“Mas outra vez flores ?” Uma breve análise sobre contingências nos relacionamentos amorosos

Antes de qualquer coisa, gostaria que os leitores do Blog assistissem esse vídeo da turma do Chaves (clique aqui)
O episódio mostra uma situação em que o Kiko deixa o Prof. Girafales e D. Florinda em saia justa. O que o personagem Kiko fez foi demonstrar uma relação contingencial que estava sendo mantida por reforçamento mutuo.
A situação é que o Professor presenteia a Dona Florinda com rosas vermelhas e Dona Florinda responde lhe oferecendo café. No vídeo não fica claro, porém, todos que acompanham os episódios de Chaves (se você tem mais de 20 anos, é provável que já tenha visto todos os episódios. E com certeza, mais de uma vez) conhecem a relação do casal e sabem que o Prof. sempre chega à vila com rosas vermelhas e a D. Florinda sempre o convida para entrar e tomar um café.
Se pensarmos pelo lado da Dona Florinda, o comportamento de oferecer café é consequenciado por mais flores e mais visitas do professor, portanto, podemos dizer que as flores são reforçadores condicionados ao comportamento de oferecer café e abrir sua casa. É uma relação de reforço, pois o comportamento de um reforça o do outro e vice versa. O grande problema (se é que podemos chamar de problema) é que quando existe um padrão de comportamento único que reforça e também é reforçado, pode não haver variabilidade comportamental e com isso ter acesso a novos reforçadores. Dona Florinda foi condicionada a oferecer café e namorar com o Prof. Girafales toda vez que recebia flores e o professor foi condicionado a levar flores e com isso ganhar café e namorar com a D. Florinda.
Comportamento do Prof. Girafales
Estimulo Discriminativo
Resposta
Consequência
Olhar de apaixonada de D. Florinda quando se encontram na Vila.
Entregar flores
(vim apenas entregar um humilde presentinho)
Café e namoro com D. Florinda (R+)
(Você não quer entrar para tomar uma xícara de café?)
O consequente de entregar as flores acompanhadas do verbal, “só vim te trazer um humilde presentinho” tem como efeito o acesso a reforçadores primários (portanto poderosos) como comida e para os mais maliciosos, sexo.
Por outro lado, vamos fazer uma pequena análise funcional de 3 termos do comportamento da D. Florinda.
Estimulo Discriminativo
Resposta
Consequência
Olhar apaixonado do prof. Girafales assim que chega a Vila com Flores na mão para entregar a D. Florinda.
Recebe as flores e com isso o convida para entrar em sua casa para namorar e tomar um café.
(Mas não gostaria de entrar e tomar uma xícara de café?)
O professor aceita e lá vão os dois para dentro de casa para namorar e tomar um café.
Café e Namoro com D. Florinda (R+)
Todos os episódios do programa mostram o mesmo processo onde a chegada do professor a Vila com flores na mão elicia mesma resposta de D. Florinda, sendo consequenciado sempre da mesma forma e o comportamento de D. Florinda também é o mesmo frente à chegada do professor a Vila sempre consequenciando a presença e as flores com café.
O personagem Kiko prestando atenção a esse esquema de reforçamento, faz uma observação muito interessante quando o professor chega à vida e oferece as flores a D. Florinda, perguntando “mas outra vez flores?”.
Ao dizer isso, o personagem Kiko está criticando a topografia da resposta, sem se preocupar com a função que ela possui. Como alternativa Kiko sugere novas formas do Professor presentear sua mãe, como dar um chocolate, um relógio de ouro ou um carro de ultimo tipo. Claramente envergonhada, D. Florinda responde dizendo que o Kiko só está brincando e tenta retomar o mesmo padrão de comportamento que gera reforçadores importantes e faz o uso do conhecido bordão “Não quer entrar para tomar uma xicara de café”?
Kiko mais uma vez critica dizendo “outra vez café”? E encerra brilhantemente a critica dizendo, “ah, é por isso que ele só te trás flores”. O personagem Kiko mostrou claramente a contingencia em vigor no relacionamento da mãe com o professor e que incomodado com a topografia da resposta, sugere de forma bastante não assertiva (e hilária) que é importante à variabilidade para que novos reforçadores sejam produzidos e que a relação não caia na rotina que destrói muitos namoros e casamentos por ai.
O professor tenta variar o comportamento dizendo que não trouxe apenas as flores e D. Florinda também tenta variar dizendo que pode oferecer um chá ao invés do café. Porém, tanto o Professor quanto D. Florinda dizem que não querem a variabilidade naquele momento, e isso fica claro quando um diz “mas eu gosto de café” e o outro diz “ e eu gosto de flores”.
O mais interessante é que no fim do vídeo quando o professor diz que na verdade tem outra coisa além das flores, a D. Florinda faz uma expressão de surpresa, quase uma expressão de desaprovação, infelizmente o vídeo termina sem mostrar qual era a outra surpresa que o prof. Iria apresentar. Mas o importante é entender como a relação de reforçamento mutuo se deu por parte do casal e por que certos padrões de comportamento continuam sendo emitidos por toda a história do programa Chaves.
Fonte: Skinner, Burrhus Frederic – Ciência e Comportamento Humano – 11° Edição 2003
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Escrito por Marcelo Souza

Psicólogo especialista em Análise do Comportamento pela Universidade de São Paulo / HU-USP. Pesquisador do Centro para o Autismo e Inclusão Social da Universidade de São Paulo IP-USP. Psicólogo estagiário do Programa de Pós Graduação Stricto Sensu (nivel mestrado) do Instituto de Psicologia Experimental da Universidade de São Paulo / IP-USP. Monitor da Prof. Dra. Martha Hubner no curso de especialização em Terapia Comportamental da Universidade de São Paulo / HU-USP. Psicólogo do Programa de Orientação ao Aluno da Universidade Presbiteriana Mackenzie - SP. Professor convidado do curso de Fundamentos da Terapia Comportamental Clinica do InPA-EAD, ministrando as disciplinas " Análise Funcional do comportamento e Conceitos Básicos da Análise do Comportamento".

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