A utilidade do conceito de estresse em contextos organizacionais

Frequente motivo de queixa por parte de gestores, os altos índices de absenteísmo, queda de produtividade e de licenças médicas nas organizações empresariais são, segundo Lipp (2005), indicadores de estresse excessivo. Além disto, a autora afirma que cerca de 40% dos executivos apresentam sinais de excesso de estresse, e, em trabalhadores de turno as estimativas estão em 78%. Sendo ainda que 50% das pessoas doentes nos Estados Unidos apresentam sinais de estresse (LIPP & MALLAGRIS, 1995, p.279) e aproximadamente dois terços de consultas médicas realizadas naquele país são decorrentes do stress excessivo. (FILGUEIRAS E HIPPERT, 1999).
Na prática, o que se percebe são dificuldades quanto à compreensão, avaliação e, consequentemente, à prevenção de estresse excessivo nos contextos organizacionais. Isto provavelmente ocorre por desconhecimento acerca dos princípios de comportamento humano e de formas adequadas de geri-lo. Em muitas organizações, o que se verifica são formas de gestão baseadas em teorias mecanicistas, em que são utilizadas práticas aversivas, desconsiderando o trabalhador, sua saúde e suas relações interpessoais (Morgan, 2006).
O presente artigo visa clarificar o conceito de estresse, as variáveis envolvidas neste processo e as consequências do mesmo, de modo que as organizações possam aprender a intervir e/ou manejá-lo de forma adequada.
Ao contrário do que comumente se pensa, estar estressado não remete apenas a apresentação de respostas ditas agressivas e/ou explosivas. Pessoas que, no geral, costumam responder de forma calma, podem apresentar níveis elevadíssimos de estresse. Isto pode, por exemplo, estar relacionado com dificuldades em expressar-se de forma assertiva, ou seja, expressar de forma sincera e honesta seus pensamentos e sentimentos a fim de garantir os próprios direitos (Lipp e Malagris, 1995; Del Prette e Del Prette, 1999). Lembrando que esta dificuldade, conforme Miguel e Garbi (2007), pode ocorrer pela não valorização deste tipo de resposta no contexto organizacional, e não por falta de habilidade da pessoa em si, sendo que, em muitos casos, o trabalhador comporta-se assertivamente em outros contextos.
É importante também desmistificar o fato de que a apresentação de estresse é sempre negativa e prejudicial ao organismo. Ao contrário, níveis adequados de estresse são necessários e saudáveis para execução de atividades diárias, e, segundo Zakir (2001), preparam o indivíduo para a ação, tendo, inclusive, função motivadora. O problema passa a existir quando os indivíduos apresentam tanto valores excessivamente altos quanto excessivamente baixos de estresse, os quais são nocivos ao organismo e aumentam a probabilidade de desenvolvimento de doenças graves, podendo apresentar graus incompatíveis com a vida, explica a autora.
Hans Selye (1974), o primeiro estudioso na área, afirma que o estresse é uma reação do organismo a eventos que de alguma forma amedronte, excite, confunda ou mesmo que faça muito feliz. Tais eventos provocam mudanças no organismo e em seu ambiente, e, com isto, necessidade de adaptação a estes. O processo de adaptação exige do organismo uma série de alterações comportamentais e psiconeuroendócrinas cumulativas (Zakir, 2001; Lipp e Malagris, 1995). Ou seja, as respostas ao estresse podem ter como consequências modificações que se acumulam em graus diferentes no organismo como um todo, diante da exposição a determinados eventos.
Estes eventos são os chamados estressores, os quais são definidos por Lipp e Malagris (1995) como qualquer situação que gere estados emocionais fortes, e que leve a quebra da homeostase (equilíbrio), exigindo adaptação do organismo. Lipp (2001) explica que os estressores podem ser divididos em biogênicos (frio, fome, dor) e psicossociais (relacionados à história de vida do indivíduo), ou ainda, como internos (características pessoais, padrão de comportamento, nível de assertividade), ou externos (acidentes, mortes, brigas, etc). Dentre os estressores externos, a autora destaca os chamados ocupacionais, que são aqueles que envolvem o ambiente de trabalho da pessoa: promoções, conflitos interpessoais, dificuldades salariais, ambientes instáveis, estilos de liderança, cargas horárias excessivas, entre outros.
Se a resposta do organismo ao estresse foi positiva, diz-se que houve o eustresse. Ele é caracterizado por um aumento na frequência respiratória, nos batimentos cardíacos, nos níveis de adrenalina e na capacidade de concentração. Ocorre em situações como o recebimento de uma promoção e a alegria ao comemorar a vitória em uma competição esportiva, por exemplo. No eustresse o esforço do organismo em adaptar-se traz como consequência realização pessoal e há também, segundo Rio (1995 apud Favassa et al 2005), aumento da capacidade de concentração e agilidade cerebral. Nestes casos, o retorno ao equilíbrio ocorre mais rapidamente. Já quando as respostas são negativas o nome dado é o diestresse. No diestresse há respostas adaptativas inadequadas, e neste caso, a situação de estresse excessivo pode perdurar por mais tempo. O diestresse ocorre principalmente em situações em que há interpretação negativa, como por exemplo, a perda de um colega de trabalho ou um processo de demissão (Selye, 1956 apud Favassa et al 2005).
Zakir (2001) lembra que não se pode estabelecer um nível ideal de estresse para cada ser humano, sendo impossível fixar valores exatos onde termina o “bom” estresse e começa o “mau” estresse, sugerindo uma região intermediária entre estes valores que possibilite a sobrevivência e o funcionamento do organismo.Esta autora lembra ainda que é preciso cautela na afirmação de que o estresse pode ser útil porque motiva. Na realidade, segundo Zakir (2001), ele se insere em relações complexas, em que algumas funções de sobrevivência que assume se baseiam em fatores motivacionais. Sendo assim, estresse e motivação podem associar-se na luta pela sobrevivência. “Diz-se que o stress tem efeito motivador referindo-se ao incremento na taxa de respostas de stress, ou tendo neles estímulos ou reforços responsáveis pela elevação da frequência do comportamento. Estes estímulos gerados ds reações de stress podem, portanto, agir a nível discriminativo” (Zakir, 2001, p.3).Por exemplo, o aumento na frequência da organização da agenda, ou leitura em resposta à insônia. Caso as respostas de estresse venham acompanhadas de algum tipo de mal estar, ocorre, geralmente, a evitação por fuga/esquiva. Assim, segundo Zakir (2001) é possível que haja aumento na taxa de respostas tidas como “produtividade”, seja por reforço positivo ou por reforço negativo.
Todavia, se o estresse é administrado de forma inadequada pelo indivíduo, sendo provável neste caso, a presença de prejuízos ao país, à organização e ao indivíduo, tais como faltas ao emprego, licença saúde, enfartes, derrames, queda de produtividade, tristeza e depressão (Lipp & Malagris, 2001).

As alterações comportamentais e psiconeuroendócrinas que ocorrem em resposta ao estresse podem ser observadas durante todo o processo, o qual é descrito por Selye como ocorrendo em três fases. Somando-se a estas, uma quarta fase intermediária que foi inclusa por Lipp (2000), uma pesquisadora brasileira do assunto. A primeira das fases é a de alerta, que ocorre quando o indivíduo entra em contato com os eventos estressores, havendo a alteração da homeostase (equilíbrio) do organismo e o prepara para uma reação de ‘luta ou fuga’. Nesta fase, ocorre aumento nos níveis de adrenalina e também aumento de produtividade, sendo possível que o estresse seja usado a favor da pessoa e até mesmo da organização. A seguinte denomina-se fase de resistência e ocorre quando o evento estressor permanece e a pessoa tenta restabelecer o equilíbrio, adaptando-se a situação. Para isso, o organismo utiliza a energia necessária à manutenção das funções vitais, o que provoca o desgaste. Aqui é possível perceber no organismo sensação de desgaste e dificuldades com a memória. A intermediária é a de fase de quase exaustão, se caracteriza por um enfraquecimento por dificuldades de adaptação ou resistência ao estressor. Nesta fase, o sistema imunológico fica enfraquecido e doenças começam a surgir, tais como herpes simples, picos de hipertensão e problemas de pele. Pode ocorrer também a presença de retração de gengivas, tonturas e redução da libido. A última é a chamada fase de exaustão e ocorre quando não houve sucesso em alcançar o equilíbrio na fase anterior. É nesta fase que surgem os sintomas mais graves, como úlcera, depressão, ansiedade, problemas dermatológicos graves, desenvolvimento de diabetes em pessoas geneticamente propensas, inabilidade em tomar decisões, entre outros. Silva (1990) lembra que doenças coronárias são mais comuns em situações profissionais que demandam horas excessivas de trabalho ou ocorrem em ambientes muito instáveis.
Diante do exposto, faz-se necessário e útil o conhecimento e a avaliação sobre o processo de desenvolvimento de estresse nas organizações, de que forma este pode ser manejado por gestores e trabalhadores. As organizações podem, com isto, verificar as variáveis envolvidas no desenvolvimento e manutenção das respostas de estresse, na forma como o trabalhador está manejando seu estresse, que função tem para o mesmo e quais são os benefícios ou prejuízos para a instituição. Considerando a multideterminação do comportamento humano e os riscos de interpretações incompletas, Souza (2004) sugere que a avaliação do estresse seja feita a partir do uso de múltiplas medidas. Ao identificar a presença de um número elevado de respostas e eventos indicativos de estresse excessivo, a procura por
acompanhamento especializado pode ser benéfica
ao indivíduo e às organizações. O mais indicado é que o mesmo seja feito de forma multidisciplinar, baseando-se em 3 (três) pilares fundamentais: 1) acompanhamento psicológico, no qual é feita a avaliação dos níveis de stress, aprendizado do manejo emocional e técnicas de relaxamento; 2) acompanhamento nutricional, para a aquisição uma alimentação balanceada que proporcione nutrientes necessários para o bom funcionamento do organismo e 3) práticas de atividades físicas, que liberam substâncias capazes de proporcionar bem estar e alívio dos sintomas do stress, como, por exemplo, o neurotransmissor serotonina. Além disto, quando o nível de stress já se elevou a ponto de provocar o desenvolvimento de doenças físicas, o acompanhamento médico se faz necessário.

Referências

DEL PRETTE, A.  E DEL PRETTE, Z.A.P. Psicologia das Habilidades sociais: terapia e educação. 2ª edição, editora Vozes, Petrópolis, RJ, 1999.
FILGUEIRAS, Júlio Cesar; HIPPERT, Maria Isabel Steinherz. A Polêmica em Torno do Conceito de Estresse. In Psicologia – Ciência e Profissão. 1999. Ano 19, 3, p.40-50.
LIPP, M.E.N. e Malagris L.N. O stress emocional e seu tratamento. In: Range B, organizadores. Psicoterapias Cognitivo comportamentais. Campinas (SP): Psy II; 2001. p.475-90.
LIPP, M. N. N. (Org.) Manual do Inventário de sintomas de stress para adultos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.
LIPP, M. N. N. (Org.) Pesquisas sobre stress no Brasil: Saúde, Ocupações e Grupos de risco. Campinas Papirus Editora, 1996a.
LIPP, M. N. N. Dicotomias no processo terapêutico: equívocos conceituais: psiquiátrico ou psicológico. In: DELITTI, M. (Org.) Sobre Comportamento e Cognição: a prática da análise do comportamento e da terapia cognitivo comportamental. São Paulo ARBytes Editora, 1997. V2, cap. 13 p. 125-128.
LIPP, M.N. e col. Como enfrentar o stress. São Paulo, Ed. Ícone, Campinas, Unicamp, 1998. 4ª edição.
LIPP, M.N.N. Stress e o turbilhão da raiva. Ed. Casa do Psicólogo, 1ª ed., São Paulo, 2005. 
MIGUEL, C.F. e GARBI, G. Assertividade no trabalho: descrevendo e corrigindo o desempenho dos outros. In: COMTE, F.C.S. e BRANDÃO, M.Z.S. (org.) Falo? Ou não falo? Expressando sentimentos e comunicando ideias. 2ªed. Ed. Mecenas, Londrina, 2007.
MORGAN, G. Imagens da Organização. 1ªed, Ed. Atlas, São Paulo, 2006.
NUNES, S. O. V. O estresse e as alterações imunológicas. In: BRANDÃO, M. Z. S. (Org) Sobre Comportamento e Cognição: Clínica, pesquisa e aplicação. v.12. Santo André: ESETec Editores, 2003. v.12, Cap. 26, p. 228-232.
SELYE, H. History and Present Status of the Stress Concept. In: Goldberger L, Breznitz S. Handbook of Stress – Theoretical and Clinical Aspects. New York: Free Press; 1986. p.7-20.
SELYE, H. Stress without Distress. Filadelfia: Linpincot, 1974.
SILVA, M. T. A. Stress: impacto do ambiente sobre o comportamento. In: BARRISO, C. Homem, mulher: crises e conquistas. São Paulo: Melhoramentos, 1990.
SOUZA, F.B. A utilidade do uso de múltiplas medidas avaliativas do stress no context psicoterapeutico. Monografia apresentada como conclusão da Pós-Graduação em Psicoterapia na Análise do Comportamento na Universidade Estadual de Londrina, UEL, Londrina, 2004.
ZAKIR, N.S. Enfrentamento e Percepção de controlabilidade pessoal e situacional nas reações de stress. Tese de Doutorado não publicada. Puc Campinas, 2001.

5 1 vote
Article Rating

Escrito por Fabiana Barbosa de Souza

Psicoterapeuta graduada e Pós-Graduada em Análise do Comportamento pela UEL (Universidade Estadual de Londrina). Atua em clínica particular e no atendimento de prevenção e tratamento de Stress Excessivo dos funcionários da Secretaria de Educação em Primavera do Leste - MT. É Coach pela Sociedade Brasileira de Coaching e Pós-Graduanda em Liderança e Coaching pela UNIC de Cuiabá – MT. Palestrante e Professora, ministrando atualmente as disciplinas de Psicologia e Comportamento Organizacional, para os cursos de Direito, Administração e Marketing, das Faculdades de Ciências Jurídicas e Sociais Aplicadas de Primavera do Leste, e Faculdades de Ciências Sociais Aplicadas – UNIC, Unidade de Primavera do Leste – MT.

Em terapia pra sempre? Basta!

Entrevista com Hélio Guilhardi no Curso de Terapia por Contingências de Reforçamento (TCR) em Salvador/BA