em grupo, coisa que não era comum na Análise do Comportamento naquela época. Independente de se analisar sempre o comportamento do participante em relação a algum outro participante, as demandas de variabilidade são maiores e mais amplamente disponibilizadas no grupo. Nesse sentido, eu acho que a formação do Psicólogo em geral, e do Analista do Comportamento em particular, teria muito a ganhar com uma maior experiência do aluno ou do profissional com o campo teórico prático das Habilidades Sociais. Estivemos recentemente em Sevilha, para uma Jornada de Seminários em Habilidades Sociais e ficamos surpresos com alguns trabalhos de análise da grade curricular de diversos cursos, que incluíam disciplinas de Habilidades Sociais. Aqui no Brasil, isso já acontece em alguns Cursos de Psicologia, mas não em Cursos de Enfermagem, Direito, Fisioterapia e outros de áreas humanas. Aproveito para lhe contar que, na área das exatas, na USP em São Carlos, duas de nossas doutorandas, já há dois anos, realizam Treinamento de Habilidades Sociais com alunos em final da formação, selecionados para estágios em empresas. Essa atividade vem sendo muito bem avaliada e resultou na criação de uma disciplina optativa sobre habilidades sociais. Esperamos que essa disciplina se mantenha na oferta dos cursos. 
3. Na opinião do senhor, desde que começou a pesquisar as áreas acima mencionadas até agora, quais foram algumas das principais mudanças sofridas tanto na conceitualização quanto na prática profissional, no geral e na sua experiência em particular? 
Olha Maria Ester, raramente alguém me chama de senhor, ainda que todo ano eu fique mais velho. Sua questão é muito oportuna, então vamos a ela. Recentemente, em um estudo de Francisco Gil, da Universidade de Madrid, fiquei sabendo que vem sendo estudadas as habilidades sociais na comunicação via internet. Isso acrescenta um novo objeto. Ainda nessa linha, há também estudos sobre habilidades presentes nas relações internacionais. Quanto à parte conceitual, entendo como mais relevante, a contribuição de Peter Trower (Toward a Generative model for social skills: A critique and synthesis) um capítulo do handbook: Social Skills Training. Anterior a isso, e mais especificamente, eu coloco como muito importante a inclusão da assertividade e empatia como subclasses das habilidades sociais e, ainda, nosso conceito de automonitoria, dada a sua importância para um desempenho socialmente competente. Na minha prática profissional o uso do conceito de automonitoria tem sido bastante relevante. Há ainda um ponto importante que não poderia deixar de mencionar: trata-se das dimensões instrumental e ética, associadas aos critérios de competência social. Sempre fizemos questão de enfatizar esses critérios mas que só mais recentemente destacamos de forma explícita essas dimensões (em um artigo publicado pela Revista Perspectivas em Análise do Comportamento) que fazem muita diferença quando se pensa na relevância social dos programas de THS.

 

4. De seu ponto de vista, o que seria necessário estudar com mais afinco, hoje, na sua área de pesquisa e atuação? 
Entendo que vários itens são relevantes para o desenvolvimento da área no Brasil e na América do Sul. Entre eles, penso que os mais importantes são: (a) mais estudos sobre a questão da generalização da aprendizagem ocorrida nos Programas de Treinamento em Habilidades Sociais, para o ambiente da clientela, tanto em termos de planejamento dessa generalização como de sua avaliação sistemática; (b) uso de delineamentos experimentais que produza indicadores robustos da efetividade dos programas de Treinamento em Habilidades Sociais e permitam metanálises hoje amplamente requeridas para incluí-los entre as práticas psicológicas baseadas em evidência; (c) esforços na difusão desse campo de conhecimento à sociedade em geral, como defendeu a Sheila G. Murta em nosso último livro, editado em 2011: Habilidades sociais: intervenções efetivas em grupo. Entendo que esses três aspectos são básicos tanto para a prática e sua difusão na sociedade, como também para o desenvolvimento conceitual, pois exigem uma leitura mais atenta e crítica da produção da área. 
5. A Terceira Onda de Terapia Comportamental, caracterizada principalmente pela Terapia de Aceitação e Compromisso e pela Psicoterapia Analítico-Funcional, é mencionada por muitos como representando avanços em relação ao Behaviorismo Radical de Skinner. Outros têm opiniões mais críticas a respeito. O que pensa a respeito do fenômeno? 
Entendo esse fenômeno como um acontecimento esperado e, certamente, essas duas abordagens não encerram o processo em futuro não muito distante. Já na década de 60, quando Arthur Staats buscava uma maior aplicação da Análise do Comportamento e seus princípios aos fatos sociais amplos, ou mesmo em questões relacionadas a uma teoria da personalidade, havia aqueles que se mostravam relutantes. Portanto, não é de se estranhar que essas abordagens sejam vistas com reservas por alguns. Penso que três fatores poderão atuar, em conjunto e/ou separadamente, influenciando a sobrevivência e desenvolvimento de abordagens novas e entre elas a ACT e a FAP. Poderíamos até dizer que esses fatores seriam critérios para avaliar as novas abordagens. O primeiro desses fatores tem relação com as práticas psicológicas baseadas em evidências e é um resultado possível do processo de seleção pelas conseqüências: quanto essas abordagens se mostrarão efetivas e aplicáveis na prática do psicólogo? O segundo relaciona-se com a simplicidade e parcimônia teórica, principalmente, no uso de procedimentos terapêuticos. Dá para imaginar o segundo e o primeiro fator atuando juntos? Uma beleza! Já o terceiro fator é a disponibilização de processo repetitivo em suas linhas gerais que pode ou não estar associado aos dois fatores citados. O processo repetitivo é a base que se espera encontrar nos protocolos ou manuais, mas que evidentemente por si só não garante o sucesso da intervenção. 
6. O senhor poderia indicar alguma bibliografia básica para aqueles que têm interesse em iniciarem seus estudos sobre as habilidades e competências sócias, numa visão analítico-comportamental? 
Tenho muita satisfação em indicar algumas referências para aqueles que visitam o seu Blog e têm interesse de estudar o campo das Habilidades Sociais, na perspectiva da Análise do Comportamento. Em geral nossos livros contemplam as diferentes abordagens, o que é uma característica da área do THS e, assim também a Análise do Comportamento. Mas existem alguns textos, publicados no Brasil, que priorizam a perspectiva analítico-comportamental. Seleciono abaixo alguns aspectos, que podem ser vistos como complementares, mas que não esgotam as possibilidades de análise:
Bolsoni-Silva, A. T. (2002). Habilidades sociais: breve análise da teoria e da prática à luz da análise do comportamento. Interação em Psicologia, 6(2), 233-247; 
Bolsoni-Silva, A. T. & Carrara, K. (2010). Habilidades Sociais e Análise do Comportamento: Compatibilidade e dissensões conceituais-metodológicas. Psicologia em Revista (Online), 16(2), 330-350. 
Carrara, K., Silva, A. T. B., Verdu, A. C. M. A. (2009). Metacontingências, THS e estratégias de inclusão: Dimensões e instrumentos compatíveis com o tema transversal da ética? In: R. C. Wielenska. (Org.), Sobre comportamento e cognição: Desafios, soluções e questionamentos (pp. 45-55). Santo André: ESETec. 
Del Prette, A. & Del Prette, Z. A. P. (2005). A importância das tarefas de casa como procedimento para a generalização e validação do treinamento de habilidades sociais. In: J. H. Guilhardi, & N. C. Aguirre (Orgs.). Primeiros passos em Análise do Comportamento e Cognição (pp. 67-74). Santo André: ESETec. 
Del Prette, A & Del Prette, Z. A. P. (2010). Programa vivencial de habilidades sociais: Características sob a perspectiva da análise do comportamento. In M. R. Garcia, P. R. Abreu, E. N. P. Cillo, P. B. Faleiros, & P. Piazzon (Orgs.). Sobre comportamento e cognição: Terapia Comportamental Cognitiva (pp127-139). Santo André: ESETec. 
Del Prette, Z. A. P. & Del Prette, A. (2010). Habilidades Sociais e Análise de Comportamento: Proximidade histórica e atualidades. Perspectivas em Análise do Comportamento, 1(2), 104-115; 
Gresham, F. M. (2009). Análise do Comportamento aplicada às habilidades sociais. In Z. Del Prette, & A. Del Prette (Orgs.), Psicologia das habilidades sociais: Diversidade teórica e suas implicações (pp. 18-66). Petrópolis: Vozes.
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Escrito por Maria Ester Rodrigues

Maria Ester Rodrigues é Doutora em Educação: Psicologia da Educação (2005) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PED PUC SP (PPG Conceito 5 CAPES), sob a orientação da Profa. Dra. Melania Moroz. Concluiu o Mestrado em Educação: Psicologia da Educação, no mesmo programa, sob a mesma orientação, em 2000. Concluiu Especialização Lato Sensu em Psicologia Clínica na Universidade Federal do Paraná em 1996 e graduou-se em Psicologia pela mesma Universidade em 1990. É Professora Adjunta Nível D na Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Campus Cascavel. Tem experiência na área de Educação e Psicologia, com ênfase em Psicologia da Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: formação de professores,contribuições da análise do comportamento à educação, Ensino de Psicologia da Educação. É pesquisador do Laboratório e Grupo de Pesquisas: “Educação e Sociedade” - GEDUS-CCH/UNIOESTE, coordenando a linha de pesquisa intitulada “Contribuições da Psicologia à Educação e Formação Docente”. Também é pesquisadora do grupo "Bases Psicológicas da Educação" - PPG-PED PUC/SP, atuando na linha de pequisa "Contribuições do Behaviorismo Radical à Educação". Autora do livro: Mitos e Discordâncias: Relatos de ex-analistas do comportamento. São Paulo: ESETec, 2011 e outros.

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