Agressividade: Sujeitos agressivos ou circunstâncias que produzem agressão?

Existe grande dificuldade em se definir o que é agressividade ou como ela pode ser exercida, muito embora, a princípio possa parecer simples. Para Leite (1987) a definição de agressão leva em conta três tendências: a definição por características topográficas da resposta (como estapear, cuspir, chutar, morder etc.); definição pelas condições antecedentes ou estímulos que antecedem um episódio agressivo (como a frustração ou estados emocionais como a raiva e a cólera) e, por último, pelas consequências que o comportamento em questão provoca no ambiente social (estimulação aversiva ou danos a outro organismo). No último caso, o principal problema da definição seria o fato de que se pode causar estimulação aversiva a outro sujeito de forma acidental e não intencional. Já um comportamento mal sucedido em causar prejuízo ou aversividade a outrem também não poderia aqui ser incluído, com no caso de um tiro que não acerta o alvo. 
A intencionalidade em causar dano e ter sido razoalmente bem sucedido nisso, seja direta ou indiretamente, e por qualquer via (por meio de palavras como boatos, fofocas e zombarias, agressão verbal direta, ou por meio de agressão física propriamente dita bem como outras formas de estimulação aversiva como a privação de reforçadores) parece, a nosso ver, dever ser incluída na definição.


A espécie humana é agressiva? Levando-se e em consideração a história da humanidade, pode-se dizer que sim, bastante. Sendo assim, seja no nível explicativo filogenético (o que pode ser mais bem explicado por estudos etológicos) ou cultural, a espécie humana carregaria esse componente como característica ou potencialidade a ser exercida. Evidentemente a agressividade pode ser exercida de inúmeras formas, desde a agressão verbal velada até o confronto físico direto. Porém, a espécie humana é a única que mata sem histórico de confronto. Alguém pode, por exemplo, ser contratado para matar um desconhecido. Também pode-se matar alguém à distância, com ajuda de armas de alta precisão e instrumentos que facilitem a visualização da vítima. Pode-se matar também sem necessidade de visualização da vítima, como no caso da emissão de armas de longo alcance e que possam “viajar” até o alvo, com o simples apertar de um botão. 

Existem indivíduos “agressivos” ou contingências que levam alguém a se comportar agressivamente? Fora os episódios em que se possa causar prejuízo não intencional (apesar do caráter inferencial) ou mesmo de episódios de legítima defesa (autodefesa mediante agressão), é possível dizer que podem existir histórias ontogenéticas que potencializem ou tornem mais provável a ocorrência de comportamentos agressivos. Também é possível dizer que existem episódios que, em si, potencializem a ocorrência de respostas agressivas. Ser alvo de agressão intensa ou mesmo nem tanto, porém repetida, por exemplo, parece ser bastante eficiente em evocar respostas agressivas. A frustração intensa ou menor em doses repetidas também pode ser muito eficiente em gerar episódios agressivos. Trata-se, como de resto em qualquer característica humana complexa, de processo motivado por diferentes fatores e até mesmo com substratos neurológicos diferenciados, a depender do tipo de comportamento agressivo analisado. Para Leite (1987): “Agressão, portanto, é um processo complexo, não unitário, podendo estar sob o controle de múltiplos fatores internos ou externos; pode ser influenciado por fatores genéticos e/ou aprendidos; pode ser instrumental (meio para se alcançar um objetivo) ou não.” (p. 149)

A pesquisa com sujeitos humanos e animais menciona situações frequentemente geradoras de comportamentos passíveis de serem categorizados como agressivos e, portanto, como determinantes da agressividade. Dentre eles, na revisão efetuada por Leite (1987) a frustração, a dor, a estimulação aversiva, a própria punição do comportamento agressivo, o reforçamento positivo à agressão, a aprendizagem por modelação, bem como a ameaça à satisfação ou ameaça de ataque. 
Nos arriscamos a afirmar que situações que provoquem alteração abrupta do estado emocional de um organismo, em consequência de estimulação aversiva, em geral, podem produzir episódios de agressão. Um episódio de frustração bastante conhecido é o da extinção, ou seja, uma condição em que uma resposta anteriormente capaz de produzir reforço passa a não mais ser efetiva, causando uma instigação emocional generalizada que pode incluir respostas agressivas. Em outras situações pode existir dificuldade adicional em definir frustração. A estimulação aversiva em geral provoca o mesmo efeito, especialmente se não existe saída para se livrar da mesma. Perder reforçadores não é estar sob efeito de punição propriamente dita, mas também gera respostas emocionais por ser igualmente “desagradável”. A dor é um excelente exemplo de situação geradora de um estado emocional alterado, com propriedades aversivas, que funciona como condição estabelecedora para o valor reforçador de comportamentos agressivos.
Já o comportamento agressivo punido com agressão, passa a se configurar em situação em que, além da existência de propriedades aversivas da agressão em si, existe o fornecimento de modelo de agressividade. Em outras palavras, a punição “cria mais estimulação aversiva capaz de produzir mais agressão” (p. 161), além de fornecer modelo para aprendizagem social de agressão. Um pai que pune agressivamente o seu filho por ter sido agressivo, por exemplo, está, contraditoriamente, fornecendo modelo de comportamento agressivo ao mesmo.
Existem, ainda, situações em que o sujeito é francamente reforçado por ter causado danos a outrem, sob forma de elogios, aprovação social etc. Neste caso há um franco fortalecimento do comportamento em situações semelhantes no futuro. Também é possível afirmar que o dano causado à vítima (sofrimento do instigador) possa ter valor reforçador, especialmente nos casos em que o padrão de comportamento agressivo já tem uma história de reforçamento bem sucedida e está bem estabelecida no repertório do agressor. 
Indivíduos que tenham causado sofrimento a alguém ou que tenham sido agentes punidores no passado podem facilmente se tornar alvo de agressão no futuro, tanto em médio quanto em longo prazo. Nesse sentido, algozes facilmente se transformam em vítimas, muito embora nem toda vítima tenha sido algoz (as propriedades do algoz também podem ser generalizadas para potenciais vítimas). 
Qualquer padrão de comportamento agressivo direto ou indireto pode ser aprendido, portanto, seja pelas contingências diretas, pelas contingências instrucionais, seja por observação de modelos fornecidos intencionalmente ou acidentalmente. Uma sociedade coercitiva (com excesso de punição, reforço negativo, fornecimento de privações de várias naturezas, etc.), com tecnologia para destruição avançada e uma filogênese possivelmente facilitadora, tornam a espécie humana especialmente propensa a desenvolver padrões agressivos de comportamento. Isso torna necessário compreender mais sobre contingências geradoras de estimulação aversiva intensa ou repetida (pelo seu potencial gerador de agressão) e desenvolvimento de contingências mais reforçadoras que punitivas, com estabelecimento de relações humanas mais “saudáveis” e menos “destrutivas”, para produção de indivíduos menos propensos a “ataques”; seja em contrapartida, seja por generalização de contingências vividas na história passada.

Como medida inibitória, já vimos que a agressão em contrapartida não é eficiente, uma vez que, ao invés de gerar apenas receio do castigo pode gerar ainda mais agressão. Criar empatia com o outro (capacidade de se colocar no lugar de outrem) parece ser uma boa solução, mas isso só é possível se o outro não for encarado como algoz ou, em outras palavras, se não tiver uma história de interações geradoras de consequências aversivas com o indivíduo cujo comportamento agressivo se deseja inibir. Autores como Gomide (2006, 2010) e Weber (2009) tem ressaltado o papel da família, tanto como garantia de aprendizagem de inibidores internos (como a empatia por outras pessoas – importar-se com o outro-), como pelo fornecimento de modelos de relacionamentos interpessoais que se pautem mais por afetos positivos e pelo reforço de comportamentos incompatíveis com o agressivo. Pais que rejeitam, punem ou que agridem seus filhos podem produzir indivíduos muito pouco sensibilizados com a dor ou danos físicos, morais e materiais que venham a provocar em outros, uma vez que não experienciaram a empatia de outros consigo próprios, nem mesmo dentro da própria família.
A utilização de técnicas educativas coercitivas também é contra indicada em escolas e em qualquer outra agência educacional (orfanatos, creches etc.). Por outro lado, um estilo interacional menos punitivo e menos coercitivo é indicado em relações humanas em geral, seja na família, na escola, no trabalho ou nas relações pessoais, sob pena de estarmos produzindo potenciais agressores, seja de nós mesmos, seja de outras pessoas, num futuro que pode não estar tão distante. Toda forma de controle gera alguma forma de contracontrole e o controle aversivo tende a retornar, naturalmente, de forma igualmente aversiva, seja de modo velado ou explícito.

Referências

Leite, Sergio Antonio da Silva (1987). Agressividade. Em Conselho Regional de Psicologia da Região 06 e Sindicato dos Psicólogos do Estado de São Paulo. Psicologia no Ensino de 2º Grau: Uma proposta emancipadora. São Paulo: EDICON.
Gomide, Paula Inez Cunha (2006). Inventário de Estilos Parentais – IEP: Modelo Teórico, Manual de Aplicação, apuração e interpretação. Petrópolis RJ: Vozes.
Gomide, Paula Inez Cunha Org.(2010). Comportamento Moral: Uma proposta para o desenvolvimento das virtudes. Curitiba: Juruá.
Weber, Lidia (2009). Eduque com carinho: equilíbrio entre amor e limites. Curitiba PR: Juruá.
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Escrito por Maria Ester Rodrigues

Maria Ester Rodrigues é Doutora em Educação: Psicologia da Educação (2005) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PED PUC SP (PPG Conceito 5 CAPES), sob a orientação da Profa. Dra. Melania Moroz. Concluiu o Mestrado em Educação: Psicologia da Educação, no mesmo programa, sob a mesma orientação, em 2000. Concluiu Especialização Lato Sensu em Psicologia Clínica na Universidade Federal do Paraná em 1996 e graduou-se em Psicologia pela mesma Universidade em 1990. É Professora Adjunta Nível D na Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Campus Cascavel. Tem experiência na área de Educação e Psicologia, com ênfase em Psicologia da Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: formação de professores,contribuições da análise do comportamento à educação, Ensino de Psicologia da Educação. É pesquisador do Laboratório e Grupo de Pesquisas: “Educação e Sociedade” - GEDUS-CCH/UNIOESTE, coordenando a linha de pesquisa intitulada “Contribuições da Psicologia à Educação e Formação Docente”. Também é pesquisadora do grupo "Bases Psicológicas da Educação" - PPG-PED PUC/SP, atuando na linha de pequisa "Contribuições do Behaviorismo Radical à Educação". Autora do livro: Mitos e Discordâncias: Relatos de ex-analistas do comportamento. São Paulo: ESETec, 2011 e outros.

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