Será que quando nós mentimos, nosso nariz cresce?

Desde os tempos mitológicos discute-se a possibilidade de descobrir se uma pessoa está mentindo através da identificação de sinais publicamente observáveis em seu comportamento, tais como alteração no tom, velocidade e latência da voz; mudanças nas expressões faciais; respiração; postura corporal; entre outros, geralmente analisados por observadores treinados. Com o avanço da tecnologia, diversos instrumentos passaram a ser utilizados para este fim, dentre os quais, destaca-se o Polígrafo, amplamente empregado em entrevistas criminais nos Estados Unidos. Mas será que tudo isto funciona?
Pinóquio é um personagem que apresenta um sinal muito
claro de que está mentindo. E no mundo real? Será tão fácil?

O Psicólogo Nicolau Quinta (2008) buscou responder a esta pergunta em sua dissertação de mestrado. Logo no início de seu trabalho, explica que a pergunta não pode ser respondida apenas com uma palavra e que os estudos a respeito tem deixado mais questões a serem respondidas do que respostas à pergunta inicial. 
Hubner, Rocha e Zotto discutem o assunto em um capítulo sobre a mentira no livro Comportamento Moral: Uma proposta para o desenvolvimento das virtudes, organizado pela Dr. Paula Inês Cunha Gomide e publicado pela editora Juruá (2011). De acordo com as autoras, os estudiosos da área (De Paulo e Cols, 2003; Menai e Loturco, 2002) identificaram vários sinais no comportamento público dos indivíduos que podem ser indicativos de que ele está mentindo. Entre estes sinais, elas destacam: 
1 – Sinais corporais ou reações fisiológicas como a alteração das pupilas e mudanças no tom da voz; 
2 – Pistas de pensamento que apontem criação de histórias falsas, as quais exigem um tempo maior e com frequência mais alta de pausas no discurso; 
3 – Pistas de sentimentos que seriam observados no comportamento mentiroso, como por exemplo, culpa ou medo, ou sentimentos positivos (como prazer que precisa ser ocultado); 
4 – Pistas de padrões de movimentos nos olhos do interlocutor, como por exemplo, desviar o olhar diante de perguntas com resposta complexa, piscar os olhos em uma frequência maior do que em outras situações, etc; 
5 – Movimentos da cabeça e do corpo, como por exemplo, responder não a uma pergunta enquanto balança a cabeça em gesto afirmativo; 
6 – Movimentos das mãos e dos braços: quem mente raramente aponta o dedo ou enfatiza sua fala com gestos amplos 
7 – Respiração: pessoas que estejam escondendo algo alteram a frequência respiratória. 
                                                               

Embora todos estes sinais e alguns outros sejam associados à mentira pela população em geral e mesmo por alguns pesquisadores da área, os estudos controlados que visam verificar sua confiabilidade não têm trazido resultados muito animadores. 
Bull, Feix e Stein (citados por Hubner, Rocha e Zotto, 2011) realizaram uma ampla revisão bibliográfica, na qual foram examinadas as principais pesquisas já realizadas em todo o mundo sobre métodos de detecção de mentira. “Após extensa revisão, concluíram que nenhum estudo apresentou método fidedigno e índices estatísticos válidos para se afirmar que é possível associar modificações na expressão facial ou nas respostas fisiológicas com a mentira”, dizem as autoras. Elas explicam que todos os sinais geralmente associados com a mentira podem estar presentes em diversas outras situações além daquela em que a pessoa mente. 
No estudo conduzido por Quinta (2008) foram apresentados dados relacionados também ao uso do Polígrafo como instrumento de detecção de mentiras. Ele explica que o teste do polígrafo consiste em conectar a pessoa a um conjunto de aparelhos que detecta alterações fisiológicas em sua frequência cardíaca, pressão sanguínea, respiração, sudorese, condutância eletrodérmica e temperatura corporal. Em outras palavras, o equipamento não detecta de fato as mentiras, mas alterações fisiológicas no entrevistado que se supõe estarem associadas a ela. Este método nos impõe o mesmo risco mencionado por Hubner, Rocha e Zotto (2011). As alterações fisiológicas presentes quando a pessoa mente também podem ser encontradas em diversas outras situações além desta. 
Com o objetivo de controlar esta variável, os examinadores profissionais de polígrafo têm utilizado diversas outras estratégias em conjunto com o equipamento, as quais isolariam as respostas verdadeiras e mentiras do entrevistado. Entre as principais, estão o Teste da Questão de Controle (Control Question Test – CQT) e o Teste de Conhecimento do Culpado (Guilty Knowledge Test – GKT), conforme explica Quinta (2008). De acordo com o autor, estas medidas de controle têm permitido índices em torno de 85% detecções corretas. Entretanto, ainda assim ele não se mostra eficaz com pessoas especialmente treinadas para mentir ou que não apresentem respostas corporais quando o fazem e é o próprio Ekman que nos dá este alerta. O É por este motivo que a comunidade científica americana não o considera seguro (Iakono e Lykken, citados por Quinta, 2008). 
Outro método que tem sido bastante utilizado ultimamente é a observação de alterações em um tipo especial de ondas cerebrais, a P300 (ou P3). Mas conforme denunciam os dados apresentados por Quinta (2008) em seu trabalho de mestrado, têm sido encontradas também diversas inconsistências entre os estudos que visam investigar a efetividade do método, mesmo diante do emprego de procedimentos diversos. 
Uma possibilidade citada pelo autor é observar se algum sinal em particular aparece regularmente em maior ou menor frequência e intensidade em uma pessoa em específico quando ela fala a verdade e comparar estes dados com dados oriundos da observação deste mesmo sinal quando esta mesma pessoa fala uma mentira. A estratégia é interessante porque consiste basicamente em identificar sob quais condições a pessoa emite determinadas respostas e não em julgar a veracidade de sua fala de acordo com um critério estatístico. A principal dificuldade encontrada em é que na maioria das vezes não será possível verificar a validade de nosso julgamento ou isto só será possível após um longo espaço de tempo. Ainda assim, é melhor do que comparar entre sujeitos, método no qual os índices de acerto raramente ultrapassam 60% (Quinta, 2008). 
Conforme exposto ao longo do texto, é bastante problemático afirmar que é possível detectar mentiras através de qualquer uma das estratégias comumente usadas, as quais geralmente envolvem associar alterações fisiológicas, corporais ou faciais a ela [a mentira] de maneira universalmente válida. A dificuldade está justamente em encontrar algum sinal observável que inequivocamente apresente esta associação em todas as pessoas, e até que isto seja feito, todos os textos e manuais que oferecem fórmulas para a detecção de mentiras estarão apenas no campo da especulação. Cabe alertar que o mesmo provavelmente se aplica a qualquer tentativa de leitura da linguagem corporal e que qualquer material que se proponha a ensinar fazê-lo, não poderá ser considerado fidedigno, ou para ser mais sutil, fundamentado em dados consistentes. 
Talvez, o máximo que se possa conseguir com estes livros são pistas sobre como a pessoa está se sentindo, pistas estas, que na clínica podem ser confirmadas ou não em situações subsequentes através da observação das repetições de padrão no comportamento da própria pessoa. Mesmo assim, nossa conclusão não deve ser entendida como verdade última sobre aquele indivíduo. Quinta (2008) ainda apresenta dados em que diversos observadores foram treinados a observar estas repetições em sujeitos específicos, de modo que foi possível obter até 100% de acertos em algumas sessões. Entretanto, o desempenho destes observadores foi pouco estável entre sessões diferentes e não foi possível afirmar que houve generalização para outros falantes.

E aí? Será que quando nós mentimos nosso nariz cresce? Deixo para vocês responderem.

REFERÊNCIAS 

Hübner, M. M. C.; Rocha, G. M da & Zotto, L. L. S. (2011). Mentira. In Gomide, P. I. C. (Org). Comportamento Moral: Uma proposta para o desenvolvimento das virtudes. Curitiba: Ed. Juruá

Quinta, N. C. de C. (2008). Efeitos de Contingências Aversivas sobre o Comportamento de Mentir: Sinais e Detecção. Dissertação de Mestrado, Universidade Católica de Goiás, Goiás. 

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Escrito por Esequias Caetano de Almeida Neto

Terapeuta Comportamental, com especialização em Clínica Comportamental pelo Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento (Campinas, SP), com Treinamento Intensivo em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech | A Linehan Institute Training Company (Seattle, Washington/ EUA) e Formação em Terapia de Aceitação E Compromisso e Terapia Analítica Funcional pelo Instituto Continuum (Londrina, PR). É sócio da Ello: Núcleo de Psicologia e Ciências do Comportamento, onde atende a adultos individualmente, em terapia de casais e terapia de família, além de prover Supervisão Clínica e Treinamento para Terapeutas Comportamentais. É fundador e diretor geral do Portal Comporte-se: Psicologia e Análise do Comportamento (www.comportese.com), onde também coordena a equipe de colunistas de Terapia Comportamental Dialética. Coorganizou os livros Terapia Analítico Comportamental: dos pressupostos teóricos às possibilidades de aplicação (Ed. Esetec, 2012) e Depressão: Psicopatologia e Terapia Analítico Comportamental (Ed. Juruá, 2015). Atua como consultor de Comportamento e Cultura para a Rádio Clube (AM 770) de Patos de Minas e escreve sobre Psicologia e Saúde Mental para o jornal Clube Notícia (https://www.clubenoticia.com.br). É sócio afiliado da Associação Brasileira de Análise do Comportamento (ACBr) e, entre os anos de 2015 e 2017, foi membro da Comissão de Comunicação da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental (ABPMC).

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