Desvendando a Neuropsicologia (parte III): “Vendo” e “Crendo”

Erica Vila Real Montefusco, Psicóloga pela Universidade Federal do Ceará (2009), Pós-Graduada em Neuropsicologia pela Faculdade Christus (2011) – Fortaleza, CE
Paulo Estêvão da Silva Jales, Psicólogo pela Universidade Federal do Ceará (2011) – Fortaleza, CE




Prezados leitores, continuando nosso passeio pela neurociência, detalharemos neste post alguns estudos neuroanatômicos. Tal aprendizado nos permitirá compreender melhor algumas patologias e a relação entre eventos ambientais e alterações no Sistema Nervoso Central. Antes de entramos na anatomia discutiremos, primeiramente, a relevância desse conhecimento para a compreensão dos fenômenos comportamentais humanos. 
Uma questão de evidência 


Uma questão central da qual a filosofia (e a ciência, por tributo) se ocupa é: “como é possível ter certeza sobre algo? Seria este mundo verdadeiramente real e existente ou tudo seria apenas uma grande ilusão?” Desde os antigos gregos até aos modernos cientistas a questão é debatida com proposições diversas e apaixonados argumentos. 

Na contemporaneidade, a ciência posicionou-se (em sua maior parte) pela construção do conhecimento através da “evidência científica”. Essa evidência nada mais é do que a observação de um fenômeno ou da regularidade entre fenômenos, encontrando a sua máxima no empirismo. 

Tomemos a Análise do Comportamento como exemplo: a evidência do reforçamento é o aumento na taxa da resposta eleita para observação; a evidência da punição é a queda dessa mesma taxa de resposta; a evidência de extinção é o aumento imediato da taxa com consequente queda e retorno à linha de base. A Taxa de Respostas é, em geral, a evidência da existência do Comportamento (relação organismo-ambiente)

Na medicina, os séculos de registro sobre a anatomia e fisiologia (humana e animal) permitiram estabelecer um conhecimento sólido das relações intra-organismo (de partes do organismo com outras partes), mas existia ainda uma dificuldade de relacionar os eventos ambientais com os eventos em partes do organismo; havia poucas evidências dessa relação. 

Com o advento do imageamento cerebral foi possível correlacionar os eventos ambientais com mudanças em certas partes do organismo, especialmente o encéfalo. Era possível agora observar uma mudança na “Taxa de Respostas” de porções do organismo dada uma mudança ambiental. Surge um novo tipo de evidência, a qual chamaremos aqui de evidência sub-comportamental em comparaçãocontraponto à evidência comportamental. (Nota 1).

Podemos perceber a importância da evidência anatomofisiológica (ou sub-comportamental) para a Neurociência e, em consequência, a necessidade de conhecermos, em detalhes, as características e funcionamento do Sistema Nervoso Central. 

Anatomia do Sistema Nervoso Central 

O sistema nervoso é responsável pelo controle das funções orgânicas e realiza também a integração do organismo ao meio ambiente. O máximo desenvolvimento do sistema nervoso é alcançado na espécie humana, particularmente com o desenvolvimento do lobo frontal (Dangelo e Fattini, 2004). 

Ainda de acordo com os autores “O Sistema nervoso central é uma porção de recepção de estímulos, de comando e desencadeadora de respostas. A porção periférica está constituída pelas vias que conduzem os estímulos ao Sistema nervoso central ou que levam ate órgãos efetuadores as ordens emanadas da porção central” (Dangelo e Fattini, 2004, p. 52). 

Para melhor compreendermos a anatomia do sistema nervoso, adotaremos inicialmente o critério de divisão em critérios anatômicos, com base em Machado, 2005: 


Fonte: Machado, Ângelo B.M. Neuroanatomia Funcional, 2005, p. 11. 

De acordo com a figura acima, observamos que o sistema nervoso divide-se em: central e periférico. Iniciemos com a explanação acerca do sistema nervoso central, que doravante abreviaremos para SNC. 

O SNC é composto por: encéfalo e medula espinhal. Há que se tomar cuidado, logo de inicio, para não confundir o encéfalo com o cérebro, erro que algumas pessoas cometem. O encéfalo é composto por cérebro, cerebelo e tronco encefálico. Observemos a figura abaixo: 

Fonte: Machado, Ângelo B.M. Neuroanatomia Funcional, 2005, p. 12) 

O encéfalo e medula espinhal são envolvidos pelas meninges, que são lâminas de tecido conjuntivo. De fora para dentro, são denominadas: dura-máter (mais espessa), aracnóide-máter e pia-máter (mais fina, ligada diretamente ao encéfalo e à medula espinhal) (Dangelo e Fatinni , 2004). 

Muitos certamente já ouviram falar a respeito da meningite, que corresponde a uma inflamação das meninges, e que é causada principalmente por bactérias ou vírus. Dentre os principais sintomas da doença, podemos destacar: febre alta, de inicio abrupto, cefaléia, náuseas, vômitos, rigidez nucal e manchas vermelhas na pele. (http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/area.cfm?id_area=1563).







A camada mais externa do cérebro é denominada córtex cerebral. Sua espessura varia de 2 a 6 mm. Em animais mais desenvolvidos, o córtex se enrola e se dobra, formando sulcos, os quais delimitam giros cerebrais, e permitem uma maior amplitude da área ocupada pelo córtex (Guerra, 2008). 

“O córtex cerebral produz e regula atividades mentais como sensação, percepção, planejamento de estratégias de comportamento e motricidade, linguagem, raciocinio lógico-matematico, atenção,raciocínio abstrato, julgamento crítico, emoçes e memória” (Guerra, 2008, p. 46). 


O cérebro pode ser dividido em telencéfalo e diencéfalo. O telencéfalo é a maior região do cérebro dos mamíferos. A porção telencefálica corresponde aos dois hemisférios cerebrais, direito e esquerdo, que são unidos um conjunto de prolongamentos de neurônios, denominado corpo caloso. 

Há que se ressaltar também que, na espécie humana, as diferentes partes do córtex cerebral são divididas em quatro áreas ou lobos, tendo cada uma delas funções diferenciadas e especializadas. Os lobos cerebrais são designados de acordo com os nomes dos ossos cranianos que os recobrem: frontal, parietal, occipital e temporal. 


Lobo Frontal 

O lobo frontal desempenha importante papel na atividade motora. A parte situada à frente do lobo frontal, denominada córtex pré-frontal, participa juntamente com outras estruturas para o que denominado nas neurociências de funcionamento executivo, que se refere ao grupo de funções que capacitam o indivíduo a executar com sucesso um comportamento adaptativo, independente e dirigido a um fim (Lezak, 2004). Deste modo, o lobo frontal participa de atividades neuropsicológicas responsáveis por planejar, iniciar, sequenciar, monitorar e cessar o comportamento (DSM-IV, APA, 1994). 

No lobo frontal situa-se a Área de Broca, fundamental para a produção da escrita e da fala. Lesões destrutivas nessa região resultam na perda da capacidade da expressão da linguagem (afasia expressiva ou motora) (Snell, 2011). 

Lobo Parietal 

Desempenha importante papel na percepção do tato, da dor e da posição dos membros. Indivíduos que sofrem lesões no lobo parietal superior tornam-se incapazes avaliar texturas, tamanhos e formatos. Essa perda da integração dos impulsos sensitivos é denominada agnosia (Snell, 2011). 

Lobo Occipital 

Possui função predominantemente associada sensação e percepção visual, e no processamento das informações visuais para outros centros cerebrais. 

Lobos Temporais 

Os lobos temporais participam de diferentes atividades, tais como processamento de estímulos auditivos, integração de estímulos sensoriais e linguagem . Também participam dos processos de memória e aprendizagem. Lesões no hipocampo, estrutura em forma de cavalo marinho localizado no lobo temporal, podem causar incapacidade permanente para aprender novas informações (Milner, 1953). 

A área de Wernicke, centro cortical impotante para o reconhecimento da palavra e compreensão, localiza-se no giro temporal superior. Lesões destrutivas restritas à área da fala de Wernicke no hemisfério dominante produzem perda da capacidade de compreender a palavra falada e escrita (afasia receptiva) (Snell, 2011). 

Notas

Nota 1: Com relação aos termos evidência comportamental e evidência sub-comportamental esclarecemos que tais palavras estão sendo utilizadas despreocupadamente e com o único objetivo de fazer uma comparação entre os dois tipos de fenômenos. Neste contexto, agrademos ao professor Bruno da Costa Cepp, da Universidade Federal do Ceará, pela contribuição na discussão e elaboração desse tópico. 

Referências 

DANGELO, J.G.; FATTINI, C. A. Anatomia humana básica. 2ed. São Paulo: Atheneu, 2002. 

MACHADO, Ângelo B.M. Neuroanatomia funcional. 2. ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 2005. 

SNELL, Richard S. Neuroanatomia Clínica / Richard S. Snell; traduzido por Marcelo Moacyr de Vasconcelos – Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. 


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Escrito por Erica e Paulo

Erica: Psicóloga pela Universidade Federal do Ceará. Professora do curso de Psicologia da Fanor - Fortaleza - CE. Atua na área clinica, onde atende adultos e idosos. Possui especialização em neuropsicologia pela Faculdade Christus e cursa mestrado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará.

Paulo: Psicólogo pela Universidade Federal do Ceará. Possui formação em análise do comportamento pelo Cemp - Fortaleza - Ceará. Possui experiência em psicologia clinica (adultos). Colaborador do LEAC (Laboratório de estudos em analise do comportamento) - UFC.

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