Analisando desenhos animados 1: Bob Esponja Calça Quadrada

Autora: Natalie Brito

 
A análise de desenhos animados pode ser uma ótima ferramenta na condução do processo terapêutico com crianças. O episódio de desenho que a criança gosta (ou seja, que já tem função reforçadora) pode ser utilizado pelo terapeuta como modelo para resolução de problemas, ocasião para que o terapeuta observe alguns comportamentos relevantes da criança ou ocasião para que o terapeuta e a criança discutam ou fantasiem sobre aspectos dos personagens. Um exemplo de desenho animado, bastante visto por crianças, que pode ser usado para esses fins é o Bob Esponja.

O desenho animado Bob Esponja Calça Quadrada (SpongeBob SquarePants) foi criado por Stephen Hillemburg, em 1999. É veiculado em vários países e foi apontado, numa pesquisa feita em Recife em 2010, como o desenho mais visto por meninas e o segundo mais visto por meninos (OLIVEIRA; ANDRADE, 2010).

O desenho retrata as peripécias do personagem principal, Bob Esponja, uma esponja amarela que fala, trabalha fazendo hambúrgueres de siri numa lanchonete, mora dentro de um abacaxi no fundo do mar e vive aventuras cotidianas. Outros personagens relevantes são Patrick, uma estrela-do-mar, conhecida por sua inocência e ignorância; Sandy, um esquilo fêmea que vive no fundo do mar e usa uma espécie de capacete de ar; Seu Siriguejo, um caranguejo dono do restaurante onde o Bob Esponja trabalha, conhecido por sua avareza; e Lula Molusco, conhecido por ser “chato” e implicar com a felicidade abobalhada de Bob Esponja e Patrick.

Alguns estudiosos de animação e de educação falam do “fenômeno Bob Esponja” e ressaltam seu sucesso. Uma das razões apontadas para esse sucesso é o humor sem sentido do desenho e seus acontecimentos improváveis, como o fato de o Bob Esponja precisar tomar banho no fundo do mar. Outra razão seria a ingenuidade dos personagens principais, que são, por vezes, comparados ao Gordo e o Magro (MEDEIROS, 2010; MOTA, S/D).

Assisti a vários episódios de Bob Esponja para realizar uma pesquisa sobre modelos de solução e resolução de problemas em desenhos animados, a qual apresentei ano passado em um congresso, e pude chegar a algumas conclusões sobre o desenho (BRITO e ARARIPE, 2011):

1. Os problemas que aparecem para os personagens são passíveis de ocorrer no cotidiano de quaisquer crianças: insônia, culpa, estar diante uma situação nova, inconveniência, não saber escrever, ser criticado. Tais problemas aparecem como situações aversivas prováveis de ocorrer no cotidiano da criança e podem servir de modelo para discutirmos como se dá a resolução dada pelos personagens a eles. Por exemplo: há um episódio, intitulado “delongas”, que mostra o Bob Esponja “enrolando” o dia todo para se esquivar de fazer uma redação. Ele limpa a casa toda, bota comida para seu bichinho de estimação, dorme… só não faz a redação. E perde o dia inteiro nesse processo. Podemos mostrar esse episódio como ocasião para as crianças que frequentemente procrastinam suas atividades escolares.

2 Frequentemente o desenho mostra a quebra de regras sociais. A questão do uso do dinheiro aparece bastante, principalmente ligada ao personagem Siriguejo. Ele chega a “vender sua alma”, no episódio intitulado “o dinheiro fala”. Em vários episódios ele aceita subornos de clientes. Já Bob Esponja mostra sempre um padrão de comportamento desapegado em relação ao dinheiro. Tais comportamentos podem ser discutidos com a criança, enfatizando os princípios morais. Ressaltando que comportamento moral, para Gomide (2011), é caracterizado pelo ensinamento de virtudes e reflexões sobre os comportamentos de risco aos filhos.

3. O desenho também passa muitos valores sociais ocidentais (práticas culturais selecionadas nas sociedades). Podemos observar a valorização da amizade (em quase todos os episódios Bob Esponja ressalta o valor da amizade com o Patrick), o apego aos animais (o Bob Esponja tem um animal de estimação e cuida muito bem dele, o Gary), etc.

4. O desenho também explora bastante os sentimentos dos personagens. O Plâncton (personagem que quer roubar a fórmula secreta do hambúrguer de siri) demonstra inveja do Seu Siriguejo. O Bob Esponja demonstra culpa quando não consegue agradar alguém, dentre outros sentimentos. . Nesse ponto, podemos discutir com a criança como o personagem se sente, oferecendo ocasiões para que ela discrimine os seus sentimentos e as contingências que os envolvem.

Existem outras conclusões e outros pontos relevantes a serem explorados no desenho, mas não posso deixar de comentar uma controvérsia que existe sobre o mesmo: a questão da sexualidade dos personagens. Em nenhum episódio que assisti, Bob esponja emite comportamentos relacionados a sua sexualidade ou que mostrem teor sexual. No entanto, em um episódio que assisti o Siriguejo afirma que o Bob Esponja está “tirando a sexualidade do seu restaurante”, pois está enfeitando todo o restaurante com plumas cor-de-rosa e flores. Interessante ver que algumas práticas culturais produtoras de estereótipos sobre a sexualidade chegam até um episódio de desenho animado. Um episódio como esse é uma excelente ocasião para se discutir com as crianças essa questão cultural. O fato de Bob Esponja estar enfeitando o restaurante com plumas cor-de-rosa diz que ele é menino ou menina?

Enfim, gostaria de finalizar esse texto com uma pequena regra para o educador refletir: discuta sobre os desenhos animados com suas crianças! Além da classificação indicativa, acredito que “discutir sobre” é a melhor forma de exercer controle sobre os comportamentos de reflexão, resolução de problemas e inúmeros outros. E para os psicoterapeutas infantis de plantão: assistam aos desenhos e, a partir daí terão condições de incrementar a sua intervenção, planejada e voltada para objetivos individuais. Precisando de sugestão sobre modelos de comportamentos em desenhos animados, estamos aqui!

Referências:

BRITO, A. T. S; ARARIPE, N. B. A. Soluções e resoluções de problemas em desenhos animados: Análises Funcionais e reflexões a partir da animação Bob Esponja Calça Quadrada. Anais do 34º encontro da ANPED. Natal, RN, 2011. Disp. em: http://www.anped.org.br/app/webroot/34reuniao/images/trabalhos/GT20/GT20-386%20int.pdf. Acessado em 27 de março de 2012.

MOTA, L. M. C. O Desenho Bob Esponja e a estética do Nonsense. Disp. Em: http://galaxy.intercom.org.br:8180/dspace/bitstream/1904/17235/1/R0939-1.pdf. Acessado em 27 de março de 2012.

GOMIDE, P. I. C. (org.) Comportamento moral: uma proposta para o desenvolvimento das virtudes. 1ª ed. (ano 2010), 1ª reimpr./ Curitiba: Juruá, 2011.

MEDEIROS, Rosana Fachel de. Bob Esponja: produções de sentidos sobre infâncias e masculinidades. Porto Alegre: FACED/UFRGS, 2010. (dissertação de mestrado)

OLIVEIRA, L. M. P. Z. ANDRADE, A. C. As crianças de rede pública de ensino e os desenhos animados. XII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Campina Grande – PB, 2010. Disp. Em: http://www.intercom.org.br/papers/regionais/nordeste2010/resumos/R23-1060-1.pdf

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Escrito por Natalie Brito

Mora em natal - RN e é Psicóloga no Instituto Federal do Rio Grande do Norte. Mestre em psicologia pela UFC. Ministrou disciplinas de Análise do Comportamento na Faculdade Leão Sampaio durante 3 anos. Escreve sobre psicologia escolar e desenvolvimento humano.

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