Um tipo de frustração: o conflito

Um dos motivos que levam as pessoas a irem em busca de um psicólogo é a existência de situações de conflito[1]em suas vidas. Este fenômeno será tratado.
Tomarei emprestado o conceito de aproximação-afastamento[2]criado por Lewin[3], em 1935. Para o autor, existem três tipos especiais de conflitos, categorizados como aproximação-aproximação, aproximação-afastamento e afastamento-afastamento.
Sobre o primeiro tipo, denominado aproximação-aproximação, pode-se citar Jones e Gerard (1967) que o definem como um “Estado em que o indivíduo se encontra quando está motivado a dar duas respostas incompatíveis entre si.” (n.p.). Rangé (1995) explicou que isto acontece diante da impossibilidade de termos acesso a dois reforçadores em potencial pela diferença das respostas a serem dadas, isto é, ao decidirmos por um reforçador, necessariamente abrimos mão do outro, de modo que é impossível ter acesso a ambos.

Para exemplificar este caso, pode-se dizer uma situação na qual existem duas festas para a qual eu fui convidado que acontecerão no mesmo dia, na mesma hora. Eu moro em São Paulo. Uma das festas acontecerá em Campos do Jordão e a outra em Campinas. As duas festas possuem reforçadores em potencial, gosto de ambas as pessoas que me convidaram. 

Ter de escolher entre as duas festas irá eliciar sentimentos de frustração, aborrecimento, angústia, dentre outros. Entretanto, será necessária uma escolha, uma decisão. Ao escolher ir à festa em Campos do Jordão, talvez durante todo o trajeto SP-Campos eu fique com essa angústia de ter feito tal escolha. Porém, ao chegar na festa, fico sob controle do que está acontecendo por ali e duas situações podem acontecer: a festa pode estar muito boa, fazendo com que eu me esqueça da outra comemoração, ou a festa pode estar muito ruim, causando sentimentos de arrependimento. Outros exemplos são citados por Rangé (1995), tais como, escolher entre comprar um carro ou fazer uma viagem em minha férias e vice-versa. Escolho entre um emprego com um salário maior ou um emprego com mais estabilidade?

Este tipo de conflito aproximação-aproximação é, ao meu ver, o tipo menos prejudicial de conflitos, pois abrimos mão de um reforçador e não existe nenhum aversivo vinculado. Vamos aos próximos.

O segundo tipo de conflito, tal como proposto por Lewin (1935), foi o aproximação-afastamento. Para este tipo, Rangé (1995) explicou que um mesmo objeto/local possui propriedades tanto positivamente quanto negativamente reforçadoras. De qualquer forma, é difícil encontrar um objeto que seja apenas positivamente ou negativamente reforçador. Um exemplo disto seria comer um saboroso quindin, porém engordar 2kg (quindin gordo esse! rs). Outro exemplo seria o de uma balada, na qual um rapaz tem a intenção de xavecar alguma garota, porém por esquiva da reprovação, abstém-se de fazê-lo.

O terceiro, último e maior causador de frustração é o conflito definido por Lewin (1935) como afastamento-afastamento. Rangé (1995) explicou este conflito como uma situação na qual existem duas ameaças simultâneas. Ele pode ser caracterizado, inclusive, com alguns ditos populares: entre a cruz e a espada, ou se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Pode também ser caracterizado como: o que quer que aconteça, eu vou me ferrar

Eu, Fernando, que tenho um medo enorme de dentistas, há 2 anos, descobri que eu tenho um dente a mais em minha boca. Desde então, este dente vem saindo da minha gengiva e eu preciso ir até o dentista removê-lo. Por isto o afastamento-afastamento: ou eu fico com a dor de dente, ou vou ao dentista resolver esta situação. Ir ao dentista é uma situação tão aversiva que, somente quando a dor chegar a um ponto mais aversivo do que ir ao dentista, eu irei. Entretanto, isto não é via de regra. Outras situações podem acontecer que me levem ao dentista.
Rangé (1995) explicou que, quando em conflito, o indivíduo tende a ficar paralisado ou indeciso, inapto a tomar uma decisão e, enquanto não tomá-la, não consegue seguir em frente. Vista esta análise de Rangé (1995), penso ser possível traçar um paralelo com o modelo da supressão condicionada. De acordo com Estes e Skinner (1941), quando a resposta a ser dada pelo organismo não pode ser de fuga nem esquiva (obrigação de tomar uma decisão em uma situação conflituosa), o efeito reflexo da estimulação aversiva (por se tratar do modelo de supressão condicionada, geralmente o respondente eliciado é o de ansiedade) paralisa quaisquer outras respostas operantes que poderiam gerar reforçadores positivos. Como citou Rangé (1995), as situações de afastamento-afastamento são as que mais causam esta paralisia.

Nosso cotidiano é repleto de conflitos. Durmo mais 15 minutos e chego atrasado, ou levanto agora e chego na hora? Almoço comida japonesa ou italiana? Compro um Audi A5 ou um Camaro? Um Xbox ou um Play3? Os exemplos são infinitos, e você leitor, já deve ter pensado em muitos outros. Nota-se, então, que lidamos com certa frequência com estes tipos de conflito, porém, nem todos estes conflitos geram sofrimento ou ansiedade.
Desta forma, a busca pelo psicólogo se dá, tal como Skinner (1974/1982) afirmou, quando o indivíduo está sofrendo, ou como postulado em 1953/2003, pelo mesmo autor, a condição aversiva faz com que busquemos psicólogos. Citando Delitti (1993), o terapeuta munido do arcabouço analítico comportamental deve ser sensível ao sofrimento da pessoa que está em sua frente, buscando levantar hipóteses e decifrar códigos que melhorem a qualidade de vida de seu cliente. Imaginem um cliente casado em um caso extra conjugal e não ter paz de forma alguma. Um rapaz que tem como valor agradar sempre a todos, assiste o jogo com seu pai ou vai à festa de aniversário de sua namorada? Estas situações que causam muito, ou até extremo sofrimento pela dificuldade da escolha, são casos que fazem com que as pessoas busquem terapia. Citando literalmente Skinner (1989/1991), “A psicoterapia é, frequentemente, um espaço para aumentar a auto-observação, para “trazer à consciência” uma parcela maior daquilo que é feito e das razões pelas quais são feitas” (pp. 46-47). 
Uma técnica mais generalista que pode ser utilizada é a Tomada de Decisões que consiste, conforme especificado por Beck (1997), em pedir ao cliente para fazer uma listagem de todos os pontos positivos e negativos de cada uma das opções e então, com este sistema, ajudá-lo com a extração de uma tomada de decisão que parecer ser a melhor para o cliente.


Referências
Beck, J. S. (1997). Terapia cognitiva: teoria e prática. Porto Alegre: Artes Médicas.
Delitti, M. (1993) O uso de encobertos na terapia comportamental. Temas em Psicologia, 1(2), 41-46.
Estes, W. K. & Skinner, B. F. (1941). Some quantitative properties of anxiety. Journal of Experimental Psychology, 29, 390-400.
Jones, E. E. & Gerard, H. B. (1967). Fundamentals of Social Psychology.John Wiley and Sons, Inc.
Lewin, K. (1935). A Dynamic Theory of Personality. New York: McGraw-Hill
Lundin, R.W. (1974). Personality: a behavioral analysis. 2 ed. New York: McMillan.
Rangé, B. P. (1995). Bases filosóficas, históricas e teóricas da psicoterapia comportamental e cognitiva. In: (Rangé, org). Psicoterapia comportamental e cognitiva.
Skinner, B. F. (2003). Ciência e Comportamento Humano. 11ª ed. São Paulo: Martins Fontes.
Skinner, B. F. (1991). Questões recentes na Análise do Comportamento. São Paulo: Papirus.
Smith, M. K. (2001). Kurt Lewin, groups, experiential learning and action research. The encyclopedia of informal education. http://www.infed.org/thinkers/et-lewin.htm.

[1] Conflito é um tipo particular de frustração. De acordo com Lundin (1974), existem três tipos, sendo eles: impedimento, atraso e conflito. O presente texto tem como objetivo tratar apenas do terceiro.

[2] Algumas traduções utilizam a palavra esquiva no lugar de afastamento. O autor achou mais prudente a utilização da palavra afastamento, para evitar qualquer associação equivocada em relação ao conceito de esquiva.

[3] Kurt Lewin (1890-1947) Psicólogo Alemão e mais tarde (1940) naturalizado americano, estava envolvido inicialmente com a teoria comportamental,  modificou sua direção ingressando a Gestalt Terapia, estudando junto a alguns dos precursores da mesma, tais como Max Wertheimer e Wolfgang Köhler. Lewin foi professor de diversas universidades americanas de alta influência (Cornell University, Massachusetts Institute of Technology (MIT), Harvard Medical School, dentre outras) (Smith, 2001).
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