Entrevista Exclusiva com Hélida Reis – Desafios da Educação Especial

Gentilmente, a Psicóloga e Analista do Comportamento Hélida Reis nos concedeu uma entrevista sobre os Desafios da Educação Especial. Ela pesquisa o assunto desde o início de sua graduação. Desenvolveu dois PIBIC’s a respeito, sendo premiada em ambos. Seu trabalho de conclusão de curso consistiu em testar diversas metodologias na formação de professores para a Educação Especial. Atualmente trabalha como consultora em Educação Especial em uma escola particular  e é Psicóloga do CRAS de sua cidade, onde também desenvolve atividades relacionadas.

NetoComo fazemos tradicionalmente, gostaria de começar pedindo que você nos contasse sobre o que te atraiu na Análise do Comportamento e também sobre sua experiência no trabalho com Crianças com Desenvolvimento Atípico. 
Hélida – Minha afinidade com a Análise do Comportamento vem desde o primeiro período do curso (2006.1), quando fui aluna do Prof. Christian Vichi na disciplina Bases Históricas e Epistemológicas da Psicologia. Realizamos uma revisão dos principais conceitos trazidos pelos manuais tradicionais de Psicologia acerca das diferentes abordagens, de modo que, na ocasião, pudemos discutir os principais equívocos acerca do Behaviorismo. 
Comecei então a ter mais contato com a literatura da Análise do Comportamento e a me interessar pela Educação Especial. Fiz meu primeiro estágio básico, no quarto período, na APAE. A experiência na instituição me trouxe diversas indagações e me encantei pela área. Como consequência, depois vieram mais dois PIBIC’s, um ano e meio de estágio profissionalizante e a produção do meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) sobre o assunto. Atualmente trabalho assessorando a inclusão e permanência de crianças com autismo em uma escola particular, além de desenvolver trabalhos de orientação a pais e professores da rede pública de ensino em relação ao ensino e atenção a crianças e adolescentes com deficiência. 
NNo II EAC do Vale (em Petrolina) você apresentou um trabalho que versava sobre formação de professores no ensino de alunos com desenvolvimento atípico. Poderia falar um pouco sobre este trabalho? No que consistiu? 
H – O trabalho apresentado no EAC foi o TCC, desenvolvido por mim e Gleice Cordeiro, com a orientação dos Profºs Christian Vichi e Mariana Ribeiro. O nosso foco foi a formação de professores. Resolvemos testar diferentes métodos de ensino e verificar os efeitos dos métodos utilizados na aprendizagem do professor. Elegemos a habilidade de “fornecer dicas para ensinar alunos com desenvolvimento atípico a brincarem em grupo”. Os sujeitos da pesquisa foram três professoras, cada uma delas participou atuando com grupos de três alunos que tinham diferentes diagnósticos (Autismo, Síndrome de Down, Paralisia Cerebral, Deficiência Intelectual). 
O delineamento do estudo foi composto pelas seguintes fases: Linha de base; Treino 1: Aula; Teste 1; Treino 2: Painel de Dicas; Teste 2; Treino 3: Análise de filmagem; Teste 3; Treino 4: Vídeo Modelo; Teste 4; Treino 5: Feedback Imediato; Teste 5 e por fim, Follow-up. Todas as sessões eram filmadas e depois os comportamentos da professora eram categorizados. A partir disso, definíamos se ela passaria ou não por mais uma fase de treinos. 
Os treinos eram encerrados quando a professora conseguia fornecer 100% de dicas nas situações esperadas e incluir 80% dos alunos na atividade de brincar em grupo. Os nossos resultados demonstraram que:
1) Cada participante atingiu o critério de encerramento após ensinado com um método diferente;
2) O método “Aula” é o menos indicado, se usado como componente único de um programa de capacitação de profissionais;
3) A combinação de diferentes tipos de métodos, todos simples e de baixo custo financeiro e operacional, pode ser usada para ensinar professores a conduzir situações de brincar em grupo, incluindo e mantendo alunos com diferentes tipos de deficiências/ diagnósticos engajados em uma mesma atividade;
É possível acrescentar ainda que, em relação aos dados da linha de base, ao final do estudo todos os professores apresentaram mudanças significativas na maneira como conduzem situações de brincadeira. Nossos testes de generalização foram feitos com até 42 dias após o encerramento dos treinos. Utilizamos brinquedos e alunos diferentes, e ainda assim, os professores foram capazes de conduzir a situação de brincadeira, o que demonstra a efetividade dos procedimentos de ensino.
NNo contexto atual do ensino a crianças com Desenvolvimento Atípico, qual a importância de pesquisas como esta? A partir dos dados obtidos, o que pode ser proposto em termos de melhorias neste cenário e pesquisas futuras? 
H – Esse estudo foi um desafio, por ter sido uma pesquisa aplicada em que precisávamos mobilizar muitas pessoas (pais, alunos, professores, auxiliares, outros estudantes de Psicologia) para que as fases planejadas acontecessem.
A pesquisa foi muito importante por enfatizar a produção de tecnologia aplicada, demonstrando, de fato, COMO os procedimentos de ensino podem ser executados e modo a produzir as mudanças esperadas frente às demandas impostas ao professor. Acho que foi importante também pelo fato de termos demonstrado dados oriundos de um estudo realizado com grupos de alunos e não com apenas um, pois como sabemos, é grande a dificuldade para o ensino individualizado nas escolas públicas.
A partir de nossos resultados, propomos o desenvolvimento de pesquisas que possam tratar com mais especificidade cada um dos métodos testados, testando possíveis variações e refinando-os. O Painel de Dicas, por exemplo, foi desenvolvido exclusivamente para este estudo. Não existem referências sobre seu uso na literatura, e em nosso estudo, uma das professoras atingiu o critério de encerramento após ter passado pela fase de treino com este painel. Além disso, observamos que outras duas professoras aumentaram significativamente as respostas de fornecer dicas após passarem por esta fase. Estudos futuros podem testar variações deste método. 
NDificuldades comuns enfrentadas por professores de crianças com desenvolvimento atípico são comportamentos como auto-lesivos, héteroagressivos, envolvimento em situações de risco, entre outros, geralmente com função de fuga/ esquiva e reforçados pelo professor, que acaba liberando o aluno da atividade. O manejo adequado destas situações geralmente possui um custo de resposta maior para o educador do que simplesmente liberar o aluno. Como o Analista do Comportamento deve responder a esta dificuldade de modo a garantir a adesão do educador à proposta? 
H – Acredito que, primeiramente, é fundamental estabelecermos uma boa relação com o professor. Uma relação de empatia, aproximação e compreensão de suas dificuldades. Depois, precisamos reconhecer as estratégias bem sucedidas que ele já utiliza em sala de aula (reforçando seu uso), criar condições para que ele coloque a situação X como uma dificuldade e tomar cuidado para não chegar “ditando” o que está certo e errado em sua conduta (por exemplo, não conseguir que o aluno complete uma tarefa). A partir de então, podemos discutir as relações comportamentais envolvidas na situação, criando condições para que ele aprenda a realizar análises funcionais e perceber os efeitos do próprio comportamento sobre o comportamento do aluno e vice-versa. 
Depois de estabelecidos estes repertórios, podemos fornecer regras de maneira mais sistemática, oferecer modelos ou utilizar outras estratégias, ensinando o professor a conduzir a situação (aqui entra a definição de qual é o método mais indicado para o ensino de uma determinada habilidade ao professor, o que foi o tema de nosso TCC).
Em linhas gerais, acredito que precisamos criar condições para que ele seja sensível à consequência de se engajar em respostas que tenham um custo maior, mas que serão fundamentais no processo de aprendizagem do aluno. Acho que os professores estão cansados de regras, que em sua maioria, são imprecisas. Inclusive, é isto que nossos dados demonstram quando apontam que o método “Aula” é o menos eficaz para produzir mudanças no comportamento do professor. 
Assim como para o educador, para que o Analista do Comportamento possa planejar e conduzir este tipo de intervenção também existe um alto custo de resposta e devemos estar atentos às nossas próprias esquivas ou fugas desse tipo de planejamento de intervenção. Voltamos, então, às nossas perguntas clássicas: a dificuldade do professor para aprender a conduzir uma determinada situação é porque ele não sabe ou não quer aprender, ou porque o método de ensino não é adequado para favorecer seu aprendizado? 
É por estas e outras dificuldades que me interessei por estudar métodos de ensino na formação de professores. 
NQual sua opinião sobre a idéia de que a educação especial deve ser apenas um recurso complementar e que todas as crianças com desenvolvimento atípico, independente da severidade do quadro, devem estudar em escolas comuns? 
H – Sabemos que as escolas de educação especial tradicionalmente exercem um papel fundamental na mobilização social e política, na discussão dos direitos da pessoa com deficiência. Essa história não pode ser simplesmente descartada. Acho que o que precisamos é repensar o tipo de serviço oferecido por estas instituições.
Defendo que todas as pessoas, independente de terem ou não algum tipo de deficiência, tem o direito de conviver em uma escola regular. A Educação é dever do estado e direito de todos, sem qualquer distinção. Não existe, então, fundamento ético, político e legal para que a educação de pessoas com deficiência seja delegada apenas a instituições filantrópicas ou de caráter exclusivamente voltado para a deficiência. Entretanto, precisamos levar em consideração que existem diferentes tipos de deficiência e cada especificidade requer um manejo diferencial. Para cada caso, deve ser estudada uma estratégia de inclusão.
Acho inapropriada a generalização “todo aluno, independente do tipo de deficiência, deve ficar em sala de aula com os demais alunos”. Precisamos responder a diversas perguntas antes de nos aventurarmos a inserir todo e qualquer aluno com desenvolvimento atípico em uma sala de aula regular. Quais habilidades este aluno já tem? O que ele precisa aprender? O que é possível que ele aprenda nas condições de sala de aula? Ele possui pré-requisitos? A professor, que precisa atender a mais de 25 alunos, tem condições de dar a este aluno a ajuda que ele necessita? Como isto pode ser feito?
Se estas perguntas não tiverem respostas claras, corremos o risco de sermos irresponsáveis ao pensar que somente o “estar junto de pessoas sem deficiência, por sí só, produz todos os avanços que aquele aluno com necessidades especiais pode alcançar”. 
Já existem diversas iniciativas, em todo o país, que buscam construir um sistema inclusivoe que respeite os limites e considere as possibilidades de aprendizagem dos alunos com necessidades especiais mais acentuadas, e que, por exemplo, não tem repertório para passarem 4 horas sentados, com mais 30 alunos, ouvindo aulas expositivas. Estas estratégias precisam ser mais divulgadas e seus impactos na construção de sistemas educacionais inclusivos devem ser analisados.
Existe um conjunto de aspectos que precisam ser considerados, como por exemplo: acessibilidade; formação e capacitação dos profissionais; participação da família e apoio sistemático das especialidades da área de saúde que estes alunos comumente necessitam (como fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, médico, psicólogo, assistente social). A escola, para ser inclusiva, precisa ter respostas para estas demandas, ou então teremos uma pseudo-inclusão, ou ainda, a acentuação de um processo de exclusão. 
NOs pais destas crianças também passam por algum tipo de trabalho terapêutico ou orientação? Como é este trabalho e qual sua importância? 
H – O trabalho com os pais de crianças com NEE pode ser necessário em nível de terapia ou orientação educacional, a depender de cada caso, assim como acontece quando trabalhamos com crianças com desenvolvimento típico. 
O principal objetivo do trabalho com os pais é torná-los sensíveis a influência de seu próprio comportamento no desenvolvimento de diversas habilidades da criança. Os pais, ou os cuidadores da criança no ambiente familiar e escolar, são os principais agentes na criação de oportunidades para inserção da criança em atividades que favoreçam o processo de generalização do que é treinado nas sessões com o terapeuta. 
NQue avanços podem ser obtidos, em termos de desenvolvimento de repertório comportamental e melhoria na qualidade de vida com estas crianças, por meio de um tratamento adequado e de início precoce? 
H – Diversas habilidades podem ser aprendidas. Um tratamento precoce pode favorecer o desenvolvimento mais refinado da coordenação motora grossa e fina, da senso-percepção, contato visual com pessoas e objetos, discriminações simples e condicionais (pareamentos), entre outros. A aquisição destes repertórios pode ser pré requisito para que as crianças com dificuldades acentuadas na comunicação possam, por exemplo, aprender a se comunicar por meio de sistemas de trocas de figuras. 
A aprendizagem de um tipo de comunicação alternativa pode prevenir a ocorrência de diversos comportamentos incompatíveis com o bem estar da criança, tais como auto e hétero-agressão, birra, entre outros. Ao comunicar-se adequadamente, a criança tem maiores chances de socialização, exploração adequada do ambiente e, consequentemente, tem maiores oportunidades de desenvolver sua autonomia. 
NVocê atende crianças com desenvolvimento atípico atualmente? Oferece algum tipo de consultoria ou orientação para pais, professores ou outros profissionais interessados na área? 
H – Sim, atualmente trabalho com duas modalidades de atenção a crianças e adolescentes com deficiência. Atuo em uma escola privada planejando metodologias de intervenção e orientado professores no trabalho com crianças de 3 a 6 anos diagnosticadas com autismo e outras com deficiência intelectual. Nessa escola, faço a avaliação do aluno, o planejamento do ensino, orientação do professor, orientação dos pais e monitoramento da aprendizagem do aluno. 
No outro campo de trabalho, sou servidora pública, psicóloga da Secretaria de Assistência Social e atuo no CRAS (Centro de Referência de Assistência Social). Desenvolvemos diversos trabalhos com o objetivo de prevenir a ocorrência de violação dos Direitos Humanos nas comunidades em que moram pessoas com alto índice de vulnerabilidade social. 
Dada a minha história de aproximação com a área da educação especial, no serviço público tenho feito algumas atividades específicas para a atenção a crianças e adolescentes com deficiência residentes na comunidade em que atuo. Junto a uma equipe composta também por outros profissionais, realizo avaliação das condições de nutrição básica, higiene, locomoção, otimização do acesso a outros serviços públicos como médicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, escolas, requisição de benefícios assistenciais junto ao INSS, entre outros. Também oriento as famílias quanto a algumas especificidades comportamentais esperadas para aquela criança e sobre estratégias para manejar situações de conflito. Inclusive, cabe dizer que este tipo de orientação tem reduzido bastante a incidência de abuso físico e sexual contra crianças e adolescentes com deficiência. Também visito escolas da comunidade, orientando professores quanto ao trabalho com alunos com NEE. 
NPara finalizar, poderia falar um pouco para nossos leitores – em sua maioria, estudantes de Psicologia interessados em Análise do Comportamento –, sobre como é trabalhar com crianças com desenvolvimento atípico e o que é importante para atender bem a esta população? 
H – Aprendi a gostar desse trabalho porque tenho uma longa história familiar com a área da educação. Além disso, quando entrei na Universidade, tive o prazer de contar com excelentes Analistas do Comportamento que me apresentaram a educação especial com bastante entusiasmo. Para mim é um prazer indescritível. 
Se eu puder ousar dar dicas a um iniciante nesta área, falarei do que aprendí ao longo dos trabalhos desenvolvidos com esta população:
1 – É fundamental entrar em “contato genuíno” com a criança. Um primeiro momento livre de observação sistemática, de análise, de técnica, de treino. Precisamos “sentir um pouco o jeito de ser” que cada uma delas possui. Para isto, as brincadeiras sempre ajudam. É importante também estarmos sempre atentos ao que a relação com a criança produz em nós, Analistas do Comportamento;
2 – Fazer jús à nossa ferramenta de trabalho, a Análise Funcional, entendendo que por mais bizarros que certos padrões comportamentais pareçam ser, eles são as melhores respostas que a criança pode dar naquela ocasião. Muitas vezes, a modificação de um comportamento é demorada. A pressa e imediatismo não combinam com Educação Especial. 
3 – Manter contato com a família e outros profissionais que acompanham a criança é essencial. É importante coletarmos informações relativas ao tipo de medicação que a criança usa, mudanças na rotina de casa ou na escola, etc.
4 – Não trabalhar com parâmetros irrealistas, do tipo: tornar uma criança com NEE parecida com aquela que não possui nenhum tipo de deficiência. A criança deve ser respeitada no seu jeito de ser e precisamos ser sensíveis a identificar COMO podemos ajudá-la a tornar sua vida uma pouco mais prazerosa e autônoma, dentro de sua condição de existência.
5 – Estar atento às notícias e diretrizes publicadas para para esta população pelas instituições governamentais como o MEC, SUS, SUAS e INSS, olhando para as metacontingências. 
6 – Por fim, estudar, estudar, estudar e estudar ainda mais os princípios básicos da Análise do Comportamento.
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Escrito por Portal Comporte-se

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