Sustentabili…o quê?

Há sérios equívocos no uso da palavra “sustentabilidade”, sabia?
Comercialmente, esta palavra é imediatamente associada a alguns estímulos que remetem ao meio ambiente. Usualmente, o conjunto de conceitos que fomenta a idéia de sustentabilidade é meramente ambiental: ser sustentável significa se comportar de forma ecologicamente correta.
Por exemplo, de acordo com algumas organizações, ser sustentável significa parar de imprimir papel para contas ou deixar de entregar sacolas plásticas descartáveis para transporte de produtos.
Ótimo, mas por que só isso não basta?
Simples, um comportamento é considerado sustentável quando ele permite a manutenção de uma cultura utilizando recursos de forma a não prejudicar seu desenvolvimento e de seus indivíduos a curto e longo prazo.
Isso envolve NÃO SÓ preservar o ambiente, mas também criar condições para fortalecer práticas que favoreçam o desenvolvimento daquela cultura e retirar práticas que o prejudicam. É essencial, então, que sejam criadas certas condições de ensino para que práticas adequadas sejam ensinadas para outros membros.
Para que uma comunidade seja sustentável é necessário apenas que ela sobreviva?
O que Skinner (1953) afirma é que, simplesmente levar em consideração a “sobrevivência” de culturas pode não ser o melhor critério para avaliá-la. Há outros indicadores como, por exemplo, felicidade, liberdade, saber e saúde de seus membros.
Serge Latouche¹ afirma que há um equivoco muito grande em mensurar o desenvolvimento de um país simplesmente por seu Produto Interno Bruto (PIB) per capta. Ao utilizar este índice, estamos reduzindo o bem estar de uma nação àquilo que é economicamente mensurável.
Levar em consideração apenas a sobrevivência de uma cultura (ou de um conjunto de práticas) e utilizar índices parciais para avaliar seu desenvolvimento seria realizar uma avaliação reducionista para classificar aquela cultura.
O que precisamos levar em consideração para classificar uma cultura como sustentável?
Há um conjunto de definições sobre o que é sustentabilidade. Uma delas (bastante interessante) é apresentada no website sustentabilidade.org.br que é dedicado ao ensino de práticas sustentáveis:
“Sustentabilidade é um conceito sistêmico, relacionado com a continuidade dos aspectos econômicos, sociais, culturais e ambientais da sociedade humana.”
Este conceito apresenta a importância de serem consideradas várias áreas do conhecimento na avaliação de uma cultura ou de práticas, o que corrobora com a idéia de Latouche que o PIB per capta não é uma referência necessária e suficiente para fazê-lo.
Vamos parar para pensar um pouco no que consiste uma comunidade sustentável.
Podemos convencionar, de forma geral, para fins de entendimento, que uma comunidade sustentável é aquela cujos membros produzem e utilizam apenas recursos necessários para se manter de forma estável, satisfeita e saudável por um período indefinido de tempo. Nesta comunidade também há condições de ensino de práticas adequadas e recursos para os membros decidirem diretamente sobre arranjos de contingências daquela comunidade (o que incluiria o uso dos recursos produzidos por ela, os procedimentos adotados nela, entre outros).
Faz sentido?
No mesmo website apresentado anteriormente, há a seguinte menção:
“A sustentabilidade abrange vários níveis de organização, desde a vizinhança local até o planeta inteiro.”
Qual a diferença entre analisar a vizinhança local e o planeta inteiro?
O conhecimento acumulado em análise do comportamento permite concluir que algumas propriedades dos estímulos alteram o valor das consequências. Vamos considerar, por hora, as seguintes propriedades:
  1. quão forte é aquele estímulo (intensidade); e
  2. qual é o intervalo de tempo transcorrido entre a apresentação da resposta e do estímulo (proximidade temporal).
O que uma pequena comunidade permite ver com mais facilidade?
Em uma pequena comunidade, a quantidade de recursos disponíveis é mais evidente e a identificação de sua diminuição é temporalmente mais próxima. Além disso, uma pequena comunidade tem relativa facilidade em decidir sobre o uso dos recursos disponíveis e a ensinar seus membros a utilizá-los de forma ética, responsável e solidária minimizando competições e brigas e, consequentemente, aumentando o conforto e satisfação dos membros.
Lidamos com um problema quando a comunidade ganha maiores proporções e estas dimensões (de intensidade e temporalidade) não são tão evidentes assim: não há clareza dos recursos necessários para produzir nem da iminência de seu esgotamento e dos impactos causados pelo seu descarte inadequado. Também fica cada vez mais difícil uma comunidade decidir sobre o uso dos recursos uma vez que há um número maior de pessoas envolvidas. Para facilitar a distribuição e aumentar a vida útil são adicionados agentes químicos cujo efeito na saúde da população não é conhecido.
A proposta de Skinner para uma comunidade como Walden II leva em consideração os fatores acima ao afirmar que, para atingir os critérios de uma comunidade sustentável, ela deve ser pequena (chegando ao limite de 1000 membros).
Mas, ensinar práticas adequadas de uso dos recursos não ajuda no caso da comunidade crescer?
Ajuda sim, entretanto, os estímulos que sinalizam a necessidade de comportamentos, bem como as consequências do comportamento são temporalmente cada vez mais distantes e menos intensos. Sendo assim fica cada vez mais complicado para a comunidade decidir que práticas são adequadas ou não para poder ensiná-las de forma ética e responsável.
De acordo com a análise proposta por Cortegoso (2008), também há vários elos que são criados para facilitar práticas que são conhecidamente inadequadas, por exemplo, o uso de crédito pré-aprovado, que faz com que o consumo (e todas as suas conseqüências) aumente. Ela ressalta a importância de levarmos em consideração o custo de resposta, ou seja, fatores que dificultam sua apresentação.
O que temos hoje é uma facilidade muito grande de apresentar comportamentos que prejudicam, não só o ambiente, mas também a saúde e a liberdade dos indivíduos.
A relação entre as nossas atuais práticas de comércio, descarte inadequado de lixo, entre outras, tem uma conhecida repercussão ambiental, por isso fica clara a associação entre “sustentabilidade” e “meio ambiente”. Entretanto não há um questionamento sobre as nossas prioridades quando vivemos em comunidade.
Quão fácil é comprar produtos sem agrotóxicos e conservantes? Quão felizes e saudáveis somos? O que ensinamos para nossos filhos e alunos?
A tendência da comunidade em geral é criar e aprimorar recursos para lidar com as consequências das práticas atuais e não para lidar com as práticas em si.
Quer um exemplo?
Há uma grande preocupação em desenvolver técnicas de reciclagem e reaproveitamento de materiais. Entretanto não há uma preocupação tão grande em ensinar pessoas a produzir menos lixo. Também há pouca preocupação em ensinar comportamentos que sejam saudáveis e favoreçam sua felicidade e da comunidade da qual fazem parte (seja seu bairro, sua cidade, seu estado ou seu país) de forma ética, responsável e solidária.
O contrário disso é apresentar comportamentos que estejam sob controle de possíveis consequências arbitrárias que favorecem muito pouco (se é que favorecem) o desenvolvimento da comunidade da qual os indivíduos são parte.
Por exemplo, utilizar ou vestir uma grande marca pelo status ou mesmo trabalhar com o objetivo único de alcançar a autoridade de um cargo superior em uma empresa.
Aos poucos, com a proliferação de práticas que buscam status e poder, vemos costumes, danças, obras de arte e religiões desaparecerem. Junto a eles, desaparecem práticas, conhecimentos e tecnologias e isto dá lugar a uma vontade ilusória de ter algo ou pertencer a um grupo sobre o qual temos pouca ou nenhuma voz.
Quanto maior for o controle que as conseqüências arbitrárias exercem sobre nosso comportamento, menor será nossa liberdade e mais comprometida será a nossa saúde na busca de uma felicidade egoísta.
Bibliografia:
CORTEGOSO, A. L. Consumo ético e responsável na Economia Solidária: compreensão e mudança de práticas culturais. Em Cortegoso, A. L. e Lucas, M. G. (Organizadores) Psicologia e economia solidária: interfaces e perspectivas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008, pp. 165-180.
SKINNER, B.F. Science and Human Behavior. New York, 1953: MacMillan.
SKINNER, B. F. (1972); Walden II: uma sociedade do futuro. São Paulo: Herder.
CHACON, S. S. Entrevista com Serge Latouche – Decrescimento (2011). Disponível em: http://desenvolvimento-regional-sustentavel.blogspot.com/2011/11/entrevista-com-serge-latouche.html
REDE DA SUSTENTABILIDADE. O que é sustentabilidade? (2012) Disponível em: http://www.sustentabilidade.org.br/
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Escrito por Arthur Médici

Quem são os Anonymous e como podemos analisar funcionalmente suas práticas?

Especialização em Psicoterapia Cognitivo-Comportamental e Análise do Comportamento – Universidade Estadual de Maringá (UEM-PR)