Pesquisadores das expressões faciais e analistas do comportamento: o diálogo entre eles é possível?

Estudos sobre as expressões faciais podem ser facilmente encontrados na literatura científica. No entanto, praticamente inexistem trabalhos que as relacionem à Análise do Comportamento. Logo, surge a seguinte dúvida: se o ato de se expressar por meio da face é um tipo de comportamento, por que aparentemente não há diálogo entre pesquisadores da expressão facial e cientistas do comportamento? O presente texto objetiva tentar encontrar uma solução para esta dúvida e propor uma primeira aproximação entre as áreas.

O Zeitgeist Behaviorista e o Estudo das Expressões Faciais
A resposta a esta pergunta pode ter um caráter histórico. Os primeiros estudos sobre expressões faciais remontam ao trabalho do neurofisiologista francês Duchenne, que já no século XIX investigava o movimento dos músculos da face em resposta a estimulação elétrica. Este trabalho (Duchenne, 1862/1990), por sua vez, influenciou fortemente o pensamento de Charles Darwin acerca da universalidade das expressões faciais, como pode ser observado na obra “The Expression of the Emotion in Man and Animals” (1872/1998). Após Darwin, o estudo das expressões faciais recebeu pouca atenção por parte da psicologia e o tema foi deixado de lado até a década de 1960, quando, conforme dito na matéria anterior, os trabalhos de Tomkins, Izard e Ekman atraíram novamente os holofotes para a área.
  
Erika Rosenberg, uma renomada pesquisadora no campo das expressões faciais e da emoção, aponta o vigor e a aceitação do behaviorismo frente à comunidade científica norte-americana da época como um dos principais fatores responsáveis pela diminuição do interesse pelo tema. Segundo ela, “O Zeitgeist behaviorista e sua rejeição evidente do estudo dos ‘inobserváveis’, tais como as emoções, certamente contribuiu para a escassez de pesquisas sobre expressões faciais durante várias décadas.”¹ (Rosenberg, 2005, p.11). 
A afirmação acima não pode ser tomada como verdadeira sem que antes seja feita a ressalva de que o behaviorismo a qual ela se refere é o Behaviorismo de Watson – que, via de regra, só confere caráter científico àquilo que pode ser acessado por observação consensual. De qualquer forma, a citação é bastante representativa, pois revela o motivo da não aproximação entre os estudiosos da expressão facial e os behavioristas. Certamente o conflito girava em torno do estudo da emoção, e não propriamente da expressão facial. 
O tempo passou, o behaviorismo evoluiu e ganhou uma nova face: a de Skinner. O Behaviorismo Radical adotou uma linha diferente da concepção de Watson e outros behavioristas, porque incluiu as emoções, sentimentos ou pensamentos (eventos privados) na análise científica (Tourinho, 1987). Normalmente, os críticos desavisados da obra de Skinner reproduzem os mesmos julgamentos que ele próprio fez, há mais quatro décadas, ao modelo de Watson (Moreira & Medeiros, 2007). A posição skinneriana apresenta divergências fundamentais em relação aos primeiros pontos de vista comportamentais, o que leva a uma visão totalmente diferente do objeto de estudo. O fato do ponto de vista de Skinner ter aparecido sob o rótulo de behaviorismo foi um “acidente da história” (Chiesa, 1994/2006). 
Tudo leva a crer que tal acidente – a extensão errônea das características dos behaviorismos anteriores ao behaviorismo radical – pode ter sido um dos fatores responsáveis pela falta de diálogo e de interação entre os pesquisadores das expressões faciais e os analistas do comportamento contemporâneos, que já haviam demarcado o limite de seus terrítórios. 



Considerações finais 
Expressar-se através da face é uma forma de se comportar. Determinadas configurações faciais, que normalmente receberam o nome de emoções, nada mais são do que classes de respostas nomeadas por uma comunidade verbal. Tanto os cientistas das expressões faciais, quanto os analistas do comportamento analisam seu objeto de estudo em relação a topografia e a função em determinado contexto. Não é preciso ir muito além para concluir que o estudo do COMPORTAMENTO FACIAL como um todo pode se beneficiar sobremaneira se estes dois grupos de cientistas, que normalmente trabalham de forma independente, unirem esforços em prol de um objetivo comum. 
¹Tradução do autor: “The Zeitgeist of behaviorism and its blatant rejection of the study of “unobservables” such as emotion certainly contributed to the dearth of research on facial expressions for several decades.” (Rosenberg, 2005, p.11). 
Referências
Chiesa, M. (2006). Behaviorismo radical: A filosofia e a ciência. Brasília: Celeiro. 
Darwin, C. (1998). The expression of the emotions in man and animals (3rd ed.). New York: Oxford University Press. 
Duchenne, G. (1990). The mechanism of human facial expression. New York: Cambridge University Press. 
Moreira, M. B., & Medeiros, C. A. (2007). Princípios básicos de análise do comportamento. Porto Alegre: Artmed. 
Rosenberg, E. L. (2005). The study of spontaneous facial expression in psychology. In: P. Ekman, & E. L. Rosenberg, What the face reveals: Basic and applied studies of spontaneous expression using the facial action coding system (FACS) (pp. 3-18). New York: Oxford University Press. 
Tourinho, E. Z. (1987). Sobre o surgimento do behaviorismo radical de Skinner. Psicologia , 13 (3), 1-11.
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Escrito por Vinícius F. Borges

Psicólogo, graduado pela Universidade Federal de Uberlândia (MG). Atualmente, é aluno-pesquisador do programa de Mestrado em Análise do Comportamento da Universidade Estadual de Londrina (PR), onde desenvolve pesquisas sobre o comportamento facial humano. Trabalha paralelamente com tratamento e prevenção psicológica (abordagem analítico-comportamental) e realiza processos de treinamento e seleção profissional sob demanda.

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